sexta-feira, 9 de março de 2007

A Parenética de Frei Pedro Calvo[1]

1. Nota biográfica

Não são particularmente generosas as fontes disponíveis relativamente à biografia do dominicano Frei Pedro Calvo.
A unanimidade que se constata no que respeita à afirmação da sua origem portuense mantém-se geralmente intacta no que toca à omissão das datas do seu nascimento e da sua morte. Nem Barbosa Machado, no tomo III da Bibliotheca Lusitana,[2] nem Quétif-Echard, no tomus secundus dos Scriptores Ordinis Praedicatorum,[3] fazem menção de qualquer destas datas. Mais explícito é Inocêncio da Silva que afirma sem rodeios: “Nada se sabe quanto às datas do seu nascimento e morte”.[4]
Além dos já citados, vários outros autores fazem menção deste frade pregador e da sua obra, mas sempre en passant e em termos ostensivamente genéricos. Assim, D. Francisco Manuel de Melo, numa Carta endereçada ao “Vigário Geral do Arcebispado de Lisboa”, datada de 24 de Agosto de 1650, elencando um conjunto de nomes de “abalizados autores que deu e está dando Portugal nas ciências divinas e humanas”, menciona entre eles Frei Pedro Calvo, apelidando-o de “famoso escritor de homilias”.[5] No seu Curso de Literatura Portuguesa, publicado em 1876, Camilo Castelo Branco faz também uma breve e incaracterística referência ao dominicano, aparentemente decalcada sobre a Carta atrás citada, situando-o entre os “abalizados oradores que ilustraram o púlpito e a imprensa, no último quartel do século XVI”.[6] Já mais perto de nós, Jacinto Prado Coelho, no volume I do Dicionário de Literatura, pronuncia-se globalmente sobre o seu estilo parenético, considerando que “tem o encanto da singeleza e do metaforismo bíblico, mas por vezes ganha movimento oratório, desdobrando-se em sucessivos paralelismos antitéticos”.[7] Por último, João Francisco Marques, num interessante trabalho sobre A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina, datado de 1970 (e ao qual teremos oportunidade de voltar), evoca a figura de Frei Pedro, a propósito do sermão que este pregou na presença de Filipe III de Espanha, aquando da sua visita a Portugal, em 1619.
No entanto, à semelhança dos autores anteriormente mencionados, nenhum destes estudiosos avança qualquer informação sobre as datas de nascimento e morte do referido dominicano.
A excepção a este comum silêncio podemos encontrá-la, quer no estudo publicado, em 1982, por José Adriano de Carvalho, intitulado O portuense Fr. Pedro Calvo, O. P., e a polémica sobre as Ordens Religiosas nos começos do século XVII,[8] quer no capítulo sobre a “Literatura Parenética”, inserto no volume III da História Crítica da Literatura Portuguesa, da co-autoria do mesmo José Adriano de Carvalho e Maria Lucília Gonçalves Pires.[9]
E, tal como se infere destes dois estudos, as principais referências biográficas do dominicano portuense encontram-se precisamente na sua obra, se bem que, geralmente, de forma implícita e dispersa. Assim, é possível situar o seu nascimento em 1551, uma vez que, no texto de apresentação da Parte I das Homilias da Quaresma, datado de 24 de Abril de 1627, Frei Pedro afirma expressamente contar então setenta e seis anos.[10]
No que respeita à data da morte, é ainda uma informação recolhida no Prologo de outra das suas obras, saída a público postumamente, que nos revela ter a mesma ocorrido no Convento de S. Domingos de Lisboa, a 11 de Agosto de 1635, isto é, aos 84 anos de idade.[11]
Ignoramos a data precisa do seu ingresso na Ordem dos Pregadores, mas, segundo Barbosa Machado e Inocêncio da Silva, a profissão religiosa teve lugar no convento de Aveiro, a 25 de Agosto de 1566.
Desses tempos de juventude, guardará Frei Pedro especial e afectiva memória do confrade que presidiu à cerimónia da sua tomada de hábito, sobre o qual, decorridos cerca de cinquenta anos, registará o seguinte testemunho: “Fr. Reginaldo de Mello portugues, de cujas mãos recebi este santo habito, o qual depois de Prior de S. Domingos de Evora viveo em muyta abstinencia, dormindo sobre hũa pouca de palha e mantas de saco, trazendo hũa cadea de ferro cingida, fechada com hum cadeado e a chave lançada ao mar, com a qual o acharão cingido depois de morto, e se guarda no deposito do dito convento, como reliquia. Tambem com licença de seus prelados vendeo livros e quanto tinha a seu uso, e tudo deu a pobres.”[12]
A formação humanística e teológica de Frei Pedro Calvo decorreu já no convento de S. Domingos de Lisboa, local onde viria a exercer os cargos de Mestre dos Estudantes,[13] Lente de Prima de Teologia e Prior.
Este último cargo foi exercido por duas vezes. A primeira antes de 1619, pois, no sermão que pregou nesse mesmo ano, na igreja daquele convento, perante Filipe III de Espanha, referindo-se a um dos milagres atribuídos a S. Domingos, afirma que ele próprio o mandou pintar no claustro do mesmo convento, quando nele era Prior: “Como bem declarou aquelle grande milagre, que, por não ser sabido de muytos, mandey, sendo Prior deste Convento, pintar no Claustro […].”[14]
Embora desconheçamos quais as datas de início e termo deste primeiro mandato, sabemos que ele vigorava em 1615, uma vez que, no sub-título das Homilias do Advento, publicadas no referido ano de 1615, Frei Pedro é apresentado como “Mestre em Sagrada Teologia, Pregador Régio e Prior do Convento de S. Domingos de Lisboa”.[15]
O segundo mandato decorria ainda em 26 de Setembro de 1626, data em que foi emitido o parecer dos dois revisores e qualificadores do Santo Ofício, relativo à publicação da I Parte das Homilias da Quaresma, no qual se lê: “[…] vimos e examinamos diligentemente […] as Homilias que tem composto o muito R. P. M. Fr. Pedro Calvo, Pregador de Sua Magestade e Prior segunda vez do Convento de S. Domingos de Lisboa”.[16]
No entanto, sete meses depois, e, ao que parece, com grande alívio seu, já se encontrava livre de tais funções. Pelo tom em que se dirige “aos pios e benevolos leitores” no já referido texto de apresentação das Homilias da Quaresma, datado de 24 de Abril de 1627, depreende-se que não terá levado até ao fim este segundo mandato, não tanto por razão do peso dos 76 anos que já contava, mas antes pela necessidade de maior disponibilidade de tempo para concluir a redacção das ditas Homilias, objectivo que se lhe afigurava difícil de atingir se o Provincial o não dispensasse do “officio de Prior”. Escreve Frei Pedro: “E portanto, não por eu querer, mas impedido com o officio de ler, pregar e outros em que me ocupou a obediencia, não say mais sedo com esta obra a lume, nem ainda hoje podera, se pera isso me não absolvera do officio de Prior. Por o trabalho que me custou (que Deus sabe não foy pequeno), e vontade com que offereço estas homilias, mereço que aquelles a quem desagradarem me desculpem.”[17]
Aliás, a concessão desta absolvição “do offício de Prior” não deveria ter representado especial dificuldade para Frei António Tarrigue, então Provincial, a avaliar pelos termos da “licença” que redigiu, a 26 de Setembro de 1626, para a publicação da Parte I das Homilias da Quaresma.
Nessa “licença”, para além de realçar a grande expectativa com que as Homilias eram aguardadas, o Provincial ordenava ainda a Frei Pedro, “sub formale praecepto”, que envidasse todos os esforços para que a edição das mesmas estivesse concluída o mais rapidamente possível. Assim, escreve Frei António Tarrigue: “[…] dou licença ao dito P. Mestre, pera que tendo-a tambem do Santo Officio, Ordinario e Paço, as possa imprimir e lhe mando pera mayor merecimento, in virtute Spiritus Sancti et sanctae obedientiae sub formale praecepto, que com a brevidade possivel o effectue, por serem ha muitos dias esperadas:”[18]



