quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
FELIZ 2009
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
ANTÓNIO OLIVEIRA DOS REIS
Descobri hoje este blog que reune os antigos alunos do Seminario de Aldeia Nova.
Fui aluno deste estabelecimento de 1966 a 1971. O meu nome é Antonio Oliveira dos Reis, para os que tiverem boa memoria. Nomes como Taborda, Alberto Freitas, Antonio Francisco, colegas de classe.
O meu endereço e-mail é areis@videotron.ca. Vivo ha trinta e dois anos em Montreal, Canada.
Gostaria de contactar outros antigos alunos desse periodo para relembrar as aventuras das quintas à tarde e domingos pelos arredores, passando pelas tardes de matraquilhos na taberna do sapateiro.
Até breve.
Antonio Reis (Padeiro)
terça-feira, 23 de dezembro de 2008
BOAS FESTAS!...
segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
REFLEXÕES (INOPORTUNAS) SOBRE O TEMPO DE NATAL
Os deuses da destruição sentaram-se ao meu lado
Sophia de Mello Breyner
É tempo de Natal.
Não trago hoje, para aqui, lamentosos tons sobre este tempo de consumismo e de ansiedade deslumbrada, que enfernizam a vida. Nem sequer falo do espírito de fraternal alegria que se foi perdendo e que esta Quadra nos trazia desde o mais fundo dos tempos. Nem direi do pai natal, essa figura alarve, que enche todos os anúncios com o seu barrete, as suas barbas, o seu fato encarniçado de publicitário.
Interrogo-me sobre a intolerável capitulação da nossa civilização perante o Nada, alienada, tomada de assalto pelo superficial.
Li há dias que numa escola de Inglaterra não se iria festejar o Natal para não ferir a susceptibilidade dos alunos de outras religiões. Se eu não soubesse que estava a viver neste tempo vazio, sem pontos de referência, ficaria embasbacado, e deixaria que o espanto me abocanhasse. Mas não. Este tempo está entregue ao triunfo triste do relativismo, à debandada da nossa civilização. Este tempo é propício à morte de todos os sonhos.
Como que temos vergonha, em nome do pluralismo cultural, daquilo que nos caracteriza e faz parte da nossa história. Estamos a ser expulsos da nossa própria casa, invadidos pela nossa estupidez.
Chegaremos ao ponto de recusar o domingo como dia de descanso porque isso é de origem cristã e poderemos estar a ofender pessoas de outras religiões que vivem entre nós. Chegaremos a apagar Afonso Henriques da nossa história, mau exemplo de intolerância para com os Mouros; tiraremos dos manuais escolares D. Afonso V, o «africano», em nome do multiculturalismo…
E a narrativa da batalha de Aljubarrota, por exigência da fraternidade ibérica passará ser assim: «E havendo encontro marcado entre portugueses e espanhóis, ali para os lados do mosteiro da Batalha, com muitos tambores, trombetas, pandeiretas, gaitas de foles e relinchos de cavalos, qualquer coisa correu mal. Nisto, os espanhóis começaram a sair com muita pressa e foram-se asinha sem se despedirem. Cinco deles ficaram para trás tendo sido encontrados por uma padeira que, com muita bondade e caridade, deu um pão a cada um e ainda lhes pagou o bilhete para Badajoz».
Triste tempo, este meu tempo. É nesta ideologia do vazio que vão apostando todos os demagogos que nos vão tratando da saúde. Com o nosso voto.
Eduardo Bento
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
MISTÉRIOS DO PINHAL DE LEIRIA
O prometido é devido. Assim era pelo menos até alguns políticos passarem a fazer mau uso das promessas como quem utiliza a cenoura para incentivar as bestas a andarem na direcção pretendida.
Queriam os meus amigos saber como é que eu tinha quase morrido de susto no caminho de Caxarias para Aldeia Nova.
Então vamos lá descascar isto.
Cheguei a Caxarias “por volta da viragem do dia” ou se preferirem na hora de “vésperas”. Aliviei o comboio da minha carga e de mim próprio, enchi os pulmões do ar do pinhal e o cheiro a madeira serrada invadiu-me as glândulas olfatórias. Num ápice dei por mim ali sozinho. Nem carrinha do seminário, nem seminaristas a aguardá-la. Decidi esperar um pouco a ver no que aquilo dava. Deu em nada. Talvez eu tivesse chegado um dia mais cedo, ou me tenha atrasado um dia. O tempo das férias grandes era tão longo que a gente lhe perdia a conta.
Confirmado o receio de que ninguém me viria buscar e a certeza de que os telemóveis só surgiriam cinquenta anos mais tarde, resolvi (decisão forçada) pôr os pés a caminho. Mas que jeito faria o telemóvel naquele momento. Só que na época os sinais de fumo tinham caído em desuso e as próprias comunicações por fio era incipientes. Era o chamado tempo de transição.
O Sol apressava-se a recolher a penates quando iniciei a caminhada. Entre Caxarias e Urqueira o ânimo manteve-se em alta. Cruzei-me ainda com algumas pessoas, senti a protecção das casas e tive o caminho iluminado por alguns candeeiros. Ultrapassada a Urqueira, vi-me envolvido pela floresta com seus ruídos, seus silêncios e suas sombras a moverem-se na noite. Mutatis mutandis, o sentimento de insegurança e impotência era idêntico ao vivido num barco no meio do oceano - (sei do que falo). Sentir que a qualquer instante podia ser engolido.
Alguns quilómetros adiante o pinhal deu lugar a terras cultivadas e vinhas. Os espaços eram mais amplos, respirava-se melhor. Pousei mais uma vez a pesada mala e descansei, de pé, para não sujar o fatinho preto de seminarista. Dei-me então conta, que nem a gravata me atrevera a desapertar, como se qualquer pequeno desleixo na indumentária com que me tinham encadernado, constituísse um sacrilégio.
Repostas as forças, levantei a mala como um halterofilista levanta o peso limite das suas forças e recomecei a caminhada.
Alguns passos decorridos, reparei que num terreno junto à berma da estrada, me seguia um cão corpulento, que a penumbra não me permitia divisar com precisão. Que estranho o comportamento deste cão, pensei. Nem ladra, nem se aproxima, apenas me segue. Estava nestas cogitações acerca do carácter do animal, quando divisei no terreno contíguo à berma contrária, outro cão idêntico no vulto e no comportamento. De tão parecidos, julguei que o primeiro tivesse mudado de berma, mas não. Eram efectivamente dois. Mais se acentuou a minha estranheza pelo comportamento dos bichos. Porque não se aproximaram e cheiraram, como é usual no cumprimento entre cães? ( Aqui para nós, felizmente os humanos inventaram o aperto de mão e o beijo na face para se cumprimentarem). Parecia também que ambos sabiam da presença do companheiro. Adivinhava-se ali uma táctica e uma estratégia longamente ensaiada. Recordei-me de algumas leituras e percebi que só podiam ser lobos. “Canus lupus signatus”, diria o P.e Oliveira.
Estremeci, mas mantive-me calmo para não demonstrar medo, já que nestas situações qualquer sinal de fraqueza é um convite à determinação das feras para atacarem a presa, lera eu algures. Houve momentos em que parecia que se aproximavam, mas provavelmente eram sugestões do meu medo. Sendo um fervoroso adepto da preservação desta espécie, não o sou ao ponto de me imolar, por amor à causa. Quando o pinhal voltou a ladear a estrada, os meus companheiros desapareceram. Eram certamente lobos maus que se aperceberam que eu não era propriamente a capuchinho vermelho nem levava bombons para a avozinha.
