domingo, 30 de setembro de 2018

Fr. Simonin, Cabilhas, um Bom Gigante



À quinta-feira, era feriado. E que bem sabia esta interrupção lectiva a meio da semana!... O dia começava, invariavelmente, como os outros. Depois do pequeno-almoço, havia uma sessão de estudo de cerca de hora e meia e depois um intervalo prolongado de uma hora. De seguida mais estudo até à hora de almoço. De tarde, os estorninhos saíam da gaiola, e lá íamos, alternadamente, ou para o campo de futebol do Olival ou explorar montes e terras vizinhas, Urqueira, Cercal, Gondomaria, Barrocaria,  Cavadinha, que era a terra do Manuel Ribeiro, o Boa, e do Leonel Castelão Ribeiro que, não sei por que modas, a gente chamava de Fenício, facto que ele ainda hoje recorda com galhardia. Na Cavadinha, havia uma madonna que o Leonel dizia que tinha sido mestre-escola, e que de cada vez que nós passávamos à sua porta, ela entoava do alto da sua varanda uma canção cuja letra aqui reproduzo conservando ainda na minha memória a melodia:
Alerta, Alerta
Olé quem passa
São os soldados de Cristo Rei…
E lá acenávamos nós respeitosamente à matrona, que assim nos saudava de forma tão peculiar.
         Uma vez em cada trimestre, se a memória não me atraiçoa, havia o chamado ‘passeio grande’. Era um dia inteiro de passeio, que nos levava a destinos mais distantes como Memória, Espite, Estreito, Freixianda, Rio de Couros e tantas outras terras que nós íamos descobrindo. Em Rio de Couros, marcávamos encontro com o Rio Nabão que ali deslizava mansamente. Por volta do meio dia, chegava a carrinha Volkswagen azul com o almoço e nós recebíamo-la festivamente, sem foguetes nem bandeiras, mas com um apetite devorador.
Os passeios das quintas-feiras e domingos eram segregacionistas, na medida em que éramos separados, tendo em vista não o escalão etário mas sim o ano de escolaridade: primeiro e segundo anos para um lado, terceiro quarto e quinto para outro. Tínhamos sempre a companhia de um perfeito ou de um padre, que não deixava que ninguém se atrasasse, não fosse o diabo tentar as almas que andavam na aprendizagem do sacerdócio. Recordo alguns dos perfeitos como o Zé Cerdeira que, não sei por que motivo tinha a acunha de Zé Polaco e era irmão do director; o Sr. Moisés oriundo da zona da Batalha e que era aluno do seminário maior diocesano, já tonsurado e que nunca largava a sua batina preta. Estaria porventura a estagiar para receber as ordens diaconais, mas também não se fez velho em Aldeia Nova. Do percurso dele nada mais soube e só muito recentemente tomei conhecimento que o Sr. Moisés que eu conheci, é afinal o conceituado sociólogo Moisés do Espírito Santo, que tantas vezes vi no pequeno ecrã, com os poucos cabelos que lhe restavam descaídos em repas pela cabeça abaixo, brancos, enrolados e desalinhados, dar largas à sua sabedoria, emitir o seu parecer sobre a organização social deste país desorganizado. O prefeito Moisés era um homem criativo, simples, bonacheirão, tolerante e de quem se gostava. Talvez pelo Natal de 1956 o Sr. Moisés entendeu que poderíamos fazer um presépio a partir de figuras por nós concebidas, mas com a sua supervisão. Daquela fábrica de cerâmica que havia próximo do campo de futebol do Olival, carregámos um bom pedaço de barro que transportámos até à ‘Velha Casa’. Sob a sua orientação moldámos anjos, santos, reis magos e as divindades do presépio. Criámos casas ao estilo árabe e tudo cozemos num forno que havia na quinta, junto aos currais. E construímos o presépio. Sessenta e piques anos depois, com a devida vénia, ficam os meus respeitos ao senhor professor doutor Moisés do Espírito Santo!
Outra figura emblemática dos nossos passeios era o padre Simonin. De nacionalidade francesa, alta estatura e com a cabeça desprovida de protecção capilar, como agora se usa, o seu sotaque afrancesado era muitas vezes motivo de chacota. Só o temíamos nos passeios, pois a sua passada larga, obrigava-nos a algumas correrias para o podermos acompanhar. Mesmo assim, era para nós o mais aceitável, dada a sua bonomia e inquestionável tolerância. Certa vez, porventura no meu terceiro ano, aconteceu entre mim e ele uma situação bastante inócua, mas que foi motivo para gargalhada que deixou o grande Simonin algo incomodado.
Nas horas dedicadas ao estudo, a cambada era distribuída como nos passeios: primeiro e segundo para um lado, terceiro, quarto e quinto para outro, que é como quem diz, primeiro e segundo no salão de baixo, terceiro, quarto e quinto no salão de cima. Como a cena em apreço tivesse acontecido no salão de cima, daí o facto de a posicionar no meu terceiro ou talvez quarto ano. Era no estudo da noite e por isso tínhamos o zumbido dos dois petromax por companhia. A certa altura eu e outro companheiro desenrolávamos amena cavaqueira e eu fui o alvo da repreensão do gigante francês, que com o seu característico sotaque sentenciou alto e bom som:
-Nersun! Vite o ruido!... que eu traduzi para português corrente –Nelson, evite o ruído!...Esta chamada de atenção mereceu uma gargalhada geral de escape, que não agradou ao fr. Simonin. Meio século depois, o Eduardo Bento haveria de recordar o facto, pensando ele que a reprimenda era para mim e para o Vitorino.
E porque é que nós alcunhávamos de “Cabilhas” ao Fr. Simonin? – Confesso que não sei. Mas era, na verdade, um bom gigante!...

