sexta-feira, 2 de outubro de 2009

REPORTAGEM CANHOTA DE UM ACONTECIMENTO DIGNO DE NOTÍCIA



Torres Novas, Auditório da Biblioteca Municipal no dia 26 de Setembro, pelas 16 horas: Apresentação e lançamento do livro O Nevoeiro dos Dias, de Eduardo Bento. Em subtítulo, (65 poesias). Tantas quantas as velas do seu último aniversário. Esperássemos um pouco mais e tínhamos 70. Venham mais cinco.
Apesar da discreta publicidade ao evento, dos 200 lugares disponíveis no auditório restavam apenas alguns, nas últimas filas, onde este improvisado mas pontual repórter se teve que sentar, o que diz bem de quão estimado é o EB por estas gentes de Torres Novas, a maioria dos presentes.
A mesa foi desfiando comentários e louvores à obra e ao autor lembrando que não era uma estreia, este livro, como escritor. Há precedentes com incursões pelo teatro, levado mesmo à cena em palcos portugueses e estrangeiros (Zamora). Sem falar na assídua presença no jornal local.
A personalidade de EB foi também dissecada. Salto pormenores e retenho apenas a singela afirmação de alguém que, caracterizando-o em suma, diz: “é um homem bom”. Frase banal, lugar comum, dir-se-á. Não será assim aos olhos do poeta (e nesse dia éramos todos) capaz de apreender os plurais e fundos sentidos da expressão; não será assim para quem se apercebe do intenso afecto que o tom de voz com que é dita, transmite.
Entretanto o Eduardo Bento ia ironizando, para conter a emoção.
Como luzes que se acendem e logo se escondem na noite, levantam-se e sentam-se espectadores/actores que lêem, à vez, excertos do livro, que ouvimos atentos e emocionados. Alguns, antes da leitura, não resistem a um comentário prévio explicando as razões de estarem ali: foram colegas, alunos, companheiros nas andanças culturais, etc. –Uma coisa todos têm em comum: a amizade e a admiração por EB.
Não resisto a um fait divers. Alguém teme não ser capaz de cumprir a sua parte no programa por ter esquecido os óculos mas, com ar decidido, pega no livro e declama sem hesitações, talvez dizendo já de cor, aquilo que fingia ler.

Mas ceda a magra prosa o lugar à poesia. Transcrevo, com autorização do autor, uma poesia sua. Mas antes, situemos a sua fonte de inspiração na antiga vila romana de Cardílio onde foi encontrado um mosaico que dizia, viventes Cardilium et Avitam felix turre. Não nos custa pensar que Cardílio tentou perenizar nesta inscrição o seu amor pela mulher...ou amante. Talvez as duas coisas. Ouro sobre azul.
Há consenso entre os exegetas que esta poesia, como a inscrição de Cardílio, consagra, cantando, a felicidade do seu autor com Vitória.

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Cardílio

Em breve dia aqui passei, em leve contentamento. E ouvi o vento, senti a chuva e o correr da fonte. Deixo os meus pés marcados no pó destes caminhos , por um tempo ainda regressarão rebanhos ao anoitecer. E nas longas noites frias, quando o vento se apodera do plátano, invade as frinchas da casa, acolho-me ao crepitar do lume. Amigos entretecem palavras junto à mesa e há prolongadas ceias de cânticos e de cítara.
Neste mosaico digo das vinhas, das vinhas próximas das encostas do Outono. Digo da deusa Ceres...por um tempo ainda haverá recolha de trigo, o bater do tear, o choro do moinho.
Vou por um caminho debruado de cedros, aproximo-me da tarde e do rio. Aqui breves peixes vogam no límpido silêncio.
Em tão confusos tempos aspirei a luz e deixei que me coroassem de heras e de rosas. Alegrei-me e provei do hidromel da tristeza. Ouvi os pássaros construindo manhãs. As árvores deram-me o rumor das folhas e vi como elas acolhiam as aves partindo para a noite.

Aqui com Avita vivi feliz.
Juntos soubemos resistir.
Sabíamos dos corredores sombrios à nossa espera
e foi na brevidade de tudo que fizemos a nossa eternidade.