Foi a altura de respirar fundo, pousar a mala e descontrair os músculos retesados.
Reiniciei a marcha, sentindo-me um pouco mais leve, apesar do cansaço de quase uma légua palmilhada com carrego e das emoções por ter conhecido lobos, assim ao vivo e em directo.
Mas como uma desgraça nunca vem só, eis que do interior do pinhal soou um silvo em tudo semelhante a um assobio de homem. Ainda eu estava na dúvida, pássaro ou homem, quando passados alguns segundos se ouviu um segundo assobio, agora indubitavelmente de humano. Nesse instante, os cabelos da cabeça (que saudades) eriçaram-se. No corpo inteiro a pele arrepiou. O coração desatou aos saltos desordenados.
Se ouvi ou imaginei ruídos humanos, de seres da minha espécie, porquê este terror de dimensões muito superiores ao sentido na presença das feras? Tive o impulso de gritar por socorro mas a voz não saiu. Há males que vêm por bem, pensei, pois é possível que não tenham dado pela minha presença. Nesse caso seria melhor manter-me o mais silencioso possível. Procurei acelerar o passo mas as pernas não respondiam, pesadas como chumbo. As pernas que o transportam, nunca conseguem ser tão rápidas quanto o pânico. Por isso não lhe devem dar ouvidos.
Pensei implorar a ajuda divina, o que me pareceu despropositado, pois minutos antes já o fizera para que me salvasse de ser devorado pelas feras. Pedir para me livrar de seres da minha espécie, criados à imagem e semelhança do criador não me caía bem. Estas lucubrações são, como é evidente, anteriores ao estudo da Suma e de outras disciplinas teológicas. Cheguei a desejar que as feras me voltassem a ladear. Sentia já saudades dos irmãos lobos, com lhe chamava S. Francisco de Assis.
Eu que aninhava no consciente e no inconsciente tantos fantasmas acerca dos lobos, neste momento, após conhecê-los, tinha mais receio dos homens. Compreendi então o que tinha aprendido com o saudoso P.e Oliveira, “Homo homini lupus”.
Por vezes parecia sentir passos quase a tocarem-me os calcanhares. È desta, pensava, mas como o golpe fatal demorava, voltava a cabeça, mas só o meu terror me perseguia.
No meio da aflição, consegui avançar até divisar as primeiras casas de Aldeia Nova que me acolheu no seu regaço protector. O coração retomou o seu ritmo e a cavidade do peito que lhe está destinada. No entanto, julgo que terá sido nesse preciso momento que ficou virado para o lado direito. É possível que após o turbilhão em que esteve envolvido, se tenha posicionado mal ao retomar o seu lugar. ( Conhecemos um médico nosso amigo que poderá explicar isto melhor.)
Certo, certo, é que ainda hoje - verifiquei agora mesmo - permanece virado à direita. Situs inversus, decretaram os médicos.
Armando José
domingo, 14 de dezembro de 2008
NELSON AMARAL VEIGA -15 de Dezembro - PARABÉNS
JM
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
TURMA DE 1965-1969 -(II) - OS VERDES ANOS
Há cerca de dois meses, ao escrever algumas linhas para rememorar a minha turma de Aldeia Nova, mencionei vários colegas sem método nem cautelas especiais. Emergiram naquele momento os nomes daqueles que recordei enquanto elaborava aquela mensagem.
Reparei, logo no dia seguinte, que deixei de fora, certamente entre outros, o António Valente, proveniente das mesmas terras da Beira, da Guarda ( penso que do Souto), por mero lapso, como se compreenderá.
Na companhia do Valente vivi uma aventura e aprendi uma lição que me marcou positivamente.
Empreendedor e mais arrojado do que eu, o Valente, sabendo que, como ele, tinha família em Lisboa, desafiou-me a rumar a Lisboa numas férias da Páscoa.
- Mas como!? só tenho 20 paus e duas ou três moedas pretas ( as de tostão e dois tostões… porque as de cinco tostões ou cinquenta centavos já eram brancas como se lembrarão) !
- Não tem problema! Umas sandes para a viagem, saco a tiracolo, pé na estrada e vamos à boleia! Para cá alguém nos paga a viagem!
Ia eu a caminho dos 14 anos e penso que ele teria mais um ano. Ruminado o assunto durante umas duas semanas, a vontade e a coragem foram emergindo. Não me lembro se nos autorizaram ou se chegámos sequer a revelar o nosso plano. Mas no dia de início das férias pusemo-nos a caminho.
No primeiro lance, apanhámos uma boleia de alguém que nos deixou perto de Porto de Mós na estrada principal de Porto - Lisboa, pois seguia noutro rumo e achava que era ali que nós poderíamos mais facilmente safar-nos.
Na ocasião os carros eram raros. Lá passava um ou outro de vez em quando.
Polegar virado a Lisboa e, palmilhados quase dois quilómetros desde a primeira boleia, lá parou um carro.
- Então, vão para onde?
- Lisboa!
- Mas que vão vocês fazer a Lisboa?
- Temos lá família e vamos lá de férias de Páscoa - respondemos quase a uma voz.
- Bom… estão com sorte, entrem lá!
Inquirida a nossa proveniência e depois de feita uma revoada de perguntas, para avaliação dos dois pardais, o débito da conversa passou quase totalmente para o nosso interlocutor. Esbanjando ao longo da viagem os conceitos da moral e autoridade, os perigos, de quem apanhava boleia e de quem dava boleia. Embora com ele não fizessem farinha, pois, se algum meliante se lembrasse de se meter com ele, trazia no porta-luvas com que se defender.
Lá soubemos, pouco depois, que a boa alma, homem entre os cinquenta e os sessenta, rumava exactamente para Lisboa e, apesar de vestido à civil, era oficial ( se bem me lembro tenente-coronel) da GNR.
O Valente queria ir mesmo até Lisboa. Eu também tinha família em Lisboa mas queria ficar no Sobralinho, logo a seguir a Alhandra, onde também tinha família e era mais fácil chegar.
Sem problemas, a viagem corria melhor do que a encomenda, dissipando-se gradualmente todas as nossas dúvidas e receios de antes do início da aventura.
Chegados próximo do meu destino, Sobralinho, lá fui dando indicações até que chegámos ao local onde me dava jeito ficar. Mas o nosso benfeitor tinha de parar exactamente na auto–estrada, única existente na altura, entre Lisboa e Vila Franca de Xira, lateralmente vedada por rede metálica, como ainda hoje acontece. Torcendo um pouco o nariz lá encostou e lá me despedi muito reconhecido, deixando o António Valente muito satisfeito com viagem garantida para junto da família.
Punha eu o pé na berma e dirigia-me à vedação perscrutando a rede, para inventar uma saída, quando, de repente, chegou um polícia de mota e, energicamente, evidenciando uma autoridade que os meus verdes anos potenciavam infinitamente, apitou para o condutor, apitou para mim, e enquanto tirava as luvas, fez-me sinal para entrar imediatamente no carro, barafustando que não podia sair ali, que ia ser multado, impedindo o condutor de arrancar, e, sempre em movimento, ia gesticulando e começou logo a verberar o condutor, porque parecia impossível, se não sabia que não podia parar ali, muito menos deixar passageiros, que era um perigo e uma irresponsabilidade grave … Um vendaval de palavras adequadamente intimidatórias, por certo cheias de razão, porque as regras de trânsito eu não as conhecia!