2. Pregador de sua Majestade

Se o título de “Pregador” condizia naturalmente com a sua condição de frade dominicano e era de igual modo partilhado por todos os seus confrades, já o título de “Pregador de Sua Majestade” evocava uma distinção pessoal e muito rara entre clérigos e religiosos portugueses, em tempos de realeza sediada em Madrid. Foi ocasião para tal a visita de Filipe III de Espanha a Portugal, em 1619.[19]
A visita real que, segundo o desejo expresso do monarca, se destinava a “reunir os estados em Tomar, a 20 de Maio, para o juramento do príncipe D. Filipe”,[20] decorreu num ambiente de acentuada tensão. O descontentamento da população portuguesa face às sucessivas administrações do reino e, ultimamente, face à administração do castelhano Conde de Salinas, três anos antes elevado à dignidade de vice-rei de Portugal, era notório e tinha sido manifestado por diversas tomadas de posição de alguns nobres portugueses, ainda que a título individual.[21]
Tendo chegado a Évora a 14 de Maio, a comitiva real castelhana apenas entraria em Lisboa a 29 de Junho, após ter aguardado em Almada a conclusão das obras de adequação do Palácio da Ribeira, onde o rei ficou alojado.
A instalação de tão numeroso séquito em Lisboa causou sérios distúrbios e deu lugar a contendas e humilhações de vária ordem. Como refere Veríssimo Serrão, “a presença de tantos fidalgos castelhanos acabou por gerar brigas com a população, muitas vezes em conflitos de mão armada e de que resultaram mortes. Permitira-se o alojamento dos cortesãos em casas particulares, não escapando sequer as dos oficiais mecânicos, o que se tornou em escândalo público. […] Mas o abuso dos castelhanos foi ainda maior, pois, sendo acolhidos para merendar em mosteiros e casas nobres, no final levavam o recheio das mesas – porcelanas, toalhas, pratos, colheres, vidros e tudo o mais que podiam haver –, como se fossem objectos próprios.”[22]
As Cortes reuniram, finalmente, não em Tomar, mas em Lisboa, a 14 de Julho, tendo sido prestado juramento ao príncipe herdeiro, num ambiente de indisfarçável tensão entre fidalgos portugueses e castelhanos.
Em meados de Setembro, o rei decidiu ir visitar Sintra, mas “os habitantes deixaram a vila para o não acolher”.[23] Constatando que o ambiente era pouco propício à manutenção da Corte em Portugal, e face a notícias pouco animadoras sobre a situação da política externa espanhola, o monarca apressou o seu regresso a Madrid, atravessando a fronteira a 10 de Outubro do mesmo ano de 1619.