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

SOPRANO

Mais um naco de memórias. Quando não vos agradar, eu termino.
Abraço
Nelso



Soprano

O barulho do petromax incomodava-me sobremaneira. A camarata do primeiro ano era um compartimento com algumas trinta camas e uma espécie de casa de banho ao fundo. Mais ou menos do centro do tecto, saía um gancho de ferro onde se pendurava o petromax que iluminava, como podia, o dormitório. À entrada do mictório, ficava de vigília toda a noite um lampião a petróleo que arremedava uma luz de presença. Aproveitando as duas paredes, fixava-se num canto com duas taipas de madeira, o quarto do prefeito.
A primeira noite foi de medos, de sonhos despertos, de dúvidas, inquietações e perguntas sem resposta. Ouvi soluços, palavras abafadas e lamentos incontidos. Tudo isso eu consegui reprimir e interiorizar numa insónia sem memória. Sobre a madrugada o sono deve ter-me vencido pois só despertei com o zumbido do petromax, que me haveria de perseguir para sempre. O prefeito batia palmas infindáveis e lá vinha mais um Benedicamus Domino.
A figura deste prefeito assustava-me. Eu que nos meus quatro anos de escola primária, tinha aprendido a não gostar de espanhóis por causa das Aljubarrotas e dos Filipes, tinha pela frente um prefeito espanhol, berrão, autoritário, irascível e com instintos que, a esta distância, consideraria pedófilos. Não se quedou por muito tempo em Aldeia Nova e não deixou saudades em ninguém. Nunca foi meu professor, mas dava por lá umas aulas de inglês e esporadicamente ministrava umas aulas de ginástica a todos. Recordarei para sempre uma frase sua que feriu o meu orgulho de portuguesito com o ego patriótico razoavelmente afirmado, quando numa aula de ginástica ele ordenava que formassem duas alas, mandando estender o braço até ao ombro do colega da frente para delimitar espaço. Como houvesse um grupo de alunos muito juntos ele gritava: Para trás, más para trás… se Portugal es pequeño, será grande España!... Nunca mais esqueci esta atitude segregacionista desse tal Avelino Aboím Gonzalez y Tiembra.
E tão cedo que era, quando o espanhol bateu as palmas!... Feita a higiene matinal, lá seguimos todos em fila indiana, petromax à frente porque o sol ainda estava escondido, em direcção à capela. À saída do dormitório ficava a oficina do sapateiro, passávamos por debaixo da figueira, depois a copa à direita e a adega do Irmão Domingos à esquerda. Haveríamos de tomar assento nos bancos da capela, em lugar já demarcado de véspera. Matinas!... Que era isso? Uma salmodia monocórdica, entoada alternadamente pelos frades e pelos alunos mais velhos que já eram versados na matéria. Depois a Santa Missa, dita conventual, nesse primeiro dia celebrada pelo fr. Luís Cerdeira, o director, enquanto em dois altares laterais outros frades despachavam em surdina a sua obrigação quotidiana. Ite, missa est.
Mais uma fila indiana até ao dormitório, fazer as camas e vestir o guarda-pó, assim uma espécie de bata de cotim que protegia a roupinha. Depois o refeitório, onde se deglutia um prato de papas de milho e uma aguada caneca de café com leite, acaudatada de um pão, vulgo carcaça, com manteiga americana.
Verificados os horários lectivos, seguiam-se as aulas. Afinal também havia professores leigos. E eu a imaginar que para se ser padre, não era preciso andar às voltas com a história, a geografia, a matemática, as ciências e o francês… Não seria suficiente aprender latim e português e, obviamente, o catecismo?!... E, por uma louvável gestão económica, herdávamos os livros dos companheiros de anos anteriores, poupadinhos quase todos. E, de hora a hora, a campainha soava anunciando o fim e o início de uma nova aula.
Rosa, rosae, nominativo, genitivo, vocativo, dativo, ablativo… isto de aprender a ser padre, tem que se lhe diga!... A meio da manhã, um intervalo de meia hora que mal dava para satisfazer as necessidades fisiológicas, quanto mais para engendrar um stique para o hóquei em campo ou um taco para o críquete. E no recreio os terrenos iam-se demarcando, uns com os buracos para o berlinde, outros no voleibol e no hóquei, enquanto aqui e ali, ainda houvesse quem curtisse uma acrisolada saudade. A sineta interrompia tudo e lá vinha de novo a formatura, um rito que eu haveria de recuperar, anos mais tarde, no cumprimento do serviço militar. Mais aulas e muitas orações, antes, depois e às vezes no meio. O toque da campainha era o momento mais ansiado, sobretudo o do meio-dia e meia, que nos fazia de novo sentar ao redor das mesas de mármore frio, onde já se alinhavam as alfaias de alumínio, prontas para o embate com a pouco elaborada comida preparada por um arremedador de cozinheiro que granjeara a alcunha de fr. Porras.
Depois do almoço vinha um curto período de recreio, depois formatura e depois aulas. Nesse primeiro dia, no fim das aulas, fomos chamados à música. No salão de baixo, junto do piano, um professor de música, leigo, de bata preta  e que, se a memória me não atraiçoa, dava pelo nome de Ferreira. E o músico, ia entrevistando cada um de nós obrigando-nos a entoar a escala diatónica, tanto na forma ascendente como descendente, tomando por base o som do piano. E o mestre músico lá ia arrumando os nomes que seleccionava, acrescentando-lhe o naipe em que cada um iria ser integrado.

Eu fui selecionado para soprano.

ANIVERSÁRIOS EM OUTUBRO


Durante este mês celebram o seu aniversário os
nossos Amigos
NOME                                                                 Dia
  Elias Dias da Silva                                                         4
  Fernando José Vaz                                                       6
  António Alves Farinha                                                    6
  Antero Dos Santos Monteiro                                            6
  Víctor Manuel de Jesus Frazão                                         8
  Ricardo Quadrado Vicente                                             12
  Francisco da Silva António                                             12
  António Pereira da Costa                                               13
  Álvaro Amaral Milagre                                                  15
  Carlos Manuel Morais Pina                                             17
  Leonel Castelão Ribeiro                                                 18
  Manuel Evangelista Costa Pinho                                       26
  Manuel Gomes Pereira                                                  29
  Jorge Fernandes Lourenço                                            31
Para todos os nossos parabéns e os votos de um futuro cheio de 