Com os meus botões e pelo que ouvira, começava a ter saudades da minha nota de 20 paus, que já nem chegava para o estrago, pois o GNR, se bem percebera, já tinha avaliado a minha infracção em mais de 40 escudos e a do condutor em montante quatro vezes superior …!
Lembrava-me então, oportunamente, da reza da minha mãezinha em dias de tormentosas trovoadas na Beira : “Santa Bárbara bendita que no céu está escrita com papel e água benta, livrai-nos desta tormenta!”
Por outro lado, assistia incrédulo a tamanha e inesperada desumanidade, sem perceber por que motivo o condutor nem sequer abria a boca para dizer fosse o que fosse… Grande calamidade! O homem nem se defendia nem defendia o pobre rapazola que ficaria sem a sua única nota, e, pelo que tinha ouvido, tinha ainda de seguir viagem, pois só poderia ser largado depois da saída da auto-estrada, em Lisboa, num mundo que praticamente não conhecia! E como vir parar ao Sobralinho?
Depois de uma torrente tão grande de razão e autoridade, o condutor, ainda sem nada dizer, calmamente, virou-se para mim, que tinha retomado compulsivamente o meu lugar no banco de trás, e disse:
- Chegue-me aí a minha carteira do bolso de dentro do casaco!
Paulatinamente, tirou um cartão que colocou na mão do GNR.
- Faça favor!
Qual milagre dos pães ou das rosas, o polícia bateu tacões e pala várias vezes seguidas: - Meu tenente-coronel, para cá e para lá, mil desculpas, …
Mas aí a torrente de palavras inverteu-se!
- Então o senhor nem sequer tem a urbanidade de me identificar, de verificar a documentação, de esperar uma explicação ou pedi-la, põe-me aqui entre a espada e a parede, age sem um mínimo de bom senso nem consideração por nada nem ninguém, começa a disparatar sem saber o que diz, não cumpre nada do que lhe recomendaram, nem quer saber que estou aqui a cumprir um dever de cidadania para deixar este jovem num local que ele conhece para poder encontrar-se com a família, etc., etc.…
E levou ali uma desanda, sem o deixar concluir sequer o “Meu tenen...”, “ Meu tenente-coro…”
– Quem é o seu comandante!? Que instruções lhe dão para se comportar como um carroceiro?...
O homem, fardado, chegara ali cheio de razão e autoridade. A atitude que tomara e a precipitação do seu comportamento, deixaram-no sem possibilidade de retrocesso, mesmo para cumprir o seu dever.
“Meu tenente-coronel pode seguir viagem, eu mesmo indico o caminho a este senhor (o senhor era eu..!) porque a rede ali à frente está partida e pode muito bem sair, sem problemas! O GNR lá foi indicar-me a saída e o bom do tenente-coronel só arrancou quando o da farda regressava ao local onde deixara a mota.
Não basta ter razão, é preciso saber usá-la sem abusar do direito que podemos ter.
Nunca mais esqueci esta lição. Nem esqueci a serenidade de velha raposa que levou o condutor, que estava a cometer uma falta grave, a deixar espalhar literalmente o agente, até ele perder o ímpeto e o fôlego ou desconfiar de tanta calma, e de seguida usar idêntica voracidade para reduzir a incontestável razão da lei e da farda a coisa nenhuma ou, pior ainda, a um reiterado pedido de desculpas.
Como poderia então esquecer o meu amigo António Valente, cúmplice destas andanças e das viagens de comboio na linha da Beira, até Celorico da Beira?
Em desagravo, aqui fica um abraço para o António Valente, rememorando esta aventura comum.
Um abraço para todos com votos de uma bela quadra familiar e natalícia.
(Lisboa, em 2008-12-11)
Antero Monteiro( asmont@netcabo.pt )
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
ALDEIA NOVA - O CRUZAMENTO
Tenho sido leitor atento do Blog e isso tem feito relembrar com saudade os tempos que tinha por vizinhos os seminaristas que ao longo de muito anos foram passando por aqui.
De uma boa parte me recordo bem, e quando leio alguns nomes no Blog a memória aviva-se e logo lembro muitos outros.
Já terão entendido que sou o vizinho- O miúdo de então- O Armando- filho do homem que vos escondia as bolas porque partiam as telhas.
Não tendo sido um verdadeiro seminarista pois era aluno do colégio de Ourém e apenas no 5ºano fequentei em Aldeia Nova algumas aulas para fazer a secção de ciências
a que tinha chumbado em Ourém- especial favor do Padre Alberto Vieira no ano 69/70, sinto com muita saudade toda a vivência desta casa nesses tempos que deram fama
à minha Aldeia.
Nasci e vivo neste mesmo local aqui ao lado do seminário como ainda hoje o tratamos.
Com o meu pai, que ainda está resoluto, lembro muitos de vós, especialmente os seus afilhados do crisma que ele apadrinhou no tempo do Padre João Domingos
o Celestino- o Moreira - O Ferreira - O Neves e outros.
Por hoje fico por aqui e peço-vos autorização para, de vez em quando, nesta qualidade de "meio seminarista" me cruzar nestas mensagens e reviver o passado que, embora
de modo diferente, também fui partilhando convosco.
Fico disponivel para o que fôr necessario da minha parte.
Um grande abraço
Armando Neto (Palheira)
domingo, 7 de dezembro de 2008
DA FUZETA A ALDEIA NOVA - VIAGEM QUASE TURÍSTICA
- Não te esqueças Armando. Nós fazemos um grande sacrifício para te ter a estudar, ainda por cima tão longe. Estuda, filho.
Eram as últimas recomendações antes da carroça encostar à porta da estação da CP, Moncarapacho-Fuseta. Ainda ninguém me explicou porque só neste local a palavra Fuzeta surge com “s”. Após tantos anos, parece-me que às pessoas tanto se lhes dá. Sendo ainda por cima um território adversário, será que é imposição de Moncarapacho? “Aceitamos contrariados a junção do nome Fuzeta, mas fica em grafia incorrecta para demonstrar o nosso desagrado”. Digo eu. Que há coisas que nunca se dizem.
O meu pai prende a mula à argola postada na parede da estação para o efeito, e a família apeia-se arrastadamente, a mãe lacrimejando, o pai com expressão solene e o filho com a vocação determinada no olhar.
Passam cinco minutos das onze da noite quando a máquina a vapor entra imponente na estação a arrastar as rodas de ferro que guincham intensamente uma dor de tortura.
Vou acenando um adeus às silhuetas paternas diluídas pelo fumo da locomotiva e pela penumbra da noite mal iluminada. O intenso cheiro a carvão abafa a brisa marítima que diariamente me entra pelas narinas ao passar junto dos locais que são meus, conquistados numa infância bronzeada de ria e mar. Só nos curtos períodos de férias voltaria aos jogos de futebol nos campos deixados livres pelas marés mortas, à pesca aos robalinhos, à descoberta dos ninhos escondidos nos sapais, a tantas brincadeiras intervaladas com refrescantes mergulhos na ria Formosa.
O “Correio”- assim se chamava o ronceiro comboio - deambularia toda a noite pelo Algarve e Alentejo, acorrendo a todas as estações e apeadeiros na missão de recolha de correspondência e encomendas.
