segunda-feira, 14 de maio de 2007

PESCARIA NAS CAXINAS


Terminadas as actividades académicas, os estudantes do Instituto S. Tomás de Aquino, Fátima, beneficiavam de umas férias na praia para retemperar forças e “limpar a vista”. Os destinos, sempre lugares de eleição, foram, na minha época, Pedrógão, Buarcos e Caxinas.
A história que venho partilhar convosco, ocorreu nesta última localidade de boa memória. Numa pesquisa, apurei que a palavra Caxinas encontra-se escrita de duas maneiras: Cachinas e Caxinas. Há quem sustente que Cachinas vem do latim "cachinare" que significa rir às gargalhadas. Outros autores consideram que "Caxinas" é um nome dado a uma enseada ou angra do mar, de onde se elevam rochedos, contra os quais se quebram as ondas, por vezes com violência, cachinada e borbotões. Em Latim "quassina" quer dizer "rochedo, quebra-mar".
Recordo a simpatia e o bom acolhimento das suas gentes, a simplicidade e lhaneza dos homens do mar. A têmpera e a afabilidade das mulheres. Aquela terra tinha peculiaridades pouco comuns com outros lugares. Desde logo, a forma peculiar do "falar caxineiro" com a sua curiosa terminologia e fonética. Ali, mulheres é que tratam da venda do peixe (na lota ou venda a avulso) e gerem todos os negócios e dinheiros da família. Em terra, quem manda são as mulheres. Cabe-lhes também a elas o trabalho árduo da apanha do sargaço, nas primeiras horas do amanhecer, enfrentando as ondas e a água gelada, culminando com o arrastar pelo declive do areal, de pesados sacos de rede. Nunca vi em mais lado nenhum, semelhante trabalho exercido por mulheres.
Não podíamos deixar de admirar a vida difícil dos homens, envolvidos na pesca artesanal em minúsculos barcos.
Esses dias contribuíram para criarmos laços de amizade e admiração por aquele povo.
Dada a minha qualidade de filho de pescador, fui convidado algumas vezes para ir à pesca, nos tais barcos de poucos metros, por um amigo que fiz nesses dias. Era um jovem pescador dos seus trinta anos, cujo nome já não recordo, também mestre do salva-vidas local, o que lhe permitiu não ser convocado para o serviço militar. Na sua lancha de cerca de seis metros, acompanhado dum velho lobo do mar, dedicava-se à pesca com redes de emalhar. Trata-se duma rede debruada na parte superior por cortiças, e na inferior, por chumbos, o que lhe permite ser colocada verticalmente na água, ficando os peixes "presos" nas suas malhas. Lança-se a rede a cerca de duas milhas da costa, e aguardam-se algumas horas que o peixe meta lá a cabeça...Tem que se dar o tempo suficiente, mas se for demasiado, o caranguejo pilado (pequeno caranguejo de alto mar) só deixa a espinha e a cabeça do peixe emalhado. É a oportunidade que o pequeno crustáceo tem de se tornar predador dos peixes para os quais normalmente serve de isco.
Nessa circunstância o velho pescador praguejava, usava todo o seu vocabulário vernáculo à moda do norte, e chagava a esmagar o pilado entre os dentes.
Num desses dias convenci o mestre a levar também o Vitorino, que não me dava um minuto de descanso, para que eu conseguisse levá-lo também. À ida para o alto mar tudo parecia correr bem. Contaram-se anedotas, ouvimos histórias do mar e uma expressão do velho pescador que gravei e com a qual rimos imenso, pela espontaneidade e simplicidade com que foi dita: “…eles deviam era vir cá pró meio do mar, que era para saberem o que é amar a Deus…”
Porém após o lançamento da rede, quando na espera, o barco fica parado, então começou o enjoo. O Vitorino deitou a carga toda ao mar, e quando o estômago não tinha nada mais para expelir, parecia que também ele queria saltar pela boca. Perante a aflição do rapaz, o mestre resolveu suspender a faina e regressar apressadamente a terra. Eu vim conduzindo o barco segurando o manípulo do motor fora-de-borda, enquanto os pescadores arrumavam as redes. Estava uma noite de chumbo, com pouca visibilidade, vento sudoeste a empurrar para terra e uma ondulação cavada. Ouvi um grito "cuidado!" e senti ao meu lado cair o corpo do mestre que se lançou sobre o leme para desviar o barco duma onda, que pela ré nos teria lançado contra a as rochas perto da praia, não fora a acção rápida e certeira do mestre. Ali fiquei a saber como é fácil morrer-se naquela costa.
Saúde Vitorino! Ainda cá estamos para contar, se é que te recordas.
Platão escreveu que existem três espécies de homens: os vivos, os mortos e os que andam no mar.
Ao evocar esta frase, sinto-me a honrar a memória do meu pai, do meu avô, e a glorificar outros familiares e amigos incluindo os bravos das Caxinas.
A. Alexandrino