Foi neste contexto social e politicamente agitado que Frei Pedro Calvo pregou, no dia 4 de Agosto, o sermão da festa de S. Domingos, tendo entre os seus ouvintes o rei Filipe III e os cortesãos de Castela. A tarefa revestia-se de grande delicadeza, dada a contradição de sentimentos que se escondia atrás das relações mais ou menos artificiais das duas nobrezas. E é evidente que, com tal pano de fundo, tudo o que fosse dito pelo pregador seria, inevitavelmente, objecto de interpretações diversas e contraditórias.



3. Sermão feito à Magestade de El Rey

O “Sermão feito à Magestade de El Rey” encontra-se estruturado em cinco capítulos, sendo os quatro primeiros reservados ao comentário dos versículos 13-15 do capítulo V do evangelho de S. Mateus, e o quinto e último, com uma extensão aproximadamente igual à soma dos quatro capítulos anteriores, exclusivamente dedicado a S. Domingos e à demonstração de como a sua vida apostólica se ajustou a tudo o que atrás fora dito.
Considerando a estrutura interna do sermão, podemos dividi-lo em duas partes: a primeira, de pendor acentuadamente político; a segunda, de carácter mais vincadamente religioso e assumindo mesmo um tom afectivo relativamente ao fundador da Ordem.

Dirigindo-se pessoalmente ao rei – “Sacra, Catholica e Real Magestade” – o pregador começa pela “explicação do tema” – Vos estis sal terrae, vos estis lux mundi – afirmando que tais palavras foram dirigidas por Cristo a seus discípulos “no dia, que pera o bom governo de sua Igreja os escolheo e fez grandes do Reyno do Ceo, por entender que nem o Reyno da terra sem grandes homens, nem o do Ceo sem grandes santos se pode governar”.[24]
Tendo escolhido os discípulos para serem seus “legados e embaixadores”, Cristo quis honrá-los com os títulos de “sal da terra” e “luz do mundo”, e com isto “fez tres cousas: honrou os officios, obrigou as pessoas a serem utiles e faciles na administração do seu poder e avisou-os que se não descuydassem no comprimento das obrigações de seus cargos, sob pena de serem lançados e depostos delles, com afronta, assi como o sal he lançado fora, onde seja pizado dos pés dos homens, se perde a virtude de saborear”.[25]
Uma vez exposto o tema, o pregador passa à fase do seu desenvolvimento, afirmando que, ao mesmo tempo que Cristo instituiu os seus discípulos como “grandes e publicos ministros do seu Reyno, lhes deu todo o poder a seus officios necessario”, – dedit illis potestatem –, pois bem sabia que “officiaes publicos com as mãos atadas são fantasmas e mais representam figura do que tem substancia”.[26]
Ora, se Cristo autorizou deste modo os seus “legados e embaixadores”, também os Príncipes devem honrar e autorizar os seus ministros para que estes sejam temidos e respeitados, pois, “d’outra maneira viverão os maos tão soltamente como se para elles na republica não ouvera governador”.[27]
E se Cristo comparou os discípulos ao sal e à luz é porque quer que eles sejam “pera o mundo tão utiles quanto o são o sal e a luz aos corpos, declarando-lhes que quanto a dignidade do lugar em que os pos he mais alta, tanto ha de ser ao mundo mais proveitosa”.[28]
Aqui chegado, Frei Pedro Calvo passa das considerações doutrinais para a realidade concreta dos seus ouvintes. Não ignorando que entre eles se encontram “alguns grandes do mundo” que, embora colocados bem alto, não passam de seres vazios, porque inúteis para o serviço do reino, Frei Pedro Calvo exclama: “Quem poderá com lagrimas de sangue chorar a entranhavel cobiça e ambição de alguns grandes do mundo (não digo todos) que sendo pera a honra de Deos, pera o serviço do Rey, pera o bem da republica nada, são pera si e seus commodos tanto, tanto. Ouso a dizer destes que até o Rey que avião de ordenar pera Deos, ordenão pera si, e todos os seus desenhos tem por fim como a Magestade Real será mais util, não aos reynos, mas a elles.”[29]
Seguidamente, o pregador regressa ao texto bíblico. Lembra que a Escritura afirma, acerca de Salomão, que este se sentou sobre o trono de Deus – sedit Salomon super solium Domini. E diz ainda a Escritura que quando os israelitas o sagraram rei, “ungiram-no para Deus” e “não pera si, não pera seus respeitos particulares”.[30] Porém, acontece frequentemente que “os grandes deste mundo”, em vez de ungirem o rei para Deus, ungem-no para si próprios e em função dos seus interesses pessoais. Procedendo assim, tornam-se os principais inimigos do rei, pois privam-no de ser aquilo que ele deveria ser, isto é, o ungido de Deus.
E, mais uma vez, deixando no ar a ideia de que, entre os seus ouvintes, não faltaria quem se servisse do rei em proveito próprio, com danos irreparáveis para a sua imagem junto dos governados, Frei Pedro, usando dos seus dotes oratórios e da liberdade que lhe advinha da sua condição de pregador, exclama: “Ó grandes do mundo que ungis os Reys, olhay bem o pera que os ungis: se pera Deos, teremos Reyno de Deos, a cadeira do Rey será imagem do Throno de Deos; se pera vós e traças de homens, teremos Reyno de homens e o throno do Rey será de homens. Grande, grande será esta culpa, que podendo o throno de hum Rey ser Throno de Deos, tratando os que o ungem só de Deos, por tratarem de o ungir pera si o tornão throno de homens. Merecem [ser] desterrados do mundo os que são tão inimigos dos Reys, que por os ungirem pera si, os privão de hum bem tamanho como serem os Reys imagens de Deos e o seu throno retrato de Deos. Que gloria mayor de hum Rey que estar assentado em hum Throno imagem de Deos? Desta o privão os que o ungem pera si.”[31]

