sábado, 24 de março de 2007

MEMÓRIAS DE MIM (II)

MEMÓRIAS DE MIM (II)

Era alto, esguio, e já desprovido de protecção capilar. Para proteger o cocuruto das intempéries, puxava pelo capuz do hábito. Enfiava os pés numas botas de medida quarenta e cinco, bem aferida, e quem houvesse de acompanhar as suas passadas largas, só o poderia fazer em passo de corrida. Gaulês pelo berço, segundo creio, a Ordem importara-o para Aldeia Nova onde, no meu tempo, no nosso tempo, ia desenvolvendo profícuo apostolado. Falo do Padre Simonin, que me lembre um santo homem, tolerante e de quem não tínhamos medo. Não sei porquê, talvez devido ao seu tamanho, chamávamos-lhe “O Cabilhas”. Recordo a sua presença, a sua postura, o seu acentuado sotaque francês a que nós, quando mais meninos, achávamos extraordinária piada. Nos passeios curtos das quintas-feiras e domingos, quando não tínhamos como destino o campo de futebol do Olival, bastas vezes éramos forçados à marcha de trote atrás do padre Simonin, calcorreando as terras vizinhas, subindo e descendo colinas, admirando os velhos moinhos de vento, construídos em madeira, que muitos de nós tentávamos pôr em marcha. Quando ele nos guardava no salão de estudo, os sussurros que fazíamos entre nós, conseguiam abafar o zumbido dos “petromax”, coisa que não acontecia com os demais, como padres Luís Cerdeira, Armindo e outros. A sua tolerância porém, nem sempre era ilimitada. Certa ocasião, num dos tempos destinados ao estudo, vigiava o padre Simonin quando eu me extasiava em amena cavaqueira com um companheiro, cuja identificação já não me ocorre. Simonin olhava, acenava com a cabeça e lá parávamos com a conversa. Momentos volvidos, voltávamos de novo ao tema. O bom gigante francês, não condescendeu mais e lá de onde se encontrava, soltou em alta voz: -NERSUN, VITORUIDO!... Naturalmente que este disparo do padre Simonin, provocou gargalhada geral, porque todos percebemos que ele quis dizer: -Nelson, evite o ruído.
O meu respeito pelo padre Simonin, onde quer que se encontre.

12 comentários:

Anónimo disse...

A D. Júlia de Almendra, grande especialista de gregoriano, começava por ensinar aos alunos, que esta música medieval, se baseava em apenas dois movimentos: arsis e thesis, i. é, em cima e em baixo, mas não como um compasso binário, antes como o movimento de uma onda.
No momento em que o gregoriano está prestes a ser obrigatório nas celebrações religiosas, temos que voltar a recordar estes ensinamentos...
Também aqui no blog, estou a notar este alternar: heróis e mortais, em cima e em baixo. É a vida...
Ezequiel Vintém - ex-frei Pancrácio.

Anónimo disse...

Sabes, caro Ezequiel, o Aquilino Ribeiro, um beirão dos quatro costados como eu, dizia que "a vida é como os alcatruzes da nora, ora cheios, ora vazios". Assim não será despiciendo entrar na alternância que referes. A nossa vida foi feita disso... é feita disso...

Anónimo disse...

Olha pancrácio, não vales mesmo um vintém. No entanto transportaste-me até Fátima e reví com nitidez a Dona Júlia de Almendra. Era exigente e rigorosa, mas que competência. Veio-me também à memória o Abbé de Solesmes, que nos ensinou a ouvir gregoriano com orelha educada e purificada. Ainda hoje de vez em quando vou a um mosteiro de Beneditinos ( uns 40 monjes) a uns 20 Km de minha casa. Cantam um gregoriano perfeito, e é por isso que soporto que sejam um pouco tradi...Não posso abituar-me no entanto a atitude do Padre Abade que se deixa defumar como se fosse um salpicão.
A verdade, amigo Nelson é que quando vim aquí para os comentários era para falar do Padre Simonin. Que bem o descreveste. Estava mesmo a vê-lo. Tal e qual... Fartei-me de rir e lembrei-me de uma história. Como eu, muitos outros iam confessar-se a ele, pensando que não percebia patavina do que lhe diziamos...Confessavamos todos os mesmos actos, mais ou menos frequentes, mas cada um pensando ser o único completamente deparvado...Lá vou eu confessar-me ao Padre Simonin que pelos vistos compreendeu bem mais do que eu quiz dizer-lhe, e deu-me como penitência um terço. Isso seria normal se fosse um terço de Avé Marias.Á minha grande surpresa tratava-se de um terço de Salve Rainhas. Fui imediatamente ter com outro padre que tendo compreendido às direitas, tudo o que lhe disse, me deu tres Avé Marias e um Pai Nosso. Saint Simonin, priez pour nous!

