domingo, 29 de abril de 2007

TESTEMUNHO DO 25 DE ABRIL DE 1974 - por Neves de Carvalho




Não entrei no 25 de Abril porque já tinha saído da tropa em 1 de Abril 1971; portanto ainda tivemos que sofrer mais três anos!
Mas antes de sair, estava eu no quartel da Artilharia Pesada 2 em Gaia, quando, num belo dia, o Cor. Pinto Simões ( que foi Presidente da Câmara de Gaia já em democracia) me diz: "Carvalho pegue no pelotão dos Praças, e vá tomar posições de defesa à entrada da Ponte de Arrábida; você saberá o que fazer" Eu era alferes atirador de Artilharia maS não cheguei a ir para o Ultramar, estando já nos últimos meses de serviço militar obrigatório. Como eu sabia que o Cor. Pinto Simões ( morreu há uns anos ) era do contra, pois, nas eleições em 1969, estávamos os dois em Espinho, ele major como 2º Comandante, e eu como alferes, me dizia a mim e a outros camaradas, como o Romero de Magalhães, Barbosa da Costa... "eh pá, vão votar, pois é uma obrigação de cidadania". E ele dizia isso com uma certa cumplicidade, pois se percebia bem que ele era contra a "situação", embora não se pudesse falar abertamente por haver, no quartel, gente que, como o Ten Esteves, lateiro, estava do lado da dita... Fui então para a Ponte da Arrábida e tomei posições com os soldados por mim comandados. Ali passei uma boa parte do dia à espera do que pudesse acontecer, concluindo no final que se tratava dum exercício militar como qualquer outro. Mas também admiti que, vindo de quem vinha a ordem de defender a ponte, havia naquilo um significado que já prenunciava um movimento que mais tarde acabou por vir à luz do dia.
Nesse belo dia 25 de Abril era o Cor. Pinto Simões Comandante da Pesada 2 e o Delegado do MFA no Norte. Logo a seguir fui ter com ele ao quartel, dei-lhe um abraço e ofereci-me para ajudar no que ele entendesse. Disse-me que não era preciso nada, a não ser vigilância activa. Como trabalhava na Refinaria da Sacor, em Leça da Palmeira, foi preciso realmente fazer vigilância pois se tratava de um complexo industrial estratégico para o País.Quanto ao dia 25 de Abril, foi uma beleza! Saí nesse dia às 5 da manhã da Refinaria, pois estive a trabalhar de noite. Já fora da cerca da Refinaria ouvi um mecânico dizer: "eh pá, há qualquer coisa em Lisboa com a tropa; estão a emitir comunicados e música". Fui para casa e, ao deitar-me, disse para minha mulher, jovem médica e grávida da minha filha, que nesse dia estava de urgência no Hospital de S.João: "vê o que se passa, pois em Lisboa há restolho com os militares". Quando ela chegou por volta do meio dia, para o almoço, e me contou, acordando-me, o que se passava, saltei da cama, arranjei-me rápidamente, almocei e fui para a Baixa do Porto. Nos Aliados vi a carrinha da Polícia do Santos Júnior ser apedrejada com os paralelos arrancados da calçada. Um polícia ficou a sangrar, outro rapa da pistola e faz fogo que atinge um cidadão. Vem uma ambulância e leva-o para o Hospital de S. João, e sei mais tarde que minha mulher ficou aflita pois sabia que eu estava no meio dos acontecimentos. Chega entretanto um Unimog do Quartel General e um alferes a comandar uma secção de soldados, armados da célebre G3. A carrinha da Polícia debanda, sendo apedrejada pela malta, e vai a correr para o Hospital de Santo António, pois já levava alguém ferido. Ouço um berro: "agarra que é PIDE", e um gajo a correr pela Rua de Ceuta abaixo e se encafua no escritório das camionetas do Magalhães, de Braga. Entretanto, íamos acompanhando o que se passava em Lisboa pela rádio e pelas notícias no Placard do Comércio do Porto. Quando vem finalmente a boa nova de que o Marcelo se entregou no quartel do Carmo, ouviu-se um grito de Liberdade naquela Baixa do Porto, e milhares de cidadãos festejaram como loucos, com a alegria estampada no rosto. Foi um dia que virou um País, até aí amarrado, kafkiano, atrasado, e prometeu novos horizontes de Liberdade e desenvolvimento. Mas, como sempre... há os puros e os oportunistas.Apesar de tudo, dos sofrimentos que hoje muitos passam por injustiças de toda a ordem, valeu a pena!
Vale sempre a pena a Liberdade!
Neves

3 comentários:

Anónimo disse...

Com alegria partilho da tua opinião sobre o 25 de Abril. Apesar de todas as derrotas que vieram, valeu - e vale - a pena.
Mas o 25 de Abril, penso, não se fez para o que está a acontecer a este povo.
Também estive no serviço militar com o Romero de Magalhães e com o Costa ( depois autarca?).
Saúdo a tua chegada ao Blog.
Ed. Bento

Anónimo disse...

Grande amigo Neves:
Foi bom poder verificar que também estás em contacto com o blog "criar lacos". Foi a primeira vez que tive a oportunidade de “ouvir a tua vóz” neste nosso ponto de encontro. Se é, de facto, a primeira vez, sê bem vindo.
Quanto à eficiência do 25 de Abril, hemmmmm… não sei! Não concordo com tudo do que se diz sobre o 25 de Abril. Foi bom poder gritar aos quatro ventos: Somos livres!… Somos livres!… Viva a liberdade! Viva a democracia!
Muito bem. Muito bonito! Mas… será mesmo?!
Eu não estou nem nunca estive muito metido na política. Sabes… não é o meu prato” preferido. Mas, pelas memórias que tenho do pós 25 de Abril, “O Movimento” não conseguiu controlar eficazmente o “tsunami” que se seguiu.
Quando 20 anos depois fui a Portugal, fiquei absulutamente desolado com o aspecto de Lisboa.
Suja e mascarrada (talvez esta palavra nem exista)! Metia dó.
Actualmente…também… como é que vão as coisas?! Tudo são cravos encarnados? Não me parece.
Não penses que sou Salazarista. Não, não sou. Mas tenho que confessar que acredito que nem tudo, no tempo de Salazar, estava mal ou era mau. E sei que, embora não o confessem, há muita gente que pensa como eu.
Porqê?! Talvez porque sou amante da paz, da ordem e da harmonia!
Perdoa-me se não concordo 100% contigo. Porém, concordo que muita coisa mudou para muito melhor!
Um grande abraço do Ferreira.

Armando disse...

Antes de mais, congratulo-me com a entrada activa do Neves neste nosso espaço, que será aquilo que todos os ex-dominicanos queiram que seja.
Acho interessante o relato das várias vivências destes momentos importantes da nossa história, nos pontos mais diversos do país. Através deles construimos um cenário mais objectivo do facto histórico. Não teremos muitas oportunidades ao longo da nossa curta passagem, de ser testemunhas de acontecimentos tão relevantes, que ficarão inscritos na história do país. Neste contexto, o teu testemunho despoletou em mim a vontade de fazer o exercício de também eu procurar responder à já clássica questão: "Onde estavas tu no dia 25 de Abril de 1974".
Um abraço
A. Alexandrino