Embora evoquem apenas uma parte do sermão, os passos citados são suficientemente expressivos para nos introduzirem no tom geral do discurso de Frei Pedro Calvo. E não será necessário cavar muito fundo na sua análise para nos darmos conta de que todas a tensões sociais e políticas do reino lhe estão subjacentes. E tal não significa que, neste particular, Frei Pedro fosse pioneiro ou se distanciasse grandemente de outros conhecidos pregadores do seu tempo.
Com efeito, revestido da autoridade que lhe advinha da sua condição de transmissor da doutrina evangélica, o pregador de seiscentos encontrava no púlpito o espaço privilegiado para exortar os seus ouvintes a assumirem determinados comportamentos ou a rejeitarem determinadas atitudes, para denunciar desvios e abusos, para aconselhar, para repreender, para criticar, para admoestar. E se o seu auditório era, por vezes, constituído por gente anónima e iletrada, não faltavam também ocasiões em que as suas palavras atingiam directamente os ouvidos de nobres e burgueses, de altos funcionários administrativos e, como no caso presente, do próprio rei.
Inserido num contexto sócio-cultural marcado por contingências históricas, geográficas e económicas específicas e com o qual mantinha relações de pertença e de solidariedade, o pregador facilmente transitava do comentário bíblico ou da citação da patrística para a sua aplicação à realidade quotidiana, urdindo uma teia de laços e relações entre os enunciados doutrinais e as preocupações concretas do seu auditório. Como afirma Hernâni Cidade, a propósito da parenética do Pe. António Vieira, o púlpito constituía “a única tribuna com certa liberdade em tempo em que nem instituições parlamentares, nem salas de conferências, nem tertúlias de clubes ou salões, nem ambientes excitantes de botequins podiam altear, avolumar, comunicar a público mais largo do que os interlocutores de recolhido diálogo, os comentários críticos à vida pública.”[32]
E se assim era nos dias da pregação de Vieira, e, em particular, no período pós-independência, não seria muito diferente nas últimas décadas do domínio filipino. Uma breve análise de alguns dos sermões proferidos nesse tempo não deixa quaisquer dúvidas sobre a ressonância que encontravam no púlpito o rumor surdo e as aspirações autonomistas que lavravam entre a população portuguesa. Com efeito, a oratória sagrada representou muitas vezes o eco mais expressivo e a voz mais contundente dos anseios independentistas do país face ao domínio estrangeiro.

Nesse sentido, o “Sermão feito à Magestade de El Rey” pode ser considerado um caso paradigmático. Através de uma linguagem cifrada, acentuadamente metafórica e frequentemente antitética, é todo o mal-estar da sociedade portuguesa de então que emerge à superfície do discurso de Frei Pedro Calvo.
Tendo em conta o contexto social e político desse ano de 1619 e as causas do descontentamento vigente, não será difícil identificar os alvos das insinuações do pregador. Deixando aparentemente intacta a figura do rei, todas as críticas vão directas para os seus representantes em Portugal, que, ocupados em intrigas palacianas e jogos de interesses pessoais e familiares, deixam o reino arrastar-se para a ruína económica, ao mesmo tempo que abandonam à sua sorte os territórios portugueses de além-mar, acossados pelas permanentes investidas de holandeses, ingleses e franceses.

Face ao teor desta primeira parte do sermão, que, como refere João Francisco Marques, soava “como uma forma astuciosa de crítica a uma realidade presente”,[33] era expectável que surgissem as mais variadas e polémicas interpretações, e, consequentemente, as mais diversas e acesas reacções. E tanto umas como outras não se fizeram esperar, ora apoiando e amplificando, ora torcendo e apoucando as palavras do pregador, dependendo da perspectiva e dos interesses de cada ouvinte.
Não admira, portanto, que Frei Pedro Calvo se tenha apressado a imprimir o texto do sermão pregado diante do rei e da sua corte, procurando assim evitar que lhe fossem atribuídas palavras que não proferira. Aliás, essa preocupação ressalta claramente do Prologo por ele mesmo redigido, no qual afirma expressamente que a iniciativa desta apressada edição não foi provocada pelo “desejo de todos lerem o que neste sermão disse, mas o de saberem o que não disse”.[34]
E, para que não restassem dúvidas quanto ao fundamento dos seus receios, acrescentava: “Algũas pessoas refferirão a outras pontos deste sermão (seria por me não ouvirem bem) tam viciados, que hũs, por lhe tirarem o sal, ficavão insulsos; outros, por lho acrescentarem, asperos e desabridos. Portanto, por que o mal da fama, ou pera melhor dizer, da lingoa, não adultere referindo as verdades que, com devida tempera do sal, propus a sua Magestade pregando, o quis imprimir.”[35]
Mas não terminavam aqui as preocupações do “Pregador de sua Magestade”, pois nada garantia que não surgissem impressas versões adulteradas do seu sermão. Precavendo-se contra tal eventualidade, Frei Pedro decide então rubricar todos os exemplares saídos da gráfica, advertindo o “benevolo Leytor”, no final do Prologo, de que só a esses e a nenhum outro deverá dar crédito: “A Deos, benevolo Leytor, e ultimamente te advirto, que nem impresso, nem tresladado tenhas por meu, senão o que por minha mão e letra for assinado”.[36]
Não será arriscado afirmar que muito poucos sermões terão passado tão velozmente do púlpito à letra de forma como este, uma vez que, tendo sido pregado a 4 de Agosto, decorrido pouco mais de um mês, tinha já obtido por escrito as cinco licenças necessárias para sair a público, o que veio a acontecer a 20 de Setembro de 1619.