A maioria dos passageiros era constituída por militares. Comportavam-se como se estivessem em território conquistado, livres das regras militares e das normas sociais que na família e na comunidade não podem ser infringidas. Não deixava de os intrigar a presença dum “estorninho” de negro vestido aos dez anos de idade. As perguntas sucediam-se mas não dissipavam a estranheza. Daí não ser de todo surpreendente, que no sono do “objecto estranho” surgissem tropelias como derramar-lhe aguardente pela goelas abaixo, aproveitando o facto de o desvio do ceptro nasal o obrigar a respirar pela boca. De imediato surgiam muitas vozes a reclamar contra a malvadez. Mas o mal estava feito, não obstante o “estorninho” conseguir sair da aflição embora a custo de muitas lágrimas e cuspidelas envoltas em ataques de tosse.
Porquê encadernar assim um gaiato para uma viajem de cerca de 500 quilómetros em transportes públicos? Para ser posto à prova? Para dar testemunho da sua vocação?
Quando os primeiros alvores da madrugada começavam a apontar no horizonte, o casario do Barreiro envolvia a carruagem e prestes o comboio se deteria a suar e a resfolegar, fumegando de cabo a raso como um cavalo cansado. Seriam seis da manhã, mais coisa menos coisa, porque na época os horários eram vagamente indicativos.
Era a altura de arrastar a pesada mala até barco que fazia a travessia do Tejo. Num quadro impressionista começavam divisar-se progressivamente as formas, as cores e os pormenores da cidade à medida que em sintonia a luz da manhã e a aproximação de Lisboa cresciam. O mar estendia o seu braço pelo estuário do Tejo acariciando-me com a brisa fresca num derradeiro adeus.
Chegado à estação Sul-Sueste bem junto à Praça do Comércio, não havia permissão para me demorar a olhar o Cais das Colunas ou verificar qual era a pata direita da frente do cavalo de D. José. Tinha que me pôr de imediato a caminho, carregando a mala do enxoval até S. Apolónia. O enxoval do pobre era ainda assim desproporcionado no peso para as forças duma criança. Aquela milha representava uma maratona, porque chegava tão exausto como um atleta. A distância não me cansaria, não fora o carrego da mala e das preocupações que os adultos me impunham: “não fales com ninguém”, “não aceites boleia de ninguém”, “ não compres nada a ninguém”, “não vás para casa de ninguém”, “não pares no caminho”, “não abandones a mala nem por um segundo”, não assim, não assado.
Que alívio quando me sentava no banco de segunda classe do comboio para o norte. È bem verdade que para norte é que é o caminho. Para lá me guiava não a estrela, mas o facho do cão de S. Domingos. Seriam mais algumas horas, até ouvir o grito “Caxarias”, que tinha a função de despertador e de anúncio publicitário duma terra por descobrir.
E se o comboio chegou atrasado? E se os do norte já tivessem chegado todos e a carrinha “Pão de forma “ tivesse abalado com a carga completa?
Menino só tens uma solução. Pensões, não há em Caxarias. E se as houvera não terias como pagar. Portanto, mais uma vez carrega a mala do enxoval e põe-te a caminho. Recordo-me de uma única vez em que isso me sucedeu. Não sei ainda hoje quantos quilómetros distam de Caxarias a Aldeia Nova, nem quanto tempo demorei. Sei que cheguei ao destino. Mas podia ter ficado pelo caminho, morto de susto. Porquê? perguntais.
Um dia vos contarei.
Armando José
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
MEMÓRIAS À VOLTA DE UMA FOTO OU ENGROSSANDO OS LAÇOS QUE CRIÁMOS.
Obrigado ao Toninho por ter desencantado esta foto. Recordo-me. Fomos para uma visita de estudo com quintanistas de Aldeia Nova. Tenho momentos bem claros de pormenores da viagem e lapsos de memória relativamente a boa parte dela. Um dos que me recordo foi deste que a fotografia se encarrega de avivar. Uma grande névoa sobre todo o resto do percurso, até à volta, perto de Vila Franca de Xira onde a carrinha começou a falhar. Teve tempo de chegar à oficina. E o diagnóstico, rude, definitivo: motor gripado. O que implica que não anda mais até adequada reparação. Novo lapso: não faço ideia como viemos parar a Aldeia Nova. Só me recordo de voltar a buscá-la, uma semana depois. Não levava dinheiro. Porquê? (lapso). No entanto autorizaram-me o levantamento do material. Era nos tempos em que palavra de frade valia. Mandei cheque depois, fazendo jus à confiança. No regresso, já noite, por alturas do Cartaxo, um pouco antes, a Volkswagen voltou a emburrar. Consegui sair da estrada para debaixo de umas árvores e fiz algumas tentativas para levar o combustível ao carburador. Nada. Resolvi então ir à procura de uma pensão para passar a noite, sem êxito. Voltei e dormi na ampla carrinha (para que precisava, afinal, de mais) coberto por uma saca e só no outro dia percebi que dormira num acampamento de ciganos quando acordei rodeado deles, curiosos. Mais do que curiosos, exigentes. Queriam alguma coisa em paga da sua honestidade: “bem vê, podíamos tê-lo assaltado”. Não assaltaram. E também nada levaram porque um teso não tem nada para assaltar nem para dar. Milagre! Consegui, ao primeiro movimento de chave, uma resposta positiva do motor o que me pôs a salvo da constrangedora situação.
Prosseguindo a viagem dei boleia a um agente da PSP, devidamente fardado. Sublinho o pormenor porque era assim que, também nós, conseguíamos boleia: fardados.
Cheguei a tempo de cumprir as funções litúrgicas que me estavam destinadas na celebração do padroeiro do Olival. (Toninho, tens fotos?)
À distância, encontro explicações para o motor gripado. Em primeiro lugar negligência na verificação atempada dos níveis do óleo, certamente. Aconteceu-me isso mais do que uma vez para desmerecimento da minha fama de bom chauffeur. Olhando para a fotografia tenho a adicionar a esta razão o número de passageiros. Dez à vista e um fotógrafo; mais o almoço, pois não fomos, seguramente, a nenhum restaurante. Tudo isto fazia carga a mais para o esforço a que as serras nos obrigavam no caminho de Sintra, por onde passámos à ida.
PS pró Toninho: Não queres identificar as caras? Reconheço-as mas não consigo dar-lhes nomes.
Um abraço a todos
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
Parabéns
sábado, 29 de novembro de 2008
JAIME CARVALHO COELHO -28 de Novembro - PARABÉNS!
JM
Nota do Editor: As minhas desculpas, primeiro ao Jaime e depois ao Moreno que me deu notícia atempada do aniversário deste Velho Companheiro! A culpa foi minha, o descuido foi meu e por isso aqui estou a emendar a mão. Com um dia de atraso, quero deixar um abraço de parabéns ao Jaime Coelho, esperando me releve esta falha.
Nelson Veiga
quarta-feira, 19 de novembro de 2008
A VIDA QUE CONTINUA...
Pois aqui está a minha vida.
Pronta para ser usada.
Vida que não se guarda
Nem se esquiva, assustada,
Vida sempre a serviço
da vida.
Para servir ao que vale
a pena e preço do amor.
