Já faz tanto tempo que, perdido na bruma da minha história infantil deixei naquele gesto final de um pontapé na bola, velha amiga de tantas jornadas, um adeus saudoso áquela infância vivida algures nas serranias da Serra de Aire... sabia que queria ser um homem e escolhi para crescer esse ambiente de seminário para o qual o meu amigo João Frazão já havia rumado havia um ano sob influÊncia benemérita de seu tio Albino... A simplicidade e o coração ardentes seriam os meus companheiros naquela viagem com regresso a casa mas sem retorno na vida, porque o que se seguiria afectaria indelevelmente os meus passos para sempre... Já tomado o autocarro em Alqueidão da Serra, naquela manhã outonal a estrada fazia-se poeirenta entre buracos até Reguengo do Fetal... aí os quatros fedelhos, eu, o João, o Lucas e o Cecilio, haveriamos de aguardar no desamparo da nossa meninice, sem adultos por perto que nos protegessem, o próximo autocarro que mais sonolento e vagaroso que nós, nos haveria de conduzir a Ourém... as estradas eram sinuosas pelas muitas curvas que deambulavam por cima de Reguengo do Fetal e, já longe, prescrutavamos aquela aldeola pintalgada de branco e que por entre as serranias se vislumbrava no horizonte e assim pela ultima vez fixavamos a aldeia infantil que para nós ficava para trás - o nosso querido Alqueidão da Serra. Na proximidade de Fátima, naquela viagem que nunca mais terminava, havia algumas rectas naquele caminho dificil e que nem todos conseguiam ultrapassar sem vomitar... Passado aquele lugar e que a minha mãe tantas vezes me tinha afirmado ser santo porque nele a mãe de Deus fizera as suas aparições, caimos mais uma vez pelas curvas da encosta que de Fátima nos haveriam de levar a Ourém. Já os quatro fedelhos de Alqueidão se desesperavam de tanta viagem e mais uma vez teriamos de trocar de autocarro na estação de Ourém. Naquela hora já teriamos ultrapassado os horizontes e os limites do nosso mundo para não obstante continuarmos para uma aldeia distante ainda e que dava pelo nome de Aldeia Nova -Olival. mais uma vez as curvas no autocarro que nunca mais chegava ao destino, para por fim encontrarmos uma aldeia chamada Olival ... e, não obstante, ali não seria o nosso apeadeiro, mas um pouco mais à frente e acima num lugar que se apelidava de Aldeia Nova. Ai chegados o tempo da viagem era infinito e a minha infância tinha neste trajecto o seu mais longo e distante percurso. Outros vieram de bem mais longe mas para mim era demais. E chegados aos portões daquela casa enorme, ladeada por uma capela, encontravamos um grupo de garotos, cerca de 20, que numa algazarra quebravam o silêncio daquele recanto pacato... eram os miudos de Fátima que como nós haviam acabado de chegar... ... ...
Corria nessa altura o Outono de 1968.
José Carlos
11 comentários:
Bem aparecido 40 anos depois,Zé Carlos. Lembrei-me agora que, se a memória não me falha, foi nesse ano que armei em psicólogo (era finalista, portanto, desencartado) e, a convite do fr. Rogério que Deus tenha com Ele, treinei as técnicas psicológicas ao vivo, aplicando testes e fazendo entrevistas aos candidatos. Tive como assistente, nessa tarefa, o Manuel Branco Mendes -agora psicólogo também- que, incansável, era também o animador das actividades de integração dos novatos.
Lá estarias tu, se assim foi.
...e assim nos vamos (re)conhecendo.
Uma abraço
Jaime
Não tive ocasião de te encontrar, caro José Carlos, pois tu entravas por uma porta e eu estava já a sair por outra... Não tivemos oportunidade de conhecer-nos, mas respiràmos os mesmos ares e bebemos nos mesmos nascentes... espirituais e intelectuais!... Gostei imenso de ler a descripção da tua primeira longa viagem. Trouxe-me à memória outra bem mais longa!... Penso que essas primeiras viagens, nos transformaram e fizeram com que amadurecessemos mais ràpidamente. Elas marcaram-nos profundamente. A prova está nesta tua prosa que deixa transpirar um profundo sentimento e constitui um desabafo não dissimulado. De um certo modo, acabo de fazer esta viagem contigo, pois estão marcadas para sempre, na minha memória, todas essas aldeias por que passaste. O que aconteceu na nossa infância, nunca mais esquece... Foi tudo isso (mesmo as mais pequeninas coisas) que nos forjou! Obrigado, Fernando.
José Carlos,
Sê bem vindo. "Conta coisas", como diz o Ferraz.
Se quiseres saber quem eu sou, terás de vasculhar os comentários existentes ao longo deste blogue. São o meu contributo pessoal para o mesmo, até ser expulso, o que aceitaria como uma honra, em nome dos amigos que perdi em Aldeia-Nova, que, sem explicação de ninguém, não regressavam depois das férias, ou no ano seguinte.
Jaime,
Ajuda aqui a dar corda às nossas memórias.
Em 1968/69 o Mendes, já não estava em Aldeia-Nova. Ele fez o
5.º ano em 1967/68, em que era, de facto, um grande animador e não só. Donde veio ele, nesse ano?
Quanto ao frei Rogério, nesse ano também não estava em Aldeia-Nova. Onde te fez o convite? Em todo o caso, apresento-lhe também a minha homenagem póstuma, baseada na tua indicação de que ele faleceu.
O frei Rogério era um missionário à maneira antiga, em África, e um jovem da nossa exacta idade quando interagia com os mais novos, sendo ainda mais irrequieto que nós.
