A tentativa de relatar factos, recordar nomes, datas e situações vividas há mais de 45 anos, sem qualquer suporte documental, acarreta muitos riscos. Mesmo assim vou arriscar, porque conto com a compreensão e colaboração dos meus amigos para me corrigirem e relevarem as faltas.
Simplesmente porque não gostava de deixar de dar testemunho do papel cultural e social da “Secção de cinema” que funcionou no “estudantado” de Fátima nos inícios dos anos 60 e do qual fiz parte em parceria com o Jaime Coelho e não me recordo se mais alguém. ( Seria interessante que o Jaime reportasse aqui as suas recordações sobre este tema).
Recordemos que na altura vigorava o Cânone 140 do Código de Direito Canónico (aplicado em Portugal pelo nº 31 das Constituições do Concílio Plenário Português que interdita a presença do clero nas exibições públicas de cinema, proibição justificada com o efeito de escândalo junto dos fieis!!! Esta interdição apenas foi anulada após o Concílio Vaticano II.
Também por essas datas o então padre Vieira Marques, que após “largar o cabeção” foi o fundador e director do Festival de Cinema da Figueira da Foz defendia a censura imposta pelo Estado Novo, também nas artes cinematográficas, para combater a perigosidade vinda da imoralidade de muitos filmes: “(…) Se por conseguinte o património civil e moral do povo e da família deve ser eficazmente defendido, é mais do que justo que a autoridade pública intervenha devidamente para reprimir ou refrear as influências mais perigosas”.
Pois bem nunca notei qualquer interferência dos superiores dominicanos na escolha e exibição de filmes de curta ou longa metragem.
Como a memória não dá para mais, dentre os filmes que exibimos nas nossas salas e nas das Instituições vizinhas e congéneres, com a projecção de uma velhinha máquina de 16 mm, recordo-me apenas de três longas metragens:
- O GAROTO DE CHARLOT (The Kid) - 1921. Uma das obras-primas de Charlie Chaplin;
- LADRÕES DE BICICLETAS - 1948. A obra-prima de Vittorio de Sica e marco do neo-realismo italiano;
- VERDES ANOS -1963, filme de Paulo Rocha, que marcou um novo ciclo do cinema português.
Estes filmes eram profundamente escrutinados com dois ou três visionamentos intercalados de debates, segundo modelo usado nos cineclubes que na altura começaram a surgir.
Com alguma regularidade, projectavam-se curtas-metragens de ficção ou de carácter documental, que obtínhamos junto das Embaixadas dos EUA, da França, da Alemanha ou do Canadá. Ficaram-nos gravados os filmes de animação de Norman Mc Laren, cedidos por esta última embaixada, dos quais saliento “Neighbours”.
Da França recordo “Van Gogh” de Alain Resnais, “Miserere” sobre Rouaut de Abbé Morel, filmes de mímica de Marcel Marceau, além de variados documentários sobre pintores ou a arquitectura de Le Corbusier. Impagável ficou um documentário crítico e caricatural de Agnés Varda sobre a Riviera Francesa.
O Jaime, eu e não sei se mais alguém, participamos em dois anos consecutivos nas “Semanas de cinema”, a primeira no Colégio Jesuíta das Caldinhas –Rio Tinto e a segunda no Colégio das freiras dominicanas no Ramalhão – Sintra. Não recordo quem as organizava, mas lembro que eram pautadas por nomes relevantes da cultura portuguesa de então como João Bénard da Costa, Nuno Bragança, Pedro Tamén, Nuno Portas, etc. Estes três últimos eram visitas assíduas do convento, na qualidade de amigos do frei Mateus Peres, que tínhamos a honra de ter como Mestre de Estudantes.
Não saiu dali nenhum realizador ou crítico cinematográfico, mas muitos aprenderam a ver cinema.
“Se podes olhar, vê, se podes ver, repara” José Saramago, In “Ensaio sobre a cegueira”.
A. A.
Simplesmente porque não gostava de deixar de dar testemunho do papel cultural e social da “Secção de cinema” que funcionou no “estudantado” de Fátima nos inícios dos anos 60 e do qual fiz parte em parceria com o Jaime Coelho e não me recordo se mais alguém. ( Seria interessante que o Jaime reportasse aqui as suas recordações sobre este tema).
Recordemos que na altura vigorava o Cânone 140 do Código de Direito Canónico (aplicado em Portugal pelo nº 31 das Constituições do Concílio Plenário Português que interdita a presença do clero nas exibições públicas de cinema, proibição justificada com o efeito de escândalo junto dos fieis!!! Esta interdição apenas foi anulada após o Concílio Vaticano II.
Também por essas datas o então padre Vieira Marques, que após “largar o cabeção” foi o fundador e director do Festival de Cinema da Figueira da Foz defendia a censura imposta pelo Estado Novo, também nas artes cinematográficas, para combater a perigosidade vinda da imoralidade de muitos filmes: “(…) Se por conseguinte o património civil e moral do povo e da família deve ser eficazmente defendido, é mais do que justo que a autoridade pública intervenha devidamente para reprimir ou refrear as influências mais perigosas”.
Pois bem nunca notei qualquer interferência dos superiores dominicanos na escolha e exibição de filmes de curta ou longa metragem.