Aqui tenho a minha vida :
feita à imagem do menino
que continua varando
os campos gerais
e que reparte o seu canto
como o seu avô
repartia o cacau
e fazia da colheita
uma ilha de bom socorro.
terça-feira, 18 de novembro de 2008
MANUEL NEVES DE CARVALHO -19 DE NOVEMBRO- PARABÉNS
Naquele tempo era o mais novo do ano. Quando chegava ao órgão ou piano, já estavam ocupados. O gosto e a prática foram desenvolvendo com o decorrer dos anos. Continua a sua criatividade e animação no campo da música e... tem seguidores.
A engenharia civil foi o seu ganha-pão.
O coração levou-o até Amares.
Votos de que continues com esse espírito de cidadania e de solidariedade
JM
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
OLIVAL A TERRA E O POVO
Obra editada em 2006 por David Simões Rodrigues
(Edição da C.M. Ourém - Gráfica Feirense , S.A.)
Aqui dou notícia da obra editada por um ilustre originário de Caxarias que recentemente me chegou às mãos.
Caxarias, se bem se lembram, era aquela terra onde o comboio nos despejava três vezes por ano, de mala aviada, no fim das férias do Natal, da Páscoa e depois do Verão, esgotadas as férias grandes. Ocorrem-me logo as partidas de matraquilhos no café em frente da estação e, quando chegávamos muitos no mesmo dia e hora, a longa caminhada desde a estação de Caxarias até Aldeia Nova… A carrinha ia atestada de malas e malotes e não chegava para tudo. Depois de carreadas as bagagens, lá se seguia a recolha das formigas no carreiro e lá fazíamos os últimos quilómetros de estrada no conforto da dita carrinha.
Voltando à obra ( de 864 páginas): ali se mencionam praticamente todas as pessoas da freguesia e se faz a história de “ Olival A Terra e o Povo” desde há uns séculos, passando pela boa gente até aos que se distinguiram como “ladrões e assassinos” que também tiveram direito a capítulo.
Ali encontrarão interessantes referências escritas e mesmo imagens de Dominicanos, da Casa da Criança Abandonada (anterior Seminário), da Capela antiga e da Capela de S. Domingos de Aldeia Nova , a dos Dominicanos, cuja construção foi iniciada em 04.06.1966 e inaugurada em 03 de Abril de 1967, tendo como “dinamizador” o P. João Domingos. O adjectivo é do autor e está mais ajustado do que ele próprio possa imaginar, pois se havia coisas que se pudessem chamar ao P. João Domingos, uma delas seria efectivamente “dinamizador” (também lhe chamávamos entre nós “Xerife” … – lembram-se? - mas esta já era uma alcunha que traduzia a notória autoridade que lhe reconhecíamos, pela estatura, não apenas física, pelo andar a compasso de tacão que nos permitia distinguir a sua aproximação pelos sobrados da casa fora, etc.
Falando do meu tempo, a nossa formação e rigor ficou a dever muito à forma de estar e clarividência deste Frei “Dinamizador”.
Voltando ao livro, também muito se fala ali do P. Alberto Ribeiro de Carvalho e da sua obra, nomeadamente em prole de algumas paróquias e da Casa da Criança.
Por curiosidade e para utilidade cultural dos fracos latinistas, como eu, ali se explica a génese da palavra freguesia:
“filii ecclesiae” , “filegresia”, “flegresia” – freguesia.
Faz ainda parte da obra uma interessante referência a “Expostos e a Roda”. A Roda foi oficializada em 24 de Maio de 1783, no reinado de D. Maria I, pelo Intendente-Geral da Polícia, Pina Manique, com o “objectivo de pôr cobro ao infame comércio de engeitados” .
Estando alguns anos da nossa vida ligados ao Olival, à sua Terra e seu Povo, aqui fica a chamada de atenção para esta iniciativa.
(Lisboa, 14.11.2008)
Antero Monteiro
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
DIÁRIO - José Carlos Amado Santos
15 de Novembro de 1972
-Maldita sorte!Acabei de jogar mesm agora à bola e perdi 4 a 2.
17 de Novembro
Hoje fui chamado a história e não tive nenhuma sorte!Embora eu tivesse respondido a quase todas as perguntas o professor deu-me um A(9).Como os professores às vezes são injustos!Estive a falar com o senhor padre Gil sobre os meus problemas de vida sexual e sobre o meu comportamento. Acho que ele não sabe explicar bem essas coisas. Hoje não houve ginástica por causa do tempo estar um pouco mau.
18 Novembro
Hoje joguei à bola e ganhei 2 pontos.O ponto de latim era para ser hoje mas o professor ,não sei porque motivo ,mudou-o para sábado que vem.
19 Novembro
Hoje não tomei o pequeno almoço porque fiquei mais tempo na cama que era costume.Esta é a minha semana de servir à mesa.O seminário foi jogar com a Urqueira perdeu 9 a 1.
20 de Novembro
Tivemos de ir fazer ginástica para o Telheiro porque estava a chover e não podiamos fazer na rua.Na aula de português eu estava com um medo terrivel de ser chamado.Felizmente não fui chamado. Vimos na televisão,isto é ,aqueles que têm mais de quatorze anos ,um filme policial.
21 de Novembro
Hoje os do quarto ano (actual 2º ano liceal )tiveram um ponto de fisica.Ainda não fui chamado a português ,mas espero ser chamado muito em breve.
23 de Novembro
Estou a escrever no estudo da tarde e o Frei José João é que está a vigiar o 1º e 2º anos. O Paulo Borges ia-me apanhando a escrever o meu diário. Não lhe faltava mais nada ter de saber o que eu faço. Tive de parar de escrever o diário 3 ou mais vezes porque o Gabriel passou agora ao lado da minha carteira. O seminário anda em reparações.
27 de Novembro de 1972
Já há vários dias que não escrevo o meu diário porque tenho muito que estudar. Hoje recebi a prova escrita de matemática. Joguei à bola com a linha B empatámos 1 a 1. Tive uma dor de barriga antes da aula de português, pensava que ia ser chamado mas afinal ainda não fui chamado. Hoje ainda vou ver televisão 30 de Novembro Hoje Houve passeio. Levamos a merenda e fomos para o lado de Espite. Não gostei muito do passeio, quando paramos eu fui ler até ao lanche depois viemos para o seminário e eu tomei o banho habitual. Hoje a professora de Francês não veio e nós não tivemos francês. Amanhã há um passeio até Vila Nova de Ourém.
1 de Dezembro de 1972 ,sexta-feira
Hoje todos os do seminário fizeram um passeio até ao castelo de Vila Nova de OUrém. Partimos do seminário às 10 horas e chegamos às 11 h e 30m. Andei a ver o castelo embora tenha pouco para ver. O castelo de Vila Nova de Ourém está muito estragado, a muralha principal está toda arrasada. Almoçamos no castelo e passado algum tempo voltamos para o seminário. Eu vim com o Salzedas e o que me valeu foi que eu apanhei uma boleia porque eu já ia com os pés cansados e doiam-me muito.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
O BOM PAPA JOÃO XXIII
Passaram 50 anos da eleição de João XXIII .
João Paulo II chamou-lhe: “O bem aventurado”.
Aquele que ficou conhecido como o “Bom Papa João”, no curto período como Papa, tocou os corações dos homens de todas as raças e credos.
Inaugurou um tempo de abertura da Igreja ao mundo. Trouxe um estilo segundo o qual a Igreja devia estimular no mundo as dinâmicas próprias de libertação e de emancipação e não julgá-lo.
