Presbítero Dominicano, Professor da Universidade Nova de Lisboa, investigador internacional com vasta obra publicada, crítico literário, cartógrafo de Deus ou poeta das visões, Fr. José Augusto Mourão vai ser homenageado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, por ocasião do lançamento do livro ‘Dominicanos em Portugal’.
A efeméride, na sua moldura académica e científica, é o reconhecimento alargado de uma figura exemplar da cultura portuguesa, exemplar por muitas e justas razões e por ser José Augusto Mourão a maior referência da poesia litúrgica portuguesa, uma poesia que nunca alcançou entre nós o esplendor que iluminou outras latitudes e outras fronteiras. Não é aqui o lugar nem o momento (de certo não faltarão ocasiões nem contributos) para traçar o perfil de um homem incontornável, cujo pensamento, palavra e obra são uma permanente busca de metáforas e símbolos, um exercício que transcende e perscruta, no poder do Verbo ou no deserto das ideias, na poética dos ritos e da música ou na experiência visionária de Túndalo, a presença fraterna de Deus. «A poesia não se impõe, expõe-se», afirma em citação. Fico, pois, por aqui, expondo-vos e convidando-vos à leitura deste magnífico Salmo, extraído do seu último livro O Nome e a Forma:
Abel do Nascimento Pena
SALMO
Cantai a seiva que sobe das raízes,
O arado do tempo cortando o nevoeiro;
Cantai a vida que sangra e incendeia,
Vós todos que lavrais a terra, tecelões e pedreiros
Entrai na força escondida do desejo,
Domadores de cavalos, aguadeiros,
Pois vossas mãos acenderam candeias
E vossos olhos alumiaram a noite
Trazei à taça da vida nova que se anuncia
Os trapos velhos das dores enterradas;
Joalheiros de dedos magoados,
Vós todos que esperais o parto das sementes
Assinalai a pedra onde caístes
E a madeira em que vos crucificaram:
Porque há música nos ritos da tortura
Que canta o dia novo que não tarda
Enquanto não sabemos o caminho,
Cantemos já o dom de caminhar;
Se estamos juntos não teremos medo:
Alguém no invisível nos espera
Plantemos flores à beira do abismo
Há-de haver no deserto um lugar de água
Alguém que nos chame pelo nome
E nos acolhe ao termo da viagem.
José Augusto Mourão,
O Nome e a Forma,
Pedra angular, Lisboa, 2009
7 comentários:
Tenho que dar as boas vindas, enquanto colaborador do blog, ao nosso companheiro e meu conterrâneo Abel Pena, que também passou por Aldeia Nova e Fátima e é docente na Fac. de Letras de Lisboa. Frequentador do blog já é há muito... só falta aparecer no próximo encontro anual, mas prometo que vou empurrá-lo. Fica o convite para a homenagem ao Fr. Mourão.
Um abraço
Nelson
"...cujo pensamento, palavra e obra são uma permanente busca de metáforas e símbolos..."
Linda frase que parece bem definir José Augusto Mourão. Tudo o que lí dele foi neste blog ou na internet, mas vou debruçar-me mais sobre a sua obra! Gostei imenso deste salmo, mas compreendo que não tenha um socesso popular e que não seja adaptado à liturgia do quotidiano!... Imagino o seu impacto se fosse cantado ou simplesmente salmodiado num convento dominicano ou num mosteiro de Beneditinos.
E se os organizadores do próximo encontro convidassem este ilustre membro da família dominicana para nos falar da sua obra, com leitura de pedaços escolhidos!...
O mesmo se poderia fazer com outro poeta, por quem nutro uma grande admiração e maior amizade, o Eduardo Bento, para o qual também não têm segredos metáforas e símbolos...
Tenho sempre à mão “O Nevoeiro dos Dias” de que passo a citar o poema da página 40
"AQUI
Aqui onde cresce o silêncio
e se incendeia o frio,
onde sonhos ficaram para trás
passos perdidos nos caminhos
e silenciosos deuses
nos olham escarninhos
aqui
os homeens são estátuas de pedra
branca e fria
que vão tacteando as pedras da caverna
perguntando pelo dia."
P.S. onde está escrito as pedras da caverna, leia-se: as paredes da caverna...
Sempre ouvi dizer que Portugal é um país de poetas. Aí está mais uma prova. O Eduardo Bento é uma espécie de figura mítica para mim,mas desconhecia o calibre e a verve deste poeta, cujo poema me abriu o apetite e vou certamente adquirir o livro. Excelente ideia essa que o Fernando sugere: convidem-se os poetas, saraus e tertúlias precisam-se.
Já agora, por quê anónimo?
Nelson
Nelson, caro conterrâneo, 'anónino', apenas por inabilidade informática da minha parte. Mas ainda bem que perguntas, o que me permite agradecer-te o tal empurrão.
Abraço
Abel Pena
É um grande prvilégio (orgulho é pecado) conhecer o Nelson e o Abel; são ambos ilustres conterrâneos, nascidos tal como eu, onde os lobos uivavam...agora nem esses lá existem apesar da desertificação constante! E que tal uma tertúlia na próxima Páscoa, por ocasião da Festa de Nª Srª da Saude? Por mim pode ser na eira em Villa Asperonni...!!!
Agostinho L. Barreiros
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