Como a memória não dá para mais, dentre os filmes que exibimos nas nossas salas e nas das Instituições vizinhas e congéneres, com a projecção de uma velhinha máquina de 16 mm, recordo-me apenas de três longas metragens:
- O GAROTO DE CHARLOT (The Kid) - 1921. Uma das obras-primas de Charlie Chaplin;
- LADRÕES DE BICICLETAS - 1948. A obra-prima de Vittorio de Sica e marco do neo-realismo italiano;
- VERDES ANOS -1963, filme de Paulo Rocha, que marcou um novo ciclo do cinema português.
Estes filmes eram profundamente escrutinados com dois ou três visionamentos intercalados de debates, segundo modelo usado nos cineclubes que na altura começaram a surgir.
Com alguma regularidade, projectavam-se curtas-metragens de ficção ou de carácter documental, que obtínhamos junto das Embaixadas dos EUA, da França, da Alemanha ou do Canadá. Ficaram-nos gravados os filmes de animação de Norman Mc Laren, cedidos por esta última embaixada, dos quais saliento “Neighbours”.
Da França recordo “Van Gogh” de Alain Resnais, “Miserere” sobre Rouaut de Abbé Morel, filmes de mímica de Marcel Marceau, além de variados documentários sobre pintores ou a arquitectura de Le Corbusier. Impagável ficou um documentário crítico e caricatural de Agnés Varda sobre a Riviera Francesa.
O Jaime, eu e não sei se mais alguém, participamos em dois anos consecutivos nas “Semanas de cinema”, a primeira no Colégio Jesuíta das Caldinhas –Rio Tinto e a segunda no Colégio das freiras dominicanas no Ramalhão – Sintra. Não recordo quem as organizava, mas lembro que eram pautadas por nomes relevantes da cultura portuguesa de então como João Bénard da Costa, Nuno Bragança, Pedro Tamén, Nuno Portas, etc. Estes três últimos eram visitas assíduas do convento, na qualidade de amigos do frei Mateus Peres, que tínhamos a honra de ter como Mestre de Estudantes.
Não saiu dali nenhum realizador ou crítico cinematográfico, mas muitos aprenderam a ver cinema.
“Se podes olhar, vê, se podes ver, repara” José Saramago, In “Ensaio sobre a cegueira”.
A. A.
3 comentários:
Mais tarde, entre Outubro de 1969 e Junho de 1971, pelo menos, existiu um autodenominado "Cineclube de Fátima", constituído como parceria entre os estudantes liceais e professores que viviam entre os Dominicanos, os Franciscanos, os Monfortinhos e da Consolata, bem como os alunos e professores do Colégio de São Miguel.
Neste âmbito, vimos e criticámos um certo número de bons filmes que nos emprestaram. Um dos momentos altos foi um curso de formação orientado por um tal "Vieira Marques", especialista na matéria que, com certeza, é o referido pelo Alexandrino. A presença era facultativa e eu fui um dos raros alunos faltosos, ainda que por razões bem claras e, em face da descrição que me foi feita sobre as técnicas aprendidas, fiquei cheio de inveja.
Passada esta dica, também eu tenho uma dúvida. Foi ainda em em Aldeia-Nova (1968/69) ou foi já em Fátima (1969/70) que a minha turma teve, como oferta, uma deslocação oficial a uma Sala de Cinema em Leiria para ver a longa metragem do "Doutor Givago"?
Muito provavelmente, amigo Alexandrino, por acção directa da tua “secção de cinema”, terá beneficiado também o “estudantado” mais jovem de Aldeia Nova.
Lembro-me de que eram regulares, embora raras, as sessões de cinema no seminário e, normalmente, aconteciam após uma visita da carrinha de Fátima, conduzida pelo Jaime. Pagávamos em vinho da quinta (imagino eu) e ele deixava quase sempre uma ou duas bobinas pequenas e outra grande e uma máquina ruidosa, mágica, cheia de válvulas incandescentes e minúsculas engrenagens, que não sei quantos milímetros tinha mas pesava como um burro; às vezes, quando lhe dava a macacoa ou porque o filme já vinha estragado da vossa secção, sem aviso, aumentava o ruído sonolento, fazia tremer as imagens em delírio e, se o maquinista não fosse atento e célere, até botava fumo e cheirava a queimado, chicoteando com fúria a fita partida contra a blindagem metálica.
Tudo isto acontecia nas noites mágicas do salão paroquial do Olival, antes de construirmos o nosso próprio salão de festas para gozo da 7ª Arte, reduzindo a pó o célebre Cânone 140. Mais uma vez, deveríamos ter respeitado escrupulosamente a Lei…
Um abraço e viva o cinema!
Estou admirado que este excelente artigo do nosso amigo Alexandrino, não tivesse suscitado mais comentários. É verdade que ele está tão completo que pouco ou nada se pode acrescentar. O Jaime deve dispor, concerteza, de alguns promenores a trazer ao nosso conhecimento...Na verdade as dezenas de filmes que vimos e comentàmos ou nos foram comentados por especialistas já citados, constituiram momentos fortes da nossa vida de estudantes em Fátima e pelos vistos também em Aldeia Nova. Estivemos sempre na avanguarda, neste e em outros domínios e sempre fomos locomotivas para os outros seminários e conventos de Fátima. A locomotiva ia decerto veloz de mais, para o gosto de alguns, e pelos vistos até desencarrilhou. Não houve mortos. Só alguns feridos ligeiros que depressa curaram e se consolaram. Os filmes serviram de sopapa, mas também constituíram momentos fortes do ponto de vista cultural, artistico e mesmo de distracção sã e enriquecedora.
Obrigado Alexandrino, continuas a ser o melhor! Fernando.
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