Bençãos de Deus.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

MEMÓRIAS DE MIM

Um naco de umas coisas que vou escrevendo, à guisa de recordações. Aproveitando a memória que ainda conservo, partilho connvosco estas memórias.
Um abraço
Nelson
Benedicamus Domino

Mal refeito da longa viagem e de todas as emoções coleccionadas nesse dia, dou comigo numa camarata com algumas trinta camas. Um enxame de “estorninhos”, que mal podiam com as malas do enxoval, esforçava-se por conseguir um espaço junto da cama que lhes fora destinada. Os veteranos prontificavam-se a ajudar e ensinar a estender os lençóis e os cobertores, já etiquetados com o número que previamente fora atribuído. Coubera-me o 35.
Ainda tens merenda? Era a pergunta sacramental, na mira de saldar o esforço despendido. A merenda era sempre abundante, porque a mãe não queria que nada faltasse ao filhinho que pela primeira vez deixava a casa paterna. Viagem longa e demorada. E a primeira foi numa madrugada orvalhada de Outubro em que até as estrelas e a mentirosa lua vieram juntar-se às lágrimas da minha mãe. O relógio da torre deixava cair as cinco badaladas. Eram cinco da manhã e eu já não iria ouvir as cinco da tarde do relógio da minha aldeia, que anunciariam a minha chegada a uma vida que não sonhara mas que aceitara. Cinco léguas me separavam da estação do caminho-de-ferro. Partia tranquilo, levando por companhia um veterano, o meu primo e amigo Álvaro Milagre. Uma camioneta de carreira ruidosa e poeirenta, com um cobrador rabugento e ensonado, afastou-me do lar paterno e, de solavanco em solavanco, lá se quedou no pequeno largo da estação de caminho-de-ferro de Celorico da Beira. Do lado de dentro do postigo, mais um funcionário ensonado e rabugento, perguntava o meu destino. Caxarias! Trocados os escudos por uma guia de marcha para um sítio que eu só imaginava, resguardo-me na gare à espera do monstro de ferro. Ali, homens e mulheres com grandes malas, cestos e sacos, aguardavam o mesmo que eu e olhavam de revês para o meu fato preto, medindo-me de alto e baixo. Eu carreguei-me de receios e de solidão, pois era a primeira vez que era enviado para o mundo, tendo por destino ser padre. Sobraçando por certo as mesmas preocupações, deparo-me com outro menino de negro vestido, fazendo guarda à sua bagagem. Na ânsia de encontrar companhia hesitei em questioná-lo, mas atrevi-me. Também vais para o seminário? A resposta foi aquela que eu quis ouvir e o Chico Saraiva, natural de Freches, também tinha tirado o bilhete para Caxarias. O silvo da locomotiva fez-se ouvir lá para as bandas do Baraçal, anunciando a chegada iminente. Minutos volvidos e expelindo fumos por todos os cantos, o comboio arrastava-se. Das janelas de uma das carruagens várias cabeças acenavam na nossa direcção. É para aqui! Ajudaram-nos a subir as malas do enxoval e instalamo-nos familiarmente. Os interrogatórios sucederam-se e depressa nos tornámos amigos, irmãos e cúmplices. Antes que a memória me atraiçoe, quero recordar aqui os nomes: José Lourenço, António Alves Lines, José da Cruz Fernandes, Amadeu Pereira Valério, Orlindo Gonçalves Igreja, Manuel José Braz, Manuel Orlindo Melro, Manuel Salvado, o Jesuíno, o Fausto da Paixão Gomes e mais os entrados em Celorico - Álvaro Amaral Milagre, Nelson Amaral Veiga e Francisco Soares Saraiva.