4. A obra de Frei Pedro Calvo

Embora o “Sermão à Magestade de El Rey”, pelas circunstâncias em que foi pregado e pelas controversas reacções que despertou, seja especialmente conhecido e referenciado, ele não constitui mais do que um exemplar das largas dezenas de sermões, ou homilias, que Frei Pedro Calvo nos legou.
É possível que algumas dessas homilias se tenham perdido, mas as que chegaram até nós, não tanto pela quantidade, mas antes pela limpidez da linguagem, pela robustez da fundamentação bíblica e patrística, e pela riqueza e diversidade de estilos, constituem acervo e testemunho suficientes para confirmar Frei Pedro Calvo como um dos mais insignes mestres da oratória sagrada da última década de quinhentos e primeiro quartel de seiscentos.
Da sua parenética propriamente dita, identificámos, nas diversas bibliotecas consultadas, as seguintes obras:
- Um volume de Homilias em latim – Homiliarum Totius Anni – publicado em 1615, contendo 24 homilias do Advento;[37]
- O Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal, redigido em português e publicado autonomamente em 1619;[38]
- O Sermão feito na See desta cidade de Lisboa, na publicação solenne da Sancta Bulla da Cruzada a 7 de Fevereiro de 1621, redigido em português e publicado autonomamente em 1621;[39]
- Um volume de Homilias da Quaresma, I Parte, num total de vinte e duas, redigidas em português, publicado em 1627;[40]
- Um volume de Homilias da Quaresma, II Parte, redigidas em português, publicado em 1629.[41]

A par desta extensa obra parenética, deixou ainda Frei Pedro Calvo três outros escritos sobre temáticas diversas, a saber:
- Defensam das Lagrimas dos Justos Perseguidos, publicado em 1618;[42]
- Defensam das Sagradas Religiões, fructo das Lagrimas de Christo N. S., também publicado em 1618.[43]
- Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118, obra composta “nos últimos dias de sua vida” e publicada postumamente, em 1638.[44]
É no Prologo desta obra que encontramos a já referida informação sobre o local e a data da morte do seu autor, redigida nos seguintes termos: “Faleceo neste Convento de S. Domingos de Lisboa aos 11 de Agosto de 635 o P. Mestre Frey Pedro Calvo com edificação geral de todos os que o vimos passar desta vida, não como quem entrava no riguroso trance daquella hora terrivel, mas como quem verdadeiramente descansava do trabalho presente.”

No que respeita ao estilo, a parenética de Frei Pedro Calvo oscila entre um estilo culto, por vezes mesmo próximo do “discurso engenhoso” (como no Sermão à Magestade de El Rey), ou de pendor metafórico (como na Homilia I da Quarta-feira de Cinzas, em que a morte é evocada como o mais eficiente pregador),[45] e um estilo singelo e familiar, alimentado pelo ritmo das imagens bíblicas e pela expressividade das cenas do quotidiano.
A utilização de cada um destes registos varia de acordo com o maior ou menor grau de literacia dos ouvintes, demonstrando o pregador invulgar capacidade de adaptação do discurso às variações dos seus auditórios, ora recorrendo às construções retóricas em voga na oratória sagrada da época, ora evocando e recriando os ambientes simples da vida familiar e da actividade campestre.


Horácio Peixoto de Araújo
Universidade Católica Portuguesa





Homilia I
de Quarta-feira de Cinzas
Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris (Gen. 3, 19)

