segunda-feira, 30 de abril de 2007

"ONDE É QUE TU ESTAVAS NO DIA 25 DE ABRIL DE 1974?"

Eu, em Mangualde.
Instintivamente, como ainda hoje, estendi o braço em direcção à mesa de cabeceira para rodar o botão do rádio. Silêncio absoluto. Sintonizei outra estação e a resposta foi a mesma. Eu e minha mulher desculpámos o mutismo das estações de rádio, com algum ‘apagão’ lá para as bandas de Lisboa. Preparámo-nos para mais um dia de trabalho e, enquanto a Graça se dirigia para a escola de carro, eu fazia a pé os cerca de mil metros que separavam a minha residência da Repartição de Finanças de Mangualde. Não tinha ainda andado uma dezena de metros, quando ao meu lado se queda o Morris do meu saudoso amigo Madeira.
-Entre e ouça! – disse-me de supetão.
“Aqui, posto de comando do Movimentos das Forças Armadas… …”
A notícia chegava-me assim, cerca das 8,30 da manhã, no carro de um amigo precocemente desaparecido.
Por ser o funcionário mais graduado via-me, ao tempo e interinamente, investido nas funções de chefia da Repartição, por vacatura do lugar. Ali chegado e com os demais funcionários, partilhámos notícias e trocámos impressões. O dia de serviço desenvolveu-se dentro da normalidade, com novas mais ou menos acaloradas que os utentes vinham trazendo junto do balcão.
Já no dia 26, quando entrei no meu serviço, o funcionário C.A. dirige-se-me sem conseguir disfarçar uma preocupante postura, já a raiar o medo.
-Preciso de falar consigo no gabinete.
C.A. era, e felizmente ainda é, o alentejano mais beirão que eu conheço. Nascido no Alandroal, quis o destino que aportasse a Mangualde no início da década de cinquenta, como oficial de diligências das Execuções Fiscais, cargo que lhe conseguira o presidente da câmara do seu concelho. Aqui se prendeu de amores, aqui nasceram os filhos e netos e aqui perdeu o sotaque alentejano.
Seguiu-me para o gabinete e fechou a porta, para que os desabafos não fossem escutados. Instado por mim, sobre as razões de tão tímida atitude, começou a desfiar palavras trémulas enquanto os olhos se humedeciam.
-Sabe, o meu pai foi pedir ao presidente da câmara da minha terra para me arranjar um emprego. Ele prometeu que iria tratar disso e que depois diria alguma coisa. Passados dias, chamou-me à câmara para me dizer que podia entrar para as Finanças como oficial de diligências, mas tinha que me inscrever na Legião Portuguesa. Eu aceitei. Distribuíram-me um fato macaco, umas botas e uma boina, mas eu nunca participei em nada e até fui colocado aqui. Eu até só visto o fato macaco para lavar o carro!... Mas ouvi na rádio e na televisão que os legionários podem ser presos e não sei que mais!... O que é que faço à minha via?... Ajude-me!
Tinha acabado de ouvir uma vítima de um despotismo enterrado no dia anterior. Não sabia muito bem o que responder-lhe, mas sempre lhe fui dizendo que tinha acabado o tempo dos medos. Comparei-lhe a minha ida à guerra colonial com a sua condição de legionário passivo e recomendei-lhe que continuasse a lavar o carro com o fato macaco. Ainda hoje, recordamos este episódio de Abril.
Nelson

1 comentário:

Anónimo disse...

Meus amigos,

Li, com particular atenção, as vossas vivências do 25 de Abril/74. Considero muito importante que se fale deste assunto. Os nossos vindouros precisam de saber que tipo de regime político havia em Portugal antes do 25 de Abril/74... Quem era progido e quem era perseguido pelo regime... Falar deste tema daria para escrever longas páginas...Mas não quero entrar em análises profundas deste tema no nosso nosso Blog. Ficará para conversas em grupo.O simples facto de podermos expressar-nos livremente sobre o mesmo já é,francamente, muito bom...
O dia 25 de Abril vivi-o activamente em Lisboa, na zona do Aeroporto. Logo pela manhã, fui acordado por um colega da TAP que, em serviço durante a noite de 24 para 25, se deu conta do grande movimento de carros militarizados e de tanques na A1, em direcção a Lisboa... A minha mulher, professora do ensino secundário no Barreiro, ficou em casa, seguindo as indicações do MFA. Eu, cerca das 08.00 h, decidi ir até ao Aeroporto...e consegui entrar nas instalações da TAP...
Falar do que vi e vivi dava para escrever um livro de longas páginas...Os trabalhadores tinham-se organizado em piquetes de vigilância... De imediato, eu fui integrado num desses piquetes... Durante vários dias e noites vigiei as entradas e saídas no Aeroporto de Lisboa... Havia temor de sabotagem dos aviões ou das instalações aeroportuárias...Dormi algumas noites no Aeroporto... Era um misto de alegria e de receio... Os trabalhadores conviviam com os militares. A TAP sempre foi e continua a ser uma das empresas portuguesas com maior concentração de trabalhadores e de elevada cultura política e partidária,particularmente nas áreas oficinais. Antes do 25 de Abril chegou a ter brutais intervenções da polícia de choque, perseguindo e espancando grupos de trabalhadores concentrados frente ao edifício da Administração, reivindicando melhorias sociais. O derrube do «Estado Novo» foi, pois,para a generalidade dos trabalhadores da TAP um acontecimento de particular júbilo...
Sendo certo que o 25 de Abril tem a sua génese no descontentamento dos militares atirados para os combates das colónias, a verdadade é que proporcinou aos portugueses construir um Estado de Direito Democrático, soberano, baseado na dignidade da pessoa humana, na vontade popular e na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.(Artº 1º.da Lei Fundamental).
Prosseguir e alcançar tais objectivos é um trabalho longo e árduo mas gratificante, no qual, todos nós estamos empenhados, ainda que situados em campos partidários diferentes. Só assim se pode dizer que valeu a pena fazer o 25 de Abril de 1974... ( D+D+D...) E ainda há muito a fazer...

Aquele abraço

Zé Celestino