domingo, 26 de outubro de 2008

"HÁ HÓSTIAS E VINHO DE MISSA"


A paciência da justiça tinha enchido o seu cálice. A plateia bebia todas as definições mas continuava sedenta de justiça. “Perguntado sobre o que de mais injusto lavra no país, o cidadão avulso não hesita: a Justiça”. O próprio “rafeiro” não via maneira de chegar a sua vez de roer os despojos da “costeleta” e do “entrecosto”. Promessas, só promessas, pensava ele com as suas pulgas.
Os frades anciãos mastigavam a angústia de segurar a barra mesmo sem forças, por não terem a quem passar o testemunho. Não é justo. Noutros tempos “muitos eram os chamados e poucos os escolhidos”. Hoje não há escolha possível, porque os chamados não comparecem. Este Outono de décadas suplanta sem violência, as intenções do Joaquim Augusto de Aguiar ou do Marquês de Pombal. Os próprios ex, dentro de anos não terão continuadores. Por agora, reforcem os laços horizontais, porque atrás parece que não vem ninguém. A não ser que respondam ao apelo do frei Bernardo Domingues “tragam os vossos netos para a Ordem, carago”.
Faz-se um passeio higiénico pela cidade para prolongar o parco convívio anual. Se houvera uma tasca beber-se-ia mais um copo para animar a conversa. Deambula-se por entre as lojas com montras recheadas de santinhos de confeitaria, galos de Barcelos e bandeiras do Benfica. Façam-me um favor: não lhe chamem comércio religioso. Soa a obsceno.
Vem-me ao pensamento a imagem do Cristo indignado. Aí, o Deus que viveu a humanidade, foi profundamente humano. Por uma vez “perdeu as estribeiras”, derrubando tendas e expulsando os vendilhões do Templo, a chicote.
Helas! Há imaginação por aqui. O marketing renova-se. Um cartaz contrasta com os rosas, os encarnados e os azuis celestes, dominantes. Sobre o branco da folha A4 anuncia-se em “arial black” tamanho 58: “HÁ HÓSTIAS E VINHO DE MISSA”

Ezequiel Vintém
(não confundir com Ezequiel Lucas – façam-lhe justiça)

10 comentários:

Anónimo disse...

´Chego agora ao Blog depois de um tempo de ausência. Não sei quem és, ó Vintém, mas sei que padeces de uma doença mortal para os dias que correm: a LUCIDEZ.
Sabes, é tempo de deixar as abstracções, e as elocubrações. Porque em vez de falarmos de justiça, gostaria também que se falasse de INjustiça. Bom texto, o teu.
E. Bento

Anónimo disse...

Para essas bandas, nada me espanta. Guardo comigo uma foto que fiz, há uma meia dúzia de anos, quando nas minhas lides jornalísticas acompanhei um grupo de idosos que se deslocou a esses locais de fé. Refere-se a imagem a um cartaz apelativo, tamanho A3, impressão fotolito, pespegado na montra de um bar e que propagandeava "As Festas de Encerramento do Mês de Maria". Ali se anunciava o arraial, os bailes, os conjuntos musicais e, por fim, a procissão.
Por aqui me fico, aplaudindo o teu texto e, sobretudo o teu regresso, depois de aturado período de vilegiatura.
Nelson

Anónimo disse...