Cap. I – Quão grande pregador seja a morte

“Tenho grande confiança de mediante o favor divino aver de fazer a pregação deste dia muito fruto, por o pregador ser o mayor, melhor e mais efficaz pera bater, ferir e abrandar duros corações de quantos nunca subirão em pulpito. Portanto, ó curiosos ouvintes (ou não sei se dizer ouvidores), espertai e dai prontissima attenção às roucas, mas penetrantes vozes do mais poderoso pregador em mudar pareceres, trestornar almas, e em breve espaço melhorar vidas. Quem vos parece será este? A morte. A ella e não a mim aveis oje de ouvir. Nem vos pareça cousa nova chamar eu à morte pregador.
S. Chrysostomo lhe põe este nome com muita elegancia. Referindo o Santo aquelle caso repentino que aconteceo a S. Paulo estando pregando em hũa aula, aonde avia muitos lumes e copioso auditorio, parte em baixo e parte nas tribunas por cima, hum mancebo que estava à borda de hũa janela, carregando-lhe o sono, cahio e morreo. S. Paulo, com a inquietação do povo, deceo-se do pulpito e em seu lugar, diz S. Chrysostomo neste passo, pro Doctore casus fuit. Quando S. Paulo deixou de pregar, a morte começou, a morte repentina ficou em lugar de doutor e pregador, e a pregação, que o caso interrompeo, a morte a continuou. Sem agravo de S. Paulo, ouso a dizer que pera abalar os ouvintes foi mais efficaz a pregação da morte que a do Apostolo; porque corações duros que a grandes pregadores muitos dias resistem, à pregação da morte em breves horas se rendem.
Quantos dias Moyses e Aaron pregarão a Pharaó que largasse o povo de Deos, e nem com fervorosas palavras, nem admiraveis obras poderão acabar de o trazer ao que Deos pedia? Vendo Deos que pera abrandar Rey, Vassallos e povo tão endurecido nem as sutis e engenhosas razões de Moyses, nem a elegancia de Aaron em as propor, nem tantas pragas e açoutes por tantos dias repetidos bastavão pera o render, mandou à morte que lhes fosse pregar. Ella apressada se pos a caminho, entrou por o Egypto à meya noite em ponto – in noctis medio – como notou a divina Escritura, e com sua curva e aguda fouce que trazia na mão, começou a matar desde o primogénito do Rey que estava em seu trono ate o do mais triste cativo que estava no carcere. Entrou no Egypto à meya noite e em breves horas trouxe o Rey e povo ao que não poderão tão grandes pregadores como Moyses e Aaron em muitos dias. O Rey, vendo a morte, assombrado e esmorecido, não esperou a manhã, mas logo logo mandou chamar a Moyses e Aaron e lhes disse: Levantai-vos e com muita pressa vos sahi do meu povo. Ide, ide vós e os filhos de Israel e sacrificai ao Senhor no deserto, como pedis.
O povo, vendo seu Rey rendido, rendeo-se dando grandes vozes que se fossem sem detença algũa, porque não avia casa dos Egypcios na qual não ouvesse algum morto… Finalmente foy tal a pressa que lhe não derão tempo pera se levedar o pão, mas assim asimo lho fizerão levar.
Ó morte, quão poderosa és pera mudar pareceres, trestornar vontades e de todo render corações endurecidos!
(…) Com o pavor da morte se acendem os frios, se apertão os remissos, se despertão os preguiçosos; aos fugitivos faz branda força para que tornem pera seu primeiro Senhor, aos gentios obriga a que creão! Se estes são os effeitos da pregação da morte, peçamos com lagrimas e mãos levantadas a Deos, a mande oje a este Egypto pregar, de maneira que aos tíbios em seu amor os acenda, aos de vida larga e remissa aperte e reforme, aos negligentes desperte, aos que enganados deixarão seu Senhor, faça tornar com pressa a Elle, abra os olhos aos que o não conhecem e finalmente assi trestorne com seus brados nossas almas que nos seja gostoso largar o que ate oje temíamos perder.
(…) Todos os rios vão ter ao mar, como diz a Escritura. Em quanto elles correm bebemos delles com gosto e suas agoas nos são suaves; mas depois que entrão no mar, se as bebemos, são salgadas como o mesmo mar. Quanto ha na vida, gloria, riquezas, delicias, tudo são rios que a grande pressa correm ao mar da morte. Bebidas as agoas delles em quanto correm são gostosas e suaves; mas depois que entrão no mar da morte, ficão tão amargosas como a mesma morte. Não bebais, ó mundanos, dos rios dos bens desta vida, como se não ouvessem de ir parar na morte; uzai delles com esta consideração e vos ficarão amargosos”. (pp.3-8)