Demarcado o território dentro do comboio, seguimos em festa de estação em estação, a admirar um percurso que haveríamos de memorizar, tantas foram as vezes que alguns de nós o repetimos. E, ironia do destino, muito embora o comboio de há sessenta anos já não seja o mesmo, é o mesmo traçado ferroviário que delimita os terrenos onde eu construí a minha casa, numa terra que me adoptou e eu adoptei. As janelas do comboio já não se abrem como outrora, e eu já não posso ver se me acenam como nós acenávamos às pessoas ao longo do percurso. Aqui, na linha da Beira Alta, entre a estação ferroviária já encerrada de Contenças (Vila Nova de Tazem) e a de Mangualde, perto da entrada do primeiro túnel, eu vou ouvindo e vendo o comboio e recordando as longas viagens dos meninos seminaristas. Tão pouco nos esquecíamos de, à passagem por Mortágua e já com o trem em andamento, questionar os circunstantes que ficavam do lado de fora, quem matou o juiz?... A resposta era sempre a mesma, carregada de raiva e ódio e que eu aqui não vou repetir, mas que consubstanciava uma ofensa às nossas mães. E aquela emblemática gare do Luso, hoje também praticamente desactivada, em que a voz esganiçada das vendedeiras despertava a nossa atenção!... Arrufadas de Coimbra e cavacas do Luuuuuuuso!... ou então: bilha e água!... E por dez tostões lá comprávamos nós uma bilha de barro, com um litro de água de duvidosa proveniência. Os mais atrevidos faziam pontaria com ela às paredes do próximo túnel, enquanto os mais conservadores faziam questão de a levar intacta até ao destino.
Mais uma paragem e um movimento ferroviário fora do comum. De um altifalante roufenho ouve-se: Estação de Pampilhosa - acaba de dar entrada na linha número um da Beira, o comboio regional procedente de Vilar Formoso e com destino à Figueira da Foz. Os passageiros com destino a estações até Porto ou Lisboa, devem mudar de comboio. Em Pampilhosa, tínhamos uma longa espera de mais de duas horas, aguardando o comboio procedente do Porto e que nos levaria a Caxarias. Vendedores ambulantes assediavam-nos tentando convencer-nos a comprar. E a quitanda que tinham pela frente, ofertava os produtos mais diversos, que iam de navalhas a correntes com porta-chaves, carteiras, esticadores para os colarinhos, minúsculos espelhos de bolso, redondos, que no verso tinham a gravura do Travassos, do Águas, do Costa Pereira, do Vasques, do Pedroto… Havia sempre negócio!...
Alinhávamos as malas no cais da Linha do Norte e íamo-nos revezando até à cantina, no extremo da gare onde, por dez tostões, se saboreava o indispensável pirolito, roídos de inveja por não podermos sacar a pequena bolinha de vidro, que tanto jeito dava para jogar ao berlinde. 
-Atenção senhores passageiros!... Dentro de momentos vai dar entrada na linha número um do Norte, o comboio procedente de Porto Campanhã, com destino a Lisboa Santa Apolónia!...
Ia começar a segunda etapa. E como era longo aquele comboio! Nas carruagens da retaguarda havia braços fora das janelas, onde jovens enfiados nos seus fatinhos pretos acenavam ao grupo que aguardava expectante no cais.
- Ena tantos!... dizia eu para comigo na primeira viagem.