Anónimo disse...

Escuta Fernando, estás convencido que vales três vinténs, mas eu duvido. Sabes porquê? Porque aposto que foste pressuroso em experimentar se o algodão tinha dotes de preservativo, como nos ensinaram nas aulas de educação sexual em Aldeia Nova. Aliás os homens não se medem aos vinténs.
Essa de só aprenderes a ouvir gregoriano com os estrangeiros, é uma música que me arrepia os ouvidos (os nossos jovens navegam sempre nessa onda). Nunca tinhas ouvido bom gregoriano em Portugal?
Finges que não te recordas dos meus solos, tão sublimes que as estátuas de Nª Senhora e S. Domingos da capela do convento de Fátima tiravam as mãos para fora para aplaudirem. Isso é falta de auto-estima em ser português...
Exequiel Vintém(ex-frei Pancrácio)

Anónimo disse...

O quê ? Educação sexual em Aldeia Nova ? Eu só tive educação de civilidade e boas maneiras. Durante essas aulas até aprendiamos a descacar laranjas com faca e garfo e a desfolhar bananas . A não ser que isso tivesse alguma conotação sexual, mas não me apercebí. Vinha de lá de trás dos montes e não compreendia tudo. Essa agora de educação sexual...Nem o nome se podia pronunciar, que era pecado! Não sei quem és nem de onde vens mas de certeza que não estiveste em Aldeia Nova! Olha que esta...Educação sexual (que Deus me perdoe por já ter escrito esta palavra tantas vezes) eu na verdade não tive, mas também não precisava, visto que na minha terra o sexo andava à solta. Falo dos animais evidentemente. Os animais não precisaram de mestres. Até as pulgas se reproduzem sem ninguém lhes dar cursos...e tu precisaste de aulas. Não sei em que terra foste gerado, mas não és Trasmontano de certeza. Nao sou portuges,nao senhor, sou trasmontano e nao tenho vergonha do meu nome. Fernando

Anónimo disse...

Já agora, vocês lembram-se de um manual curioso, da autoria de um célebre Luis Cerdeira OP, irmão de um outro Cerdeira OP (o parvo)?... Chamava-se a obra: "Confidências aos meus seminaristas". Era um verdadeiro tratado educacional!...

Anónimo disse...

Nelson:
O autor do lvro que referes é D. Francisco Rendeiro e não o padre Luís.
Eduardo Bento

Anónimo disse...

Boa memoria Nelson, mas era José Cerdeira ( não o.p.) nós chamavamos-lhe Zé Polaco. Haveria muito que dizer dele, mas prefiro ficar por aquí. Recordo uma cena que quem viu nunca mais esqueceu. Estava ele ao quadro, a dar uma qualquer explicação, na gande sala que dava directamente para o recreio. Começou a tossir e a espeidar-se, escarrou-se todo, ficou com a cara cheia de moncos, foi um nojo. Era um pobre diabo, andava completamente subjugado pelo irmão e tentava vingar-se em nós, mas quem não tem pé, não pode dar coice!"Confidencias aos meus seminaristas" ja me tinha esquecido! Fernando.

Anónimo disse...

Depois de ter clicado para mandar este texto, relí-o e se podesse tinha-o apagado. Nelson, se podes , suprime-o. Cometí um erro identificando alguém numa acção completamente negativa. Para mais se alguém lê estas duas frases antes de se sentar à mesa, até lhe cortam o apetite. A informática dá tantas possibilidades, que também deve permitir de apagar aquilo que cada um colocou. Se alguém sabe que me diga. Fernando.

Anónimo disse...

Olha Fernando, já está... já está e as verdades não são pecado, pois não?
Bem-hajas Eduardo, pela tua achega quanto ao autor das "confidências!..."

Anónimo disse...

Nelson e Outros, lembro-me bem do aviso: Nersun vitoruído. Mas eu, chegado a Aldeia Nova há pouco, supunha que o velho Padre das botas Grandes, Mon Pèrre, lançava um aviso de silêncio ao Nelson e ao Vitorino.
Ed. Bento

Anónimo disse...

Nada disso Eduardo!... Vitorino era bem comportadinho!