“È a memória dum tempo em que catolicismo não rimou com conservadorismo”. (José Manuel Pureza)
Quis uma Igreja que abraçasse o povo e não lhe virasse as costas. Isto percebe-se desde gestos simples como as reformas litúrgicas, até ao discurso público.
A ele se deve a abertura do Concílio Vaticano II, o momento mais relevante do cristianismo no Séc. XX.
Escreve importantes encíclicas, entre elas Mater et Magistra (1961), na qual realça a importância do respeito à dignidade do indivíduo como base das instituições sociais; e Pacem in Terris (1963), em que pede a cooperação internacional para a paz e a justiça.
Inaugurou um estilo de escrita dirigida não apenas aos católicos mas para todos os homens de boa vontade. Insistiu sempre numa Igreja que abraçasse os homens num ambiente de grande confiança. Era contra os profetas da desgraça.
Foi o primeiro a fazer as pontes culturais entre o Oriente e o Ocidente. Tinha a percepção do que estava a mudar.
“Entendia a Igreja mais como uma comunidade humilde do que uma estrutura impositiva duma ordem de valores”. (José Manuel Pureza)
Foi um tempo de primavera na Igreja.
Daí para cá temos tido um Inverno em que não se avançou no caminho da abertura apontado por João XXIII
Faz muita falta o sorriso de João XXIII.
A. Alexandrino
sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Saudade: o Bilhete de Identidade do Povo Português? Por Julie Champagne
Meus caros amigos,
Ao preparar uma série de emissões sobre a saudade, para a “Radio Altitude”, radio portuguesa baseada em Clermont ferrand, deparei com este texto, magnífico, que eu gostaria de ter escrito pois corresponde a tudo o que eu penso, viví e ainda sinto... Até mesmo a descrição da cidade de Essaouira, que os marroquinos apelidam de “o porto português, (onde passei férias há um mês) corresponde ao que vivi e ressenti. Um muito obrigado a Julie Champagne. O nome é muito lindo e bem françês, mas só alguém com uma alma portuguesa pode escrever de forma tão justa e com tanto sentimento, sobre a saudade. É com a devida vénia e agradecimentos que transcrevemos este texto no nosso blog. Fernando.
Quando ouvem a palavra saudade são muitos os que pensam: - Ah sim, a saudade, a palavra que não se pode traduzir e que identifica os portugueses. Mas a saudade não é uma palavra, não é o bilhete de identidade dos portugueses; a saudade não se pode perceber nem definir, mas apenas viver, experienciar. A saudade expressa-se em sentimentos, música, poemas, cantos mas, certamente, não é com palavras que a podemos traduzir. Antes de ser pensada a suadade foi cantada considera Eduardo Lourenço no seu Labirinto da Saudade.
São tantos os que já procuraram definir a saudade como tantas são as hipóteses que colocaram para descrevê-la, mas a melhor maneira de compreendê-la é ir a Portugal, misturar-se com os portugueses e mergulhar na cultura lusitana.
Tal como o filho que apresenta, simultaneamente, características da mãe e do pai, assim a saudade é, igualmente, uma mistura de muitos sentimentos: melancolia, nostalgia, monotonia, tédio, esperança, desespero, tristeza, conforto, etc. Alegrar-se de sofrer, sofrer por se sentir alegre…
O conceito de saudade tem o seu locus nascendi algures em Marrocos, onde Dom Sebastião morreu mas ninguém pôde testemunhar a sua morte. Assim começou o movimento, quase seita, do sebastianismo, na qual os discípulos crêem que Dom Sebastião não morreu na batalha e que voltará num dia de nevoeiro, para que reine de novo a glória e a força do Portugal das Descobertas. Por isso, a saudade portuguesa exprime, entre outras coisas, o passado que foi e o futuro que nunca será. Um grande paradoxo que vivem os portugueses face às esperanças que têm no futuro de Portugal. Sonham com um destino maravilhoso, idêntico à época das Descobertas e, ao mesmo tempo, não fazem nada e não esperam nada porque não crêem que Portugal possa brilhar de novo. Em vez de baixar as expectativas que têm para o seu país, os portugueses preferem viver no passado e deixar passar o presente. Trata-se de um passado futuro! Escutemos Álvaro de Campos na sua Tabacaria: Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
A saudade que sentem os portugueses pode eventualmente ser explicada geograficamente. Com efeito, Portugal é um país pequeno cercado pelo mar, quase como uma ilha, que predispõe os seus habitantes a deixarem o continente. Não é por isso, supreendente a vontade que os portugueses têm em se virarem para o mundo, lançando-se ao mar. Os portugueses não gostam de limites
e, por isso, evitam-nos. Os portugueses gostam de desafios; ficam tristes quando falham, mas ficariam ainda mais tristes se não tivessem tentado. As descobertas portugueses situam-se, algures, no passado porque as colónias já o foram. De todo o lado onde os portugueses chegaram, deixam e trazem lembranças da sua passagem. Da arquitectura à língua, de Marrocos à China, passando pela Índia, Japão e Timor.
Por exemplo, quando fui a Morrocos, visitei a cidade de Essa ouira (antiga Mogador), uma pequena cidade portuária, que, pela sua situação geográfica foi acossada por muitos visitantes indesejados. Mas a influência mais marcante que nela se inscreve é a que os portugueses deixaram. Muitos edifícios da cidade apresentam uma arquitectura bem portuguesa, sobre tudo a fortaleza.
E os portugueses mobilizaram o recurso mais poderoso para as descobertas : o mar! Foi com o mar que chegaram até mundos desconhecidos e também foi o mar que definiu o reino do Portugal das Descobertas. Por isso, Portugal foi cobiçado mais de uma vez pelos seus vizinhos e saudosos inimigos de estimação. O mar também foi, e ainda é, indispensável à alimentação e prosperidade dos portugueses. No entanto, os portugueses não conseguem pensar o mar sem saudade, porque o mar venturoso também matou muitos deles: exploradores, navegadores, pescadores, homens, mulheres, crianças, esposos, esposas, filhos, filhas, mães, pais, avôs, avós, irmãos, irmãs, tios, tias, primos, primas, amigos, amigas, etc. O mar conferiu -e confere ainda - poder aos portugueses mas também lhes mostra, às vezes, que é maior do que eles. Esta dura lição de humildade, esta impotência, esta imprevisibilidade e este paradoxo do mar são componentes do grande sentimento da saudade.
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa
Que fôsse misteriosamente minha.
-Álvaro de Campos (Ode Marítima)
A saudade também influenciou muito a cultura portuguesa inspirando autores, pintores e músicos. A saudade lê-se, vê-se e ouve-se. O Fado representa o melhor exemplo da influência da saudade no mundo da música, sobretudo quando cantado pela voz fabulosa e autêntica da Amália Rodrigues. Esta combinação única e mágica de cantos e de guitarra portuguesa conquistou amadores de música em todo o planeta, como os grandes exploradores portugueses conquistaram o mar. Raras são as pessoas que escapam às emoções quando ouvem o fado. A intensidade dos sentimentos e a concentração da saudade, presentes na língua internacional
da música, comovem o público e também nós podemos viver a saudade nem que seja apenas por um instante.