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Notas:
[1] Considerando a extensão da obra parenética de Frei Pedro Calvo e os condicionalismos de tempo e de espaço do presente trabalho, limitar-nos-emos, por agora, a uma breve análise do Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal, pregado e publicado em 1619.
[2] Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, Tomo III, Lisboa: Officina de Ignacio Rodrigues, 1752, pp. 565-566.
[3] Jacobus Quétif-Echard, “F. Petrus Calvo”, Scriptores Ordinis Praedicatorum, Tomus secundus, Lutetiae Parisiorum: apud J. B. Christophorum Ballard et Nicolaum Simart, M.DCCXXI, pp. 441-442.
[4] Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo VI, Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, p. 397.
[5] D. Francisco Manuel de Melo, Cartas Familiares, Lisboa, INCM, 1981, p. 413
[6] “Não obstante, no último quartel do século XVI, abalizados oradores ilustraram o púlpito e a imprensa, tais como Frei Pedro Calvo, Frei Filipe da Luz, Dr. Francisco Fernandes Galvão, Padre Luís Álvares, Frei João de Ceita, Frei António Feio, o jesuíta Francisco do Amaral e Tomás da Veiga.” (Camilo Castelo Branco, Curso de Literatura Portuguesa, Lisboa: Editorial Labirinto, 1986, p. 85).
[7] Jacinto Prado Coelho, “Calvo, Fr. Pedro”, Dicionário de Literatura, Vol. I, Porto: Livraria Figueirinhas, 1979, p. 134.
[8] Separata da Revista de História, Vol. III, Centro de História da Universidade do Porto, 1982.
[9] Maria Lucília Gonçalves Pires e José Adriano de Carvalho, História Crítica da Literatura Portuguesa [Maneirismo e Barroco], Lisboa, Editorial Verbo, 2001, pp. 231-292.
[10] “Não presumo tanto de mim que reservasse a impressão destas homilias pera a idade de setenta e seis que Deos me concedeo pera ter mais tempo de penitência…” (Frei Pedro Calvo, “Prologo”, Homilias da Quaresma, Parte I).
[11] (“Prologo”, Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118, Lisboa: J. Rodrigues, 1638).
Esta informação encontra-se já expressa no citado capítulo sobre a “Literatura Parenética”, de Maria Lucília Gonçalves Pires e José Adriano de Carvalho: “O dominicano Fr. Pedro Calvo, falecido em 11.8.1635 – a data da sua morte aos 84 anos, que escapou a Barbosa Machado e a F. Inocêncio da Silva, resulta da declaração expressa do Prologo de uma obrazinha sua, que, editada postumamente, esses grandes beneméritos das Letras portuguesas não conheceram: Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118, Lisboa: J. Rodrigues, 1638 – …” (História Crítica da Literatura Portuguesa [Maneirismo e Barroco], Vol. III, p. 235.
[12] Frei Pedro Calvo, Defensam das Sagradas Religiões, p. 106
[13] “studentium magister” (Quétif-Echard, Scriptores Ordinis Praedicatorum, p. 441)
[14] Frei Pedro Calvo, Sermão à Magestade de El Rey, p. 14
[15] Frei Pedro Calvo, Homiliarum Totius Anni, Tomus I.
[16] Frei Pedro Calvo, “Censura dos Padres Revedores”, Homilias da Quaresma, Parte I.
[17] Frei Pedro Calvo, “Prologo”, Homilias da Quaresma, Parte I.
[18] Esta ordem do Provincial, mais não é do que uma satisfação ao pedido dos dois revedores e qualificadores do Santo Ofício, respectivamente, Frei Diogo Ferreira e Frei Thomas de S. Domingos, ambos dominicanos, concluído nos seguintes termos: “[…] Pelo que nos parece que serão estas Homilias da Quaresma de grandíssima honra da nossa Sagrada Religião e muito utiles à Republica Christáa. E se lhe deve dar licença e ainda mandar com preceito pera que as divulgue com toda a pressa pera que não careçamos por mais tempo deste bem. Em S. Domingos de Lisboa em 26 de Setembro de 1626”. (“Censura dos Padres Revedores”, Homilias da Quaresma, Parte I)
[19] Como informa João Francisco Marques, no seu estudo sobre A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina, de todas as cerimónias litúrgicas a que Filipe III assistiu em Portugal, “restam-nos dois sermões pronunciados por D. Manuel Afonso da Guerra e Fr. Pedro Calvo – conhecidos pregadores de então.” (pp.200-201)
[20] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Tomo IV, Lisboa, Editorial Verbo, 1979, p. 86.
[21] A propósito das reacções motivadas pela chegada a Portugal do Conde de Salinas, a quem Filipe III concedera recentemente o título de Marquês de Alenquer, escreve Joaquim Veríssimo Serrão: “No Reino houve protestos surdos pela sua chegada: o conde de Sabugal, que era vedor da fazenda, retirou-se para a ‘sua quinta’… e D. Nuno Álvares de Portugal, presidente da Câmara de Lisboa, apresentou a demissão do cargo, invocando motivos de saúde.” (J. Veríssimo Serrão, Op. cit., p. 85)
[22] Joaquim Veríssimo Serrão, Op. cit., pp. 87-88.
[23] Joaquim Veríssimo Serrão, Op. cit., p. 90
[24] Frei Pedro Calvo, Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal, p. 4.
[25] Ibid., p. 4v.
[26] Ibid., p. 4v.
[27] Ibid., p. 6
[28] Ibid., p. 7v.
[29] Ibid., p. 9
[30] Ibid., p. 9v.
[31] Ibid., p. 10
[32] Hernâni Cidade, “Prefácio”, in Pe. António Vieira – Obras Escolhidas, Vol. X, Sermões I, p. VIII.
[33] João Francisco Marques, A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina, Coimbra, 1970.
[34] Frei Pedro Calvo, Sermão feito à Magestade de El Rey, p. 2v.
[35] Ibid., p. 2v.
[36] Ibid., p. 2v.
[37] Homiliarum Totius Anni. Tomus I continens XXIIII Homilias Adventus Domini et unicam in Solenni Fidei habitam. Auctore Fratre Petro Calvo Portuensi Sacrae Theologiae Magistro, et Praedicatore Regio, Prioreque Conventus Sancti Dominici Ulyssiponensis, Ordinis Praedicatorum. Ulyssipone, apud Vincentium Alvarez, Typographum Episcopi à Portalegre, 1615.
[38] Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal. Por o M. F. Pedro Calvo seu Pregador, em Lisboa, no Mosteiro e Solennidade do Beatíssimo Patriarcha S. Domingos, Pay e Fundador da Sagrada Ordem dos Pregadores. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1619.
[39] Sermão feito na See desta cidade de Lisboa, na publicação solenne da Sancta Bulla da Cruzada a 7 de Fevereiro de 1621, quando o muy illustre Senhor D. Antonio de Mascarenhas, Dayão da Capella Real de Sua Magestade entrou por Cõmissario Geral. Author o Padre Fr. Pedro Calvo Mestre na Sancta Theologia e Pregador de Sua Megestade. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, M.DC.XXI.
[40] Homilias da Quaresma em duas partes divididas. Compostas por o M. R. P. M. Frey Pedro Calvo, Pregador de Sua Magestade, e Leitor que foy, e Regente Primario da Universidade de S. Domingos de Lisboa, da Ordem dos Pregadores. Parte I. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1627.
[41] Segunda Parte das Homilias da Quaresma compostas por o P. Frey Pedro Calvo, Mestre em a Sancta Theologia, e Pregador de Sua Magestade: com os indices da Primeira e desta Segunda, assi das authoridades da divina Escriptura, como das cousas mais notaveis. Lisboa, por Matheus Pinheiro, 1629.
[42] Defensam das Lagrimas dos Justos Perseguidos. Autor o P. F. Pedro Calvo Dominicano, Mestre em S. Theologia e Pregador de S. Magestade. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1618.
[43] Defensam das Sagradas Religiões, fructo das Lagrimas de Christo N. S., Parte Segunda. Lisboa, por António Alvarez, 1618.
No seu estudo intitulado O Portuense Fr. Pedro Calvo, O. P., e a Polémica sobre as Ordens Religiosas, José Adriano de Carvalho afirma constituir esta obra “um momento alto da méditation sur l’Église dum frade português nos começos do século XVII, século este que, por razões múltiplas, tanta importância continuou a conceder à reflexão teológica sobre a Igreja” (p. 13).
[44] Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118. Cõposta pello P. M. Fr. Pedro Calvo, da Ordem dos Pregadores, e Pregador de Sua Magestade, nos últimos dias de sua vida. Lisboa, por Jorge Rodrigues, Anno 1638.
[45] “Tenho grande confiança de mediante o favor divino aver de fazer a pregação deste dia muito fruto, por o pregador ser o mayor, melhor e mais efficaz pera bater, ferir e abrandar duros corações de quantos nunca subirão em pulpito. Portanto, ó curiosos ouvintes (ou não sei se dizer ouvidores), espertai e dai prontissima attenção às roucas, mas penetrantes vozes do mais poderoso pregador em mudar pareceres, trestornar almas, e em breve espaço melhorar vidas. Quem vos parece será este? A morte. A ella e não a mim aveis oje de ouvir.” (Homilia I de Quarta-feira de Cinzas, pp.3-4)

