segunda-feira, 30 de abril de 2007

"ONDE É QUE TU ESTAVAS NO DIA 25 DE ABRIL DE 1974"


Eu fui acordado muito cedo, cerca das 6:00 horas, pelo Joaquim Moreno, que então trabalhava no jornal o “Século”.
- Estive a fazer tempo, - disse-me ele – para não acordar o Luís (recém-nascido), mas estava ansioso para te avisar que está em curso uma revolução, e não pude aguentar mais. Desculpem lá se acordei o puto. Não saiam de casa e liguem o rádio.
- Não será mais uma intentona como a do dia 16 de Março?
- Não, desta vez é mesmo a sério.
Toda a família se levantou de imediato, e ligámos o rádio, que apenas emitia marchas militares. Notava-se no entanto que algo estava a acontecer, porque a programação tinha sido radicalmente alterada, quer na Emissora Nacional, quer no Rádio Clube Português.
Só passado algum tempo, surgiu a leitura dum comunicado, pela voz de Luís Filipe Rocha, ainda muito lacónico, que informava estarem em curso operações militares, aconselhando a população de Lisboa a permanecer em casa e as forças militarizadas a não oferecerem resistência a fim de se evitar o derramamento de sangue. Pouco tempo depois, começaram a ouvir-se canções do Zeca Afonso, o que dava já uma pista sobre a orientação do auto-denominado Movimento das Forças Armadas.
Dia 25 representava o dia de recebimento do ordenado mensal. Ora nessa manhã, eu dispunha de apenas 40$00. Era forçoso procurar levantar dinheiro de forma a estar preparado para qualquer eventualidade. Assim, dirigi-me à agência mais próxima do Banco onde trabalhava. Havia já um aglomerado de pessoas à porta, com a mesma intenção de levantar dinheiro. O gerente, que me descobriu no meio dos clientes, fez-me sinal para entrar por uma porta lateral. Tinha recebido ordens para não abrir. As pessoas que esperavam à porta, quando tal lhes foi comunicado, entraram em fúria e levantaram a voz em uníssono numa gritaria que ecoou pela ruas e praças contíguas: “ abram a porta”; o dinheiro é nosso”; gatunos, queremos o nosso dinheiro”.
Retirei-me com os meus colegas, tão cedo quanto possível e dirigi-me para a estação da C.P., onde estavam a chegar de regresso, muitas pessoas que tinham ido trabalhar, e que contavam ter visto carros de combate, canhões e transportes de militares em toda a baixa lisboeta.
Nas ruas da Amadora havia muita agitação de gente que acorria às mercearias e supermercados, para se abastecerem de mantimentos, sobretudo conservas. Os carros formaram filas nos postos de abastecimento de combustíveis e as bilhas de gás esgotaram.
Havia no ar uma grande interrogação. Todos estavam apreensivos. Ninguém tinha a certeza de nada.
Pelas 13.00 horas telefonei ao meu Director dando-lhe conta do motivo de não ter ido trabalhar e receber instruções para o dia seguinte. Respondeu-me com voz trémula que tinha feito bem e acrescentou comovido: “até amanhã se Deus quiser, Alexandrino”.
Estranhei que quem inicialmente me atendeu e passou o telefone ao meu director, tivesse sido o presidente do Conselho de Administração, o Prof. Dr. Correia de Oliveira, ex-ministro do Estado Novo. O mundo estava às avessas. O titular do mais alto posto da empresa, exercia agora funções de telefonista.
Soube depois que a Administração se reunira excepcionalmente nas instalações da Dir. Recursos Humanos, mesmo ao lado da Dir. Estrangeiro, onde se verificou enorme azáfama naquele dia. É claro que nem nos passa pela cabeça que tivesse havido qualquer movimento de divisas, naquele dia, para países estrangeiros. O único motivo porque a Administração se reuniu naquelas instalações, pela única vez na vida da empresa, foi tão só, para justificar as faltas dos trabalhadores, já que era muito trabalho para o Director de Pessoal…
No final do dia, com as notícias a aclararem a situação, começou a notar-se entre as pessoas uma descompressão que foi abrindo os sorrisos e dando início a uma alegria que só foi plena e transbordante no dia 1 de Maio.
A certeza de que foi um dia extraordinário, está no facto de nos ter ficado na memória em traços indeléveis.
Estamos de novo preocupados com o presente e apreensivos com o futuro, mas a enorme alegria que sentimos então, ninguém a vai conseguir apagar da nossa memória.
A. Alexandrino

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Alexandrino!
Já esperava que glosasses o mote do 25 de Abril, pois no teu comentário ao meu escrito deixavas isso transparecer. Na realidade foi uma grande alegria, embora não o fosse para todos, como é natural. Continua a escrever!
Um abraço do Neves