Eu só entendo o fado
pla gente amargurada à noite a soluçar baixinho
que chega ao coração num tom magoado
tão frio como as neves do caminho
que chora uma saudade ou canta ansiedade
de quem tem por amor chorado
dirão que isto é fatal, é natural
mas é lisboeta
e isto é que é o fado
- Amália Rodrigues
(Fado Lisboeta)
Na literatura, podem-se encontrar muitos autores inspirados na saudade. Os seus textos transpiram uma saudade tangível, como o cheiro a peixe nos portos de Portugal. Encontramos esta atmosfera da saudade, de cortar à faca, na poesia de Fernando Pessoa e dos seus heterónimos, especialmente
Só o mar das outras terras é que é belo.
Aquele que nós vemos dá-nos sempre saudades daquele que não veremos nunca...- Fernando Pessoa (O Marinheiro)
Luís de Camões é outro grande poeta português que canta a saudade. A sua obra memorável é uma epopeia moderna sobre as Grandes Explorações e Descobertas dos Portugueses. Os dez cantos d'Os Lusíadas - Lusíadas vem do povo lusitano, os antepassados dos portugueses - não falam somente das aventuras e dos eventos históricos que rodeiam as explorações e as descobertas, mas também falam dos sentimentos e da personalidade dos exploradores. Camões dá uma alma a esta narração que revive debaixo da sua pena com tinta de mar.
E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Luís de Camões (Os Lusíadas, Canto I)
Há que referir ainda que a paixão dos portugueses por tudo o que fazem, por tudo o que vivem também faz parte da saudade. Têm uma paixão pela vida, pelo mar, pela música, pela boa comida e bom vinho, pela língua portuguesa, etc. E também vivem o amor com paixão. Desejos impossíveis, desejos que insuflam a vida nos apaixonados. Os desejos satisfeitos cortam o prazer de sofrer, de ser privado. Um bom exemplo disso é o suicídio de Mário de Sá-Carneiro quando se apercebeu que a mulher que cobiçava, apesar de prostituta, também o amava!
Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Mário de Sá-Carneiro (Como eu não possuo)
Por outro lado, é também significativa a paixão dos portugueses pela pátria. Muitos, vivem, agora, noutros países, mas ninguém deixou Portugal porque não gostava da cultura ou do país. Alguns deixaram Portugal com a esperança de uma vida melhor, para si e para os filhos. Mas, sobretudo, os portugueses saiam de Portugal para ter a oportunidade de ter saudades da pátria e da cultura lusitana! Para eles, ter saudades é um prazer e este prazer quase sádico representa um outro paradoxo do povo português. Todos os portugueses que encontrei no Quebeque têm orgulho em ser portugueses e não renegam as raízes portugueses. Pelo contrário, querem que os filhos nascidos fora de Portugal, falem Português e conheçam a cultura e a história dos seus antepassados. E, por isso, acho que a cultura portuguesa será sempre bem viva e bem conhecida.
Amor da Pátria
Vereis amor da pátria, não movido
De prêmio vil, mas alto e quase eterno:
Que não é prêmio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
Ouvi: vereis o nome engrandecido
Daqueles de quem sois senhor supremo,
E julgareis qual é mais excelente,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
Luís de Camões (Os Lusíadas, Canto I)
Há que acrescentar ainda: os portugueses são patriotas mas também muito pacifistas (brandos costumes oblige). Gostam das cultura portuguesa e querem que seja conhecida em todo o lado, mas não a impões, defendem ou promovem, como outros povos que conhecemos muito bem. Não querem converter todos em portugueses, mas apenas difundir a cultura e a língua portuguesa através do mundo.
Em conclusão, os portugueses não têm a tecnologia dos japoneses, a população dos chineses, o rigor dos alemães, a pontualidade dos suíços, a siesta dos espanhois, os queijos dos franceses, o Vaticano dos italianos, a estupidez dos americanos (graças a Deus!), mas têm a saudade. A bem dizer, não têm a saudade mas são a saudade: na cultura, na língua, na cozinha, na música, na literatura, no coração, na alma. E para todo o lado para onde vão, trazem com eles esta saudade e transmitem o amor de Portugal aos que encontram no caminho.
Para acabar, deixo aqui um poema meu, cuja inspiração me foi aparecendo, no decorrer da realização deste trabalho sobre a saudade. É a minha interpretação desse sentimento bem português, que apenas a arte pode expressar convenientemente...
Saudade
Uma lágrima de tinta
Que toca uma guitarra
Uma lágrima de tristeza
Uma lágrima de alegria
Uma lágrima de melancolia
Uma lágrima de euforia :
Uma melodia única
Salgada como o mar
Que faz voltar os navios
Como os corações vazios
Fado tinto de azul
Como os olhos da musa
Uma melodia única
Um sentimento português
Uma identidade sem idade
A saudade sem idade
Referências :
LOURENÇO Eduardo (1997), Mythologie de
DE CAMPOS Álvaro (1997), Ode Marítima; Ode Triunfal; Opiário; Tabacaria. Lisboa, Contexto, 74p., ISBN 972-26-1364-2
PESSOA Fernando (1952), Poemas Dramáticos. Colecção poesia, Edições Ática.
DE CAMÕES Luís (1572), Os Lusíadas. Edição do Instituto Camões, www.instituto-camoes.pt/
DE SÁ-CARNEIRO Mário (1914) Dispersão. Lisboa
Fr. Marcos - 29 de Outubro - Parabéns!...
Nelson
terça-feira, 28 de outubro de 2008
História sempre actual - "Criar Laços"
Ao tentar encontrar o nosso blog através do Google, para o enquadrar nos favoritos, fui parar a um texto com o título “Criar laços” retirado de “O Principezinho”.
Muitos de nós já terão lido este texto. Mas a sua apreciação fora do contexto, impressionante pela sua acuidade , leva-me a deixar aqui esta transcrição, com a devida vénia e consideração pelo autor e por quem antes de mim o retirou do mesmo livro. Releiam os que leram, leiam aos filhos ou aos netos, pois parece-me que vale a pena :
“ Foi então que apareceu a raposa.
- Olá, bom dia! - disse a raposa.
- Olá, bom dia! - respondeu delicadamente o principezinho que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui - disse a voz - debaixo da macieira.
- Quem és tu? - perguntou o principezinho. - És bem bonita...
- Sou uma raposa - disse a raposa.
- Anda brincar comigo - pediu-lhe o principezinho. - Estou triste...
- Não posso ir brincar contigo - disse a raposa. - Não estou presa...
- AH! Então, desculpa! - disse o principezinho.
Mas pôs-se a pensar, a pensar, e acabou por perguntar:
- O que é que "estar preso" quer dizer?
- Vê-se logo que não és de cá - disse a raposa. - De que é que tu andas à procura?
- Ando à procura dos homens - disse o principezinho. - O que é que "estar preso" quer dizer?
- Os homens têm espingardas e passam o tempo a caçar - disse a raposa. - É uma grande maçada! E também fazem criação de galinhas! Aliás, na minha opinião, é a única coisa interessante que eles têm. Andas à procura de galinhas?
- Não - disse o principezinho. Ando à procura de amigos. O que é que "estar preso" quer dizer?
- É a única coisa que toda a gente se esqueceu - disse a raposa. - Quer dizer que se está ligado a alguém, que se criaram laços com alguém.
- Laços?
- Sim, laços - disse a raposa. - Ora vê: por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me prenderes a ti, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo...
- Parece-me que estou a começar a perceber - disse o principezinho. - Sabes, há uma certa flor...tenho a impressão que estou presa a ela...