3 comentários:

Anónimo disse...

Amigo Horácio,
Até que em fim honras com a tua presença os numerosos visitantes do nosso blog. Ēste texto deve ser consumido com moderação, pois pode provocar indegistão aos que não estão habituados a alimentos tão sólidos! Trata-se de raizes e é normal que sejam menos atractivas que as flores ou os frutos, mas...sem raizes...
Espero que em breve nos falarás de ti, do teu percurso na vida, da tua paixão pela Asia Extrema e das tuas infidelidades aos Dominicanos, metendo-te com a Companhia de Jesus .
Um abraço do Fernando

Armando disse...

Quando me abeirei da "Parenética de Frei Calvo" do Prof. Horácio, pensei: isto é para ser devorado em parcelas, como os elefantes que se comem aos bocadinhos. Só que,iniciada a tarefa, fui por ali fora e devorei-o duma só vez. O contexto histórico é interessantíssimo, dado que a histório que nos foi fornecida, procurou escamoteá-lo. A dificuldade de expressão pública, naquele ambiente, suscita-nos a curiosidade , sobre a forma como se ultrapassava. O recurso à linguagem cifrada, é algo a que tivemos de voltar, no reinado de Salasar. Bela investigação e óptima lição, Horácio.
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Amigo Horácio,
Desculpa dirigir-me a tí por intermédio do blog. Melhor que ninguém conheço as tuas múltiplas ocupações e como o teu tempo é precioso. Sei também que sempre respondes presente cada vez que um amigo faz apelo a tí, até ao ponto de lhe consagrares um dia inteiro!
Venho pedir-te para completares a tua intervenção no blog, explicando-nos em que ocasião tão importante apresentas-te esta conferêcia! Dizendo-nos se possível como decorreram essas comemorações. Dirijo-me agora também às centenas de colegas que como eu já leram a tua intervenção. Já a lí duas vezes, compreendí tudo e apreciei tanto o fundo como a forma e até mergulhei com prazer nas expressões dos séculos XV e XVI. Apesar de tudo quando abro o blog e deparo com a palavra PARENETICA recebo um choque como se entrasse noutro mundo. Tentei familiarisar-me com este vocábulo, consultando vários dicionários. Encontrei:
Parenética = ciência da homilía; Discurso moral; exortação didática à virtude; discurso religioso que se divide em dogmático e parenético, ou moral. Foi no entanto a enciclopédia AGORA que me encheu as medidas. Encontrei um artigo sobre o dever e a moral antiga que diz: ...não existe na moral grega, um ‘imperativo’ mas simplesmente um ‘optativo’. Esta moral apresenta-se sempre como uma PARENETICA; dá conselhos mas nunca ordens. (...) Não existe nem sombra de dever ou do que chamamos obrigação na moral dos filosofos gregos...A finalidade destes é chegar à felicidade...a felicidade aquí e agora. Como diz o outro Horácio ‘carpe diem... É assim a parenética do Calvo? Beijinhos para todos, Fernando.