18 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Alexandrino,

Que tu eras bom em Português já eu sabia desde Aldeia Nova... Eras dos que tinham melhores notas... e sempre pronto a partilhar com os colegas o teu saber...
Esta tua nararração
da Pescaria nas Caxinas merece nota máxima e digna de ser mostrada aos nossos universitários dos cursos de Letras...
Bem sei que desde menino começaste a ouvir falar da faina do mar. Vou ler várias vezes o teu texto e consultar uns «sítios» na Internet para melhor saber o que são redes de emalhar e redes debruadas... Quando estiver com o Vitorino - agora reformado, a viver em Leiria, e de mais difícil contacto pessoal - não deixarei de lhe falar desta pescaria...
Só fiquei sem saber se apanharam ou não algum robalo...
Um abraço amigo e vai continuando a dar-nos o prazer das tuas memórias, sempre de elevado valor literário .

Zé Celestino

Anónimo disse...

Olá Alexandrino ?
Absolutamente de acordo com a apreciação do Celestino.E ainda para mais, o teu estilo é limpido. A prova é que eu compreendí tudo, apesar de só ter visto o mar já com uns quinze anos...Sim, as nossas conversas com os habitantes de Caxinas eram muito instrutívas. As mulheres eram obrigadas a fazer todos os trabalhos habitualmente reservadas aos homens. Estes partiam, quase todos durante seis meses para a Terra Nova pescar o bacalhau. Nunca me cansava de os ouvir discorrer sobre este trabalho aventuroso e destas vidas difíceis e tão arriscada. Havia tantas viúvas e tantos órfãos. A um pescador que me dizia que seu pai e avô tinham morrido no mar, retorqui-lhe: porque continua a ir para o mar e não muda de trabalho? Sorpreendeu-me a sua resposta: e vocemecê porque se deita todas as noites numa coma, onde morreram todos os seus antepassados?! Que um pescador va para o mar, nada de mais natural...Abraça-vos este terroeiro trasmontano, Fernando.

Anónimo disse...

"Aqui, ao leme, sou mais do eu!...
Sou um povo que quer o mar que é teu,
E mais que o mostrengo que minha alma teme,
E rola nas trevas do fim do mundo...
Manda a vantade que me ata ao leme... ... ..."
Fernando Pessoa e Alexandrino, cada um com seu mar!... Será suposto o Vitorino ter acesso a este texto, dado que já em tempo lhe fiz chegar, via e-mail, o indicativo do blog.
Saudações amigas
Nelson

Anónimo disse...

Felizmente que a bela e elegante prosa do Jovem Avô Alexandrino é partilhada no blog.
PARABENS pela prosa e que ela deixe de estar metida na "gaveta". Estou certo que os nossos amigos com livros publicados, vão passar a recorrer a ti ,para lhes dares opiniões. Quando tiveres tempo e disposição, vem por aí acima que te faço companhia até Caxinas e, quem sabe (com a tua boa memória) encontres o rosto do nobre pescador.
Com a chegada da reforma a outros colegas, vão surgir mais revelações literárias, como a tua.
Continua !...
JMoreno

Armando disse...