- É bem possivel - disse a raposa. - Vê-se cada coisa cá na Terra...
- OH! Mas não é da Terra! - disse o principezinho.
A raposa pareceu ficar muito intrigada.
- Então, é noutro planeta?
- É.
- E nesse tal planeta há caçadores?
- Não.
- Começo a achar-lhe alguma graça...E galinhas?
- Não.
- Não há bela sem senão...- disse a raposa.
Mas a raposa voltou a insistir na sua ideia:
- Tenho uma vida terrivelmente monótona. Eu, caço galinhas e os homens, caçam-me a mim. As galinhas são todas iguais umas às outras e os homens são todos iguais uns aos outros. Por isso, às vezes, aborreço-me um bocado. Mas, se tu me prenderes a ti, a minha vida fica cheia de sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música. E depois, olha! Estás a ver, ali adiante, aqueles campos de trigo? Eu não como pão e, por isso, o trigo não me serve de nada. Os campos de trigo não me fazem lembrar de nada. E é uma triste coisa! Mas os teus cabelos são da cor do ouro. Então, quando eu estiver presa a ti, vai ser maravilhoso! Como o trigo é dourado, há-de fazer-me lembrar de ti. E hei-de gostar do barulho do vento a bater no trigo...
A raposa calou-se e ficou a olhar durante muito tempo para o principezinho.
- Por favor...Prende-me a ti! - acabou finalmente por dizer.
- Eu bem gostava - respondeu o principezinho - mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e uma data de coisas para conhecer...
- Só conhecemos as coisas que prendemos a nós - disse a raposa. - Os homens, agora, já não têm tempo para conhecer nada. Compram as coisas já feitas nos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, prende-me a ti!
- E o que é que é preciso fazer? - perguntou o principezinho.
- É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não me dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...
O principezinho voltou no dia seguinte.
- Era melhor teres vindo à mesma hora - disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas, às três, já eu começo a ser feliz. E quanto mais perto for da hora, mais feliz me sentirei. Às quatro em ponto já hei-de estar toda agitada e inquieta: é o preço da felicidade! Mas se chegares a uma hora qualquer, eu nunca saberei a que horas é que hei-de começar a arranjar o meu coração, a vesti-lo, a pô-lo bonito...São precisos rituais.
- O que é um ritual? - perguntou o principezinho.
- Também é uma coisa de que toda a gente se esqueceu - respondeu a raposa. - É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias e uma hora, diferente das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, têm um ritual, à quinta-feira, vão ao baile com as raparigas da aldeia. Assim, a quinta-feira é um dia maravilhoso. Eu posso ir passear para as vinhas. Se os caçadores fossem ao baile num dia qualquer, os dias eram todos iguais uns aos outros e eu nunca tinha férias.
Foi assim que o principezinho prendeu a raposa. E quando chegou a hora da despedida:
- Ai! - exclamou a raposa - ai que me vou pôr a chorar...
- A culpa é tua - disse o principezinho.- Eu bem não queria que te acontecesse mal nenhum, mas tu quiseste que eu te prendesse a mim...
- Pois quis - disse a raposa.
- Mas agora vais-te pôr a chorar! - disse o principezinho.
- Pois vou - disse a raposa.
- Então não ganhaste nada com isso!
- Ai isso é que ganhei! - disse a raposa. - Por causa da cor do trigo...
Depois acrescentou:
- Anda, vai ver outra vez as rosas. Vais perceber que a tua é única no mundo. Quando vieres ter comigo, dou-te um presente de despedida: conto-te um segredo.
O principezinho lá foi ver as rosas outra vez.
- Vocês não são nada parecidas com a minha rosa! Vocês ainda não são nada - disse-lhes ele. - Não há ninguém preso a vocês e vocês não estão presas a ninguém. Vocês são como a minha raposa era. Era uma raposa perfeitamente igual a outras cem mil raposas. Mas eu tornei-a minha amiga e, agora, ela é única no mundo.
E as rosas ficaram bastante incomodadas.
- Vocês são bonitas, mas vazias - ainda lhes disse o principezinho. - Não se pode morrer por vocês. Claro que, para um transeunte qualquer, a minha rosa é perfeitamente igual a vocês. Mas, sózinha, vale mais do que vocês todas juntas, porque foi a que eu reguei. Porque foi a ela que eu pus debaixo de uma redoma. Porque foi ela que eu abriguei com o biombo.. Porque foi a ela que eu matei as lagartas (menos duas ou três, por causa das borboletas). Porque foi a ela que eu vi queixar-se, gabar-se e até, às vezes, calar-se. Porque ela é a minha rosa.
E então voltou para o pé da raposa e disse:
- Adeus...
- Adeus - disse a raposa. Vou-te contar o tal segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos...
- O essencial é invisível para os olhos - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Foi o tempo que tu perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.
- Os homens já se esqueceram desta verdade - disse a raposa. - Mas tu não te deves esquecer dela. Ficas responsável para todo o sempre por aquilo que está preso a ti. Tu és responsável pela tua rosa...
- Sou responsável pela minha rosa... - repetiu o principezinho, para nunca mais se esquecer.”
Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho
Espero que relembrem com bom gosto esta passagem e quem sabe o restante livro.
Criemos laços.
2008-10-28.
Antero Monteiro
domingo, 26 de outubro de 2008
"HÁ HÓSTIAS E VINHO DE MISSA"
A paciência da justiça tinha enchido o seu cálice. A plateia bebia todas as definições mas continuava sedenta de justiça. “Perguntado sobre o que de mais injusto lavra no país, o cidadão avulso não hesita: a Justiça”. O próprio “rafeiro” não via maneira de chegar a sua vez de roer os despojos da “costeleta” e do “entrecosto”. Promessas, só promessas, pensava ele com as suas pulgas.
Os frades anciãos mastigavam a angústia de segurar a barra mesmo sem forças, por não terem a quem passar o testemunho. Não é justo. Noutros tempos “muitos eram os chamados e poucos os escolhidos”. Hoje não há escolha possível, porque os chamados não comparecem. Este Outono de décadas suplanta sem violência, as intenções do Joaquim Augusto de Aguiar ou do Marquês de Pombal. Os próprios ex, dentro de anos não terão continuadores. Por agora, reforcem os laços horizontais, porque atrás parece que não vem ninguém. A não ser que respondam ao apelo do frei Bernardo Domingues “tragam os vossos netos para a Ordem, carago”.
Faz-se um passeio higiénico pela cidade para prolongar o parco convívio anual. Se houvera uma tasca beber-se-ia mais um copo para animar a conversa. Deambula-se por entre as lojas com montras recheadas de santinhos de confeitaria, galos de Barcelos e bandeiras do Benfica. Façam-me um favor: não lhe chamem comércio religioso. Soa a obsceno.
Vem-me ao pensamento a imagem do Cristo indignado. Aí, o Deus que viveu a humanidade, foi profundamente humano. Por uma vez “perdeu as estribeiras”, derrubando tendas e expulsando os vendilhões do Templo, a chicote.
Helas! Há imaginação por aqui. O marketing renova-se. Um cartaz contrasta com os rosas, os encarnados e os azuis celestes, dominantes. Sobre o branco da folha A4 anuncia-se em “arial black” tamanho 58: “HÁ HÓSTIAS E VINHO DE MISSA”
Ezequiel Vintém
(não confundir com Ezequiel Lucas – façam-lhe justiça)