P.S.
José Carlos
Percebi que, enquanto descreveste a tua viagem, estiveste a acertar contas com as tuas memórias. Reconheci um pouco do que escreveste através de outros alunos provenientes dessas bandas, chegados a Aldeia-Nova em anos anteriores, com muitos dos quais criei boa parte das minhas primeiras afinidades.
Se és o mesmo que escreveu alguns comentários noutro ponto deste blogue, tens muito mais para escrever, se quiseres, é claro.
Só mais um detalhe.
Há neste blogue mais descrições da primeira longa viagem. Todas têm um certa eloquência literária e um nítido conteúdo emocional.
Há outras que não estão escritas, mas que foram minuciosamente contadas em pequenos grupos, cujos membro aqui honro.
Mas também houve outras perspectivas que, um dia aqui chegarão.
Agora, despachem-se. Comentem qualquer coisa.
Não conheço o José Carlos...
Em 1968 já eu estava na TAP há 3 anos e até já tinha feito várias viagens de avião... Aldeia Nova/Fátima já estavam a uma distância de 7 anos...
Contudo,logo que comecei a ler o apontamento do José Carlos sobre a sua viagem rumo a Aldeia Nova, descrito, aliás com grande saber literário, de imediato fui tocado por um sentimento de solidariedade e amizade para com o José Carlos..
Ainda que em tempos diferentes, tivemos vivências muito próximas...
E essas vivências são, inquestionávelmente, um forte elo de ligação entre a malta que passou por Aldeia Nova/Fátima...
Não importa que uns sejam mais crentes que outros...
Não importa que uns sejam mais político-partidários que outros..
Não importa que uns sejam mais doutores que outros..
O que importa é que entre a malta há um sentimento de amizade muito especial: todos partilhamos os mesmos espaços... Todos tivemos o mesmo ideal... Todos tivemos a mesma formação... Todos somos um pouco do que assimilamos em Aldeia Nova/Fátima...
Também eu, quando rumei até Aldeia Nova, fiz a minha mais longa viagem até então...
Lembro-me come se fosse hoje...
Saí de Idanha-a-Nova pelas 07.00 H na «Crreira» para Castelo Branco...Depois, o «Comboio a vapor» Castelo Branco/Entroncamento...Depois um outro comboio Entroncamento/Caxarias...sempre com paragens em todas as Estações...
Para mim era como se fosse para a «Caminho Cilifórnia...»...
Já noite fora, cheguei a Caxarias... Aí esperava-me o Frei Domingos... e lá fui de carrinha WW até Aldeia Nova... Aí encontrei a melhor das «matilhas» das muitas que ao longo da viada fui conhecendo... O Leonel/Fenício, o Marto, o Nelson, o Alexandrino e todo o grupo que aparece nas fotos de fatinho preto que aparecem no Blogue...
Decorria, então o ano de 1955...
Um fraternal abraço a todos e votos de uma SANTA PÁSCOA
ZÉ CELESTINO
Agradeço desde já os comentários..já se fazia tarde a minha colaboração neste blogue ,mas contingências várias têm-me impedido..desde logo a minha saúde e a saúde do meu computador..tenho de escrever enquanto trabalho porque o computador de casa não envia mensagens ou comentários e as coisa têm de sair à primeira..
Um grande abraço amigo
josé Carlos
Realmente Jaime eu lembro-me perfeitamente que quando fiz o estágio para entrar no seminário fui submetido a testes psicológicos e até me parece que o local onde tal aconteceu foi nas instalações da biblioteca do seminário..portanto se não foste tu foi o outro amigo o Manuel..um grande abraço depois de tantos anos
José Carlos
Parece-me que o seminário terá aberto por volta de 1950 e terá estado aberto para os alunos candidatos à vida religiosa mas a lecionar o curso liceal até 1973..portanto se multiplicamos 25 por 30 ou 40 e temos um numero considerável de alunos nesse periodo..um dia estava a almoçar num restaurante da Régua e ao lado um antigo seminarista e contabilista dizia a outro que o ouvia:"...é pá os padres no seminário de Aldeia Nova tinham para lá cerca de 1500 alunos.."ao que eu ,tendo ouvido tamanho disparate me levantei e me dirigi à mesa do antigo seminarista-contabilista ,me apresentei também como antigo aluno daquela casa e lhe terei dito:..."olha que ao todo naquela casa onde eu também vivi 4 anos não havia lugar senão para 100 a 150 seminaristas de cada vez ..por isso onde é que cabiam os 1500 alunos(?)...ao que o seminarista-contabilista surpreso perante tão inusitada aparição de uns ouvidos tão indiscretos terá afirmado:.."é pá eles tinham muito espaço lá para baixo no meio da quinta para poderem ter tanto aluno"...
José Carlos
Eu este ano estou encarregado de organizar o almoço de confraternização ,juntamente com os outros colegas de Alqueidão...por isso sinto-me com especial reponsabilidade..como já disse a doença tem-me perturbado..no entanto além de responder nos comentários quero abordar 2 assuntos:um é o do diário.. e o outro é o da justiça :este ano vai ser o tema a abordar no encontro por isso o melhor é começar a pensar nisso..
José Carlos
Meu caro:
Venham essas novidades sobre o próximo encontro!...
O próximo encontro será o que todos nós fizermos ,levando na bagagem tudo o que já fomos,somos e seremos..a única palavra justa será a da amizade e da confraternização entre nós e como o tema é a justiça então sejamos justos connosco próprios:sejamos amigos...José Carlos
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