E eram mesmo muitos. Vinham do Minho, de Trás os Montes, do Douro, da Beira Douro e concentravam-se numa só carruagem, em claro desafio à soldadesca, que nesse dia também se juntava para o regresso aos seus quartéis. Carruagem enorme, onde num extremo pontificavam magalas, e no outro seminaristas. Hei-de recordar o sentido oportuno de um nosso companheiro, o Faustino, que respondia sem pudor às provocações dos soldados. O Faustino era oriundo da zona do Porto, e eu admirava nele o seu ar cómico e um elevado sentido de oportunidade. Recordo que numa peça de teatro, das muitas que se encenavam em Aldeia Nova, uma houve, encenada pelo açoriano Medeiros, aquele que ganhara a alcunha de “Napicho” porque, recusando-se a puxar à bomba que elevava a água, dizia com o seu acentuado sotaque açoriano: “Na puxo, na puxo”. A peça em questão tinha por nome As aventuras do Calabrês e ao Faustino coube a interpretação duma personagem que dava pelo nome de Fausto Camolas Barbaças. O Faustino também abandonou o seminário, constou-me que fora oficial da GNR e, com o posto de tenente, o Zé Espirito Santo tê-lo-á visto à distância, ao que suponho num campo de futebol e ainda lhe gritou : Ó tenente Camolas!... Nada mais sei e constou-se-me que terá falecido. Oxalá que não. Todavia, hei-de recordar sempre o seu sentido de oportunidade numa dessas longas viagens entre a Pampilhosa e Caxarias, num facto que terá acontecido após paragem na estação de Coimbra B. Ali o movimento de passageiros também era grande e entrou para a nossa carruagem mais um grupo de soldados. Um deles, ao deparar-se com tantos meninos vestidos de preto, entoou em tom litúrgico: Dominus vobiscum!... e de pronto, o Faustino responde no mesmo tom: És o maior burro que eu tenho visto!... O pobre do magala, não contava por certo que lhe surgisse um acólito tão repentista, com resposta tão certeira e bem direcionada.
-Aqui, Caxarias!... gritava alguém fora do comboio. Num inquestionável espírito de entreajuda, os mais velhos ajudavam os mais novos a transpor as malas para fora do trem e a estação de Caxarias ficava povoada de meninos seminaristas. Uma velha carrinha verde de marca Ford, mais tarde substituída por uma WW pão de forma azul, conduzida pelo Irmão Ezequiel, carregava as nossas bagagens e alguns de nós, voltando depois ao encontro dos restantes para nos levar até à velha casa de Aldeia Nova.
Distribuída a cama e arrumadas as malas, pequenos grupos se espalhavam pelo recreio, uns tomando conta de uma nova realidade e outros constatando as alterações verificadas durante os três meses das férias grandes. O toque agudo de uma sineta convidava-nos a uma concentração junto à porta do refeitório. Em quatro alas, mais novos a um lado e mais velhos a outro, tomámos a direcção da capela. Era a hora do terço. Finda a recitação monocórdica das ave-marias a saída foi em silêncio até ao refeitório. Ali, o director ia distribuindo as mesas compridas com uma pedra mármore enegrecida pelo uso, a servir de toalha. Às palmas do director, fez-se silêncio. Já quase desprovido de protecção capilar, o director era um homem austero, que ditava as ordens sob um forte sotaque da Beira Baixa. Escutámos as recomendações, que foram muitas, e fiquei a saber que durante a refeição só se poderia falar em dias de Benedicamus Domino.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