Não tenho outro remédio senão fazer as honras da casa… e agradecer tantas provas de simpatia, acompanhadas de piedosas laudes, que levo à conta da vontade de verem o blog preenchido, nem que seja por arrazoados dos sem vergonha como eu. Porque confesso-vos, sendo tão tímido, surpreendo-me eu próprio com o meu descaramento em expor tão ingénuas redacções ao ridículo dos colegas de juventude, que já não têm idade nem pachorra para estas pieguices.
Os verdadeiros artistas ainda não surgiram, porque esses estudam bem o terreno antes de avançar. O pequeno grupo de temerários que dão o corpo ao manifesto, não medem os riscos, nem tomam as cautelas, que os livrem de equívocos e críticas. Sentimo-nos bem (i. é, temos a consciência tranquila), já que fazemos o que está ao nosso alcance.
Ao Celestino esclareço que os robalos não se deixam apanhar nas redes de emalho. Dada a rapidez da retirada, a pesca teve forçosamente que ser fraca. Porém, com o engodo que o Vitorino lançou aos mar, estou certo, que a partir de então, haveria peixe em abundância…
Exactamente Fernando. Muitos caxineiros andavam na faina do bacalhau na Terra Nova, onde se misturavam com os naturais da Fuzeta. Ora aí estava mais um ponto de afinidades.
O Vitorino que conheci, partilhava connosco o espírito idealista, o que prefigurava um óptimo bloguista. Mantenho a esperança que venha até cá.
Abraça-vos o amigo
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Amigo Alexandrino,
Eu de tímido nunca tive nada, mas tenho uma consciência aguda de ter sido ridículo em algumas de minhas intervenções, mas o ridiculo nunca matou ninguém. Vamos continuar até que a continuidade esteja assegurada ; Com a graça de Deus, e a teimosia de alguns, terminaremos a obra começada. Na verdade também eu estou admirado com a falta de reatividade de alguns dos antigos colégas entre os mais dinâmicos. A não ser que andem por aí vários, cobertos pelo anonimáto. Então Alexandrino, tu és de Fuzeta?! Se vires por lá a Tia Anica, dá-lhe cumprimentos meus...Como disse o ridiculo não mata. Um abraço, Fernando

Armando disse...

Caro Fernando
Então e eu não sei? Ou melhor todos nós não sabemos que de tímido não tens nada. Tu és um verdadeiro show man. És um verdadeiro homem do palco ou do púlpito. Que belo orador que tu és e que magnífico político que tu darias (sem nenhum sentido de ironia). A política é uma actividade nobre, ou deveria ser. Não me admira que sejas solicitado persistentemente. Então não lembramos ainda, das tuas interpretações teatrais em Fátima e Aldeia Nova? Do teu avontade e da formidável capacidade de improvisação, que por vezes deixava o interlocutor às aranhas?
Há imagens que perduram ao longo do tempo. E essa é uma delas.
Um grande abraço
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Todos nós somos formidáveis!... O que aconteceu é que andámos muitos anos desencontrados e fomo-nos perdendo, mas sempre com o pensamento nos amigos de Aldeia Nova... os primeiros amigos! Então tu, Alexandrino, até entraste várias vezes por Mangualde adentro, sem sonhares que eu poderia ser um dos claviculários desta "nobre terra hospitaleira", como reza a letra do seu hino! É isso, fomo-nos perdendo, sem verdadeiramente nos esquecermos. Hoje mesmo mandei um e-mail ao Vitorino, insistindo para que entre no "blog". Vamos aguardar.
Um abraço amigo,
Nelson

Anónimo disse...

Amigo Alexandrino,
Quando digo que não era timido, quero sobretudo dizer que era completamente extravertido e inconsciente da amplitude dos meus actos. Dava muitas vezes de mim, uma imagem pouco tolerante, pouco atento às ideias dos outros o que não correspondia ao meu ser profundo. Para ser apreciado pelos colegas estava disposto a tudo. Hoje sou muito respeitador das diferenças (são uma riqueza) tendo evidentemente guardado o meu carácter, que de todas as formas não se pode suprimir ou transformar com uma varinha mágica...Tu continuas sendo aquele individuo um pouco tímido, sempre ponderado, mas profundo, grande observador. Quando te exprimes é porque tens algo a dizer e todos, naturalmente, te escutam. Eu sempre fui um fala barato, mas que de vez em quando, como agora, diz algumas coisas certas! Este assunto está fechado, Alexandrino, porque, talvez não saibas, sou uma pessoa modesta.
O Nelson tem razão quando diz que somos todos extraordinários, nas nossas diferenças. É por isso que nos procuramos e vamos continuar a encontrar-nos e a aprofundar nossas amizades. Procurei o Nelson durante anos. Até comecei uma investigação em Trancoso, pois estava convencido que ele era professor num colégio daquela Cidade. Deparar com ele no encontro de Aldeia Nova, foi para mim um grande momento...Foi um dos meus grandes prazeres desse encontro, sem minimizar os outros. Este meu grande amigo, que muito admirava, já não o via há 46 anos. Um abraço, Fernando.