Mas enquanto não cai a noite, a última noite, recordo o acolhimento das tuas mãos, Avita, sustendo açafates de flores e de afectos. E o teu rosto. O teu rosto... só ele dissolve o nevoeiro dos dias.
Por um tempo ainda ouvirei os teus passos, ainda teremos o último gesto. Um silencioso olhar...Depois a casa será das silvas. O pó apagará a casa. A trave do celeiro, mastro caído de um navio sem mar.
Jaime Coelho
(O Repórter)

6 comentários:

Zé Celestino disse...

Caro Jaime,

Não te desculpo esta...
Devias ter informoado o «Grupo da Adega» deste importante evento...
Quero saber onde posso encontrar o livro do Eduardo, cujo título, O Nevoeiro dos Dias, só por si, me suscita a maior curiosidade de leitura...
PARA O EDUARDO, UM FORTE ABRAÇO DE PARABÉNS, DIZENDO-LHE QUE ME SINTO
«VAIDOSO» POR TER UM AMIGO MUITO ESTIMADO NA TERRA ONDE FOI PROFESSOR,TORRES NOVAS, E ONDE AS PESSOAS O RECONHECEM COMO «HOMEM BOM»...
Para mim e para todos os que foram mais próximos do Eduardo ao longo da vida, é a confirmação das suas elevadas qualidades humanas,literárias,poéticas,de declamador e actor...

Zé Celestino

Jaime disse...

Ao Zé Celestino
Limitei-me a respeitar a vontade do Eduardo Bento. Vontade que intuí. Nunca me foi explicitada.
Modéstia, constragimento de, ao fazer o lançamento (editor oblige), parecesse querer vender o livro aos amigos? Tens que lhe perguntar a ele.Tenho a certeza que não quis desemerecer de ninguém. De resto, na minha opinião, podes até encontrar-te na poesia que transcrevi:
"Amigos entretecem palavras junto à mesa e há prolongadas ceias de cânticos e de cítara"

Jaime disse...

Ah, já me esquecia, Zé.
Livraria Ponte, Torres Novas:
www.livrariaponte.com
info@livrariaponte.com
Jaime

Anónimo disse...

Ao Celestino quero dizer que não enviei convites para este evento. Ainda esbocei uma notícia no Blog mas disse ao Nelson que isso poderia ser publicidade. Nos jornais locais sairam convites para os amigos que quisessem aparecer. A todos os presentes ofereci um livro. Cá tenho um guardado para ti.
Dos nossos estiveram presentes além do Jaime, o Fernando Vaz e o Vieira,( com as respectivas consortes) pois falou-se da coisa na nossa viagem à Croácia.
Ao Jaime digo que a amizade é sempre enternecedora e serve-se com um bom vinho de preferência à lareira.
Tenho já várias sessões de apresentação do Nevoeiro dos Dias pelo que o editor estará satisfeito.
Um dia faremos aqui em casa para os que quiserem aparecer uma sessão de poesia. Oferecerei um livro a todos.
Um abraço do
E. Bento

Antero disse...

Caro Eduardo Bento,

Considero-me um dos teus amigos mais recentes e de menos merecimento, porque nos conhecemos apenas neste ano,naquele confortante encontro de amigos,em que os dias caminhavam ainda para o verão ( também pela grande valia do convívio de amizade e pelo almoço esmifrado, claro...).
Confesso que o texto do Jaime Coelho me conquistou pelos seus dotes de repórter e especialmente pela tua poesia.
Passei desde logo a teu admirador.
É preciso ter a alma muito grande para atingir a arrasadora e profunda sensibilidade com que, em tão poucas palavras, nos fazes voar alto e a final, humanamente, nos pulverizas . Um sentimento de plenitude atravessou-me ao ler este poema, ao fim da noite, quando passei pelo blog, depois de um longo dia de trabalho.
Obrigado Jaime pela conseguida e expressiva reportagem.
Lá teremos de perdoar a malandragem da não divulgação prévia...
Um abraço

nelson disse...

A divulgação esteve prestes a acontecer, mas o nosso poeta, escritor e ensaísta, mandou suspender...