ENCONTRO ANUAL

  


Caros Companheiros:

Recordamos que o nosso Encontro Anual será no próximo dia 6 de Outubro.
A fim de facilitar o nosso trabalho, vimos pedir aos "retardatários" que confirmem a sua presença tão rápido quanto possível, através das vias já divulgadas.

Um fraternal abraço.
A Comissão Organizadora.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

COLÓQUIO RASTOS DOMINICANOS



O Instituto São Tomás de Aquino (ISTA), criado pela Província Portuguesa dos Frades Dominicanos (Ordem dos Pregadores), em 1954, para ajudar ao desenvolvimento da sua primordial missão de estudo e reflexão teológica, recebeu a incumbência de promover a comemoração do VIII centenário da fundação do primeiro convento dominicano em Portugal (1218), bem como assinalar o VI centenário da ereção canónica da Província Dominicana em Portugal (1418). Dada a relevância destas datas, o Instituto São Tomás de Aquino decidiu assinalá-las com um conjunto de eventos culturais, nomeadamente a realização de um Colóquio intitulado RASTOS DOMINICANOS: DE PORTUGAL PARA O MUNDO. 600 ANOS DA PROVÍNCIA PORTUGUESA, que acontecerá nos dias 9, 10 e 11 de outubro de 2018, no Palácio Fronteira (dia 9) e no Convento de São Domingos de Lisboa (dia 10 e 11), contando com a parceria das seguintes Instituições: Academia de Marinha, Academia Portuguesa de História, Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e Fundação das Casas de Fronteira e Alorna.