Anónimo disse...

Tudo foi recíproco, emocionante e salutar, caro Fernando. De todos nós, que aqui nos encontramos diariamente, só me falta abraçar o Alexandrino e conhecer o Moreno, que já não é do meu tempo.
Sempre presente,
Nelson

Anónimo disse...

Caro Nelson, também não te conheço mas palpita-me que és pessoa equilibrada pois tens mantido com rédea segura os execrandos Alexandrinos e esse Vaz (que, um e outro, também não conheço) mas que mamaram o leite da podridão esquerdista da teologia da libertação. Como tu também desejaria conhecer o Moreno pois parece-me pessoa séria e dialogante
embora também a roçar pelas gorduras esquerdistas.

José Oliveira

Anónimo disse...

Deixo públicas desculpas ao José Oliveira e ao Ezequiel Vintém por, inadvertidamente, os ter omitido no meu anterior comentário. Terei todo o prazer em abraçá-los no próximo encontro!... Assim eles apareçam de cara descoberta!!!
Nelson

Anónimo disse...

Amigo Nelson,
Acabo de abrir o blog, como faço pelo menos todas as noites. Lí o comentário assinado acima pelo José Oliveira. Com o amigo Alexandrino somos mais uma vez alvo de suas setas envenenadas. Execrandos? Podridão? Com que direito esse energúmeno nos trata desse modo, tentando ofender-nos, reconhecendo ao mesmo tempo que nem nos conhece?!...Francamente, Nelson, já me habituei a estes ataques cobardes desse Imeldo ou José Oliveira. Alegrei-me no entanto ao ver que depois deste comentário vinha um teu, e disse para os meus botões: o Nelson vai pôr os pontos nos ii. Fiquei francamente surpreendido com a tua atitude. As desculpas devem ser apresentadas aos ofendidos e não ao ofensor! Esta é forte de mais. Conhecendo-te como te conheço, amigo Nelson, para que assim procedas deve haver por aí um mistério que não me foi revelado. Continuo a fazer-te confiança e abraço-te, Fernando.

Anónimo disse...

Compreende Fernando... Todos nós já concluímos que esse tal de ex-Imeldo é um patarata. Terá que retratar-se no próximo encontro. Mas bem vez,apelidou-me de "pessoa equilibrada" e não era curial eu desmenti-lo, não achas?

Anónimo disse...

E insiste, insite. Este José Oliveira, por quem eu pagava para saber de quem se trata, bate sempre na mesma tecla, apesar de todas as explicações, que pacientemente lhe tenho dado. O homem está obsecado pela teologia da libertação. É o que se chama ser mais papista que o papa, que ainda agora esteve no Brasil, berço dassa tal teologia e não mostrou assim tanta preocupação. Repito que a única libertação que ansiava era ver-me livre deste Imeldo. Também estou ansioso por desvendar o segredo desta personagem.
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Caro Nelson
Fiquei junto de ti, na mesa do almoço de 2005.
Entrei directamente para Fátima e partilhei o noviciado do Rufino, Arnaldo, F.Vaz etc e o seguinte do Alexandrino, Neves, Celestino etc.
Até breve
JMoreno

Anónimo disse...

Moreno:
À minha frente e muito dialogante com o Arnaldo? Estou a ver-te, desculpa lá. Somos amigos e já estamos apresentados.
Nelson

Anónimo disse...

Nelson
Não era desse lado. estava no grupo do Espirito Santo, Neves etc.
Somos do mesmo barco e, se não for antes, no próximo encontro.....
Abraços
JMoreno