Caro Vintém,
Associo-me ao Eduardo Bento e aoNelson para saudar o teu regresso, esperando que o José Oliveira siga o teu exemplo. Na verdade, a nossa madrasta e magistra igreja, que anda por aí a vender Cristo e sua mãe aos bocados, devia meditar no Evangelho que foi lido ontem no mundo inteiro... Respondendo a um doutor da lei Jesus disse “Amarás o Senhor teu Deus... Amarás o teu próoximo como a ti mesmo... Nestes dois mandamentos se reunem toda a lei e todo os profetas” quer dizer, toda a Escritura... A nossa igreja docente, acha que só dois mandamentos não é suficiente (Jesus era um idealista e fazia confiança de mais aos homens) aqui vão mais 10 que já figuravam no Antigo Testamento e aqui vão mais cinco, os mandamentos da Santa Igreja. E lá da sua catedra (uma cadeira especial que não deixa o Papa dizer mentiras) os Papas proclamaram dezenas de dógmas. Não falemos do direito canónico e da casuística, qual catálogo de pecados e preceitos... Como estamos longe dos dois mandamentos de que Cristo falava mais acima, dois mandamentos que se resumem num só: AMAR.
O Evangelho é tão simples e suas mensagens tão explícitas... Porque razão Roma complica tanto. Uma mensagem que deveria ser compreendida pelos mais pequeninos, deixa abasbacados teólogos e exegétas!... O povo vai-se contentando com corações de Jesus e de Maria a sangrar ou a mirá-los de esguelha!
Fátima e Lurdes nunca teriam existido se o Evangelho tivesse sido vivido e anunciado por toda a Igreja, como o fizeram algumas mulheres e homens de excepção: Francisco, Domingos, Mère Teresa, Soeur Emmanuelle...
Meu caro Vintém, o teu texto fez- me vagabundear... Permite que cite uma frase que para mim é ao mesmo tempo poética, nostálgica, realista e profunda: “Este Outono de décadas suplanta sem violências as intenções do Joaquim Augusto de Aguiar ou do Marquês de Pombal...” Parabéns pela tua prosa e venham mais. Fernando.

Armando disse...

Não gosto de contrariar estas pessoas de grande imaginação. Porque como diz Fernando Pessoa:

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

No entanto permito-me corrigir a citação que este amigo faz do frei Bernardo. O que se passou foi que numa altura em que se celebrava missa, uns gaiatos faziam cá fora uma tremenda algazarra. Então, o frei Bernardo exclamou: “Ponham os vossos netos na ordem, carago”.
Com amizade
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Bem visto,Vintém. Também de dignaste aparecer no convívio. Parece que, com a idade, te vais reaproximando do teu começo.
Oxalá o vinho das hóstias seja melhor que o do almoço! Um abraço.
A.Silva

Anónimo disse...

Oh meus amigos, basta! Irreverências, não!
Após o encontro de Fátima, onde participámos devotamente nua celebração e comovidamente numa conferência sobre a justiça, não esperava certas faltas de respeito
e inconveniências. Como desagravar isto?
António da Purificação

Armando disse...

Finalmente aparece uma voz de reconhecimento e louvor pela óptima organização do encontro deste ano. Não te conheço, caro ex-colega da Purificação. Provavelmente és de tempos mais recentes ou quiçá mais remotos. Mas sei que estamos próximos.Sugeria-te que escrevesses em primeira página a tua apreciação relativa ao excepcional encontro deste ano e relevasses o bom trabalho dos seus organizadores. Desde já te dou incondicional apoio se lhes propuzeres um louvor e a sua recondução no cargo para o próximo ano.
Antecipadamente grato
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Não foi já empossada a Comissão Organizadora do próximo encontro? O "Boletim Oficial" ainda nada disse, mas... Ou estarei errado?!

Anónimo disse...

Armando Alexandrino:
Não preciso de tecer louvores ao que foi reconhecido por todos de porofunda qualidade e alto gabarito. Então a conferência sobre a Justiça encheu-me de satisfação, porque foi coisa límpida, sem resquícios de influencias marxistas ou de outros conturbados analistas. Outra coisa não era de esperar num lugar tão puro e tão santo como é Fátima. Gostaria de saber quem é esse Vintém que se esconde atrás do anonimato para arrotar flatulências, sem respeito algum
para com os valores em que fomos cimentados.
António da Purificação

Armando disse...

Caro Nelson
Com o máximo respeito por quem nomeou e sem beliscar minimamente a capacidade organizativa dos nomeados, louvo-me numa máxima de peritos em estratégia que reza assim:
“Em equipa que ganha, não se mexe”.
A. Alexandrino