terça-feira, 3 de novembro de 2009

Ainda a partida do Frei Armindo - COMO SE NÃO FOSSE UMA DESPEDIDA



Estive hoje bastante cedo na capela dos dominicanos porque queria despedir-me do Pe Armindo. Não podendo ir às cerimónias fúnebres, ali estive, sozinho, com o corpo jacente daquele espírito afável a quem tanto devemos, no silêncio do convento. Àquela hora ainda a capela estava sem ninguém. E eu, com o Pe Armindo, ali tão próximo e já tão distante, trouxe à memória episódios vividos em que ele esteve presente e que me marcaram, nos marcaram e fizeram de nós, também, o que nós somos. Estive ali na capela, sozinho, e não estava triste. Eu podia lá estar triste a rememorar episódios de vida com o Pe Armindo! Se todos os homens fossem como ele tão afável, tão cordial, tão francamente claro, a nossa história seria mais humana. Partiu um homem tão simples e tão luminoso. Não estou triste. Talvez um pouco comovido e – será da idade – estou estranhamente feliz.

Como o Neves de Carvalho referiu num comentário, aqui há uns anos, visitámos na companhia do António Ferreira e do Brízido, o Pe Armindo. Nessa altura ele deu-me dois livros de poesia. O Pe Armindo deixou muita publicação dispersa e em 2000 e 2001 publicou, por insistência de amigos, respectivamente, Ao Sabor das Horas Vagas e Ao Sabor das Horas Vagas II. Um dia procurarei fazer uma reflexão sobre a obra poética do Pe Armindo. A sua linguagem é de uma grande simplicidade com uma grande exigência de correcção formal. Diria que a temática se centra numa visão religiosa da vida atingindo aqui e ali uma dimensão mística. Mas a sua poesia não foge ao Mundo e está bem enraizada na vida dos homens reflectindo problemas reais do nosso mundanal percurso. Aqui deixo um dos seus poemas, com a promessa de um dia voltar à Obra do Frei Armindo:

LISBOA SOLITÁRIA

Solidão, solidão, mais solidão,
nas almas de agitados temerosos,
que labutam no duro o dia inteiro
com suor e com sangue pressurosos.

Lá em casa há estômagos vazios.
Há crianças já velhas, sem saber,
ao lado dos avós com seus feitios,
que ainda estão à espera de nascer.

Tanta miséria está a clamar aos céus,
pois lá perto só há arranha-céus
e luxo, muito luxo, que dor de alma!

O desnível de vida é clamoroso!
Parece que este mundo é monstruoso:
ao lado da miséria, o luxo e a calma!



(Aqui deixo uma breve reflexão para outros ajudarem a continuar)
Eduardo Bento

3 comentários:

Fernando disse...

Obrigado Eduardo Bento! Não estavas sozinho. Representaste muitos de nos. Tudo o que dizes me toca profundamente . Obrigado, Fernando

VIDEIRA disse...

No último encontro em Fátima, no dia 17 de Outubro, vi o frei Armindo, durante a celebração da missa e, já bastante depois do almoço, quando trocava impressões com o frei Pedro e Frei Miguel dei-lhes conta de que era meu desejo ver e falar com o padre Armindo quando, um deles me disse: ele esteve no restaurante, durante todo o almoço e já recolheu para descansar.
Claro que fiquei bastante contristado por não me ter apercebido que ele estivera presente no almoço e que eu perdera a oportunidade de o cumprimentar e de trocar, com ele, algumas palavras.
Ele foi meu condiscípulo em Aldeia Nova, nos anos lectivos de 1946/47 e 1947/48, sendo ele aluno do 4.º e 5.º anos e eu do 1.º e 2.º.
Depois ele rumou a Espanha, creio que a Santander, para frequentar o curso de Filosofia e eu nunca mais o vira desde 1948.
Também eu tenho em meu poder os dois volumes de poesia da autoria do frei Armindo: 1 exemplar de “Ao Sabor das Horas Vagas” e 2 exemplares de “Ao Sabor das Horas Vagas II” a que se refere o Eduardo Bento, uma oferta feita através do frei José Carlos Lucas, meu conterrâneo, numa deslocação que fiz, ao Convento de Fátima, há uns sete ou oito anos.
A notícia do seu falecimento chocou-me, essencialmente, pelo facto de, em Fátima, ter desperdiçado, involuntariamente, a oportunidade de lhe dar um abraço.
O Senhor Jesus, que conhece os pensamentos dos homens, já lhe terá dado, por mim, o abraço de boas-vindas ao Paraíso.
À sua família e à Ordem Dominicana apresento as minhas sinceras condolências.
Carlos Videira

Anónimo disse...

Foi com profunda mágoa que soube, pelo Celestino, que o nosso tão estimado Pre Armindo faleceu!Paz á sua alma! O Pre Armindo foi um homem de extrema simplicidade, generosidade e um grande professor que sabia compreender os seus alunos;sabia ler e interpretar a alma humana daqueles que sofriam no silêncio!
Era um homem que sabia rir, de agradável covivio,muito sensível, grande artista! Ensinou-me música e piano, em Aldeia Nova. Também foi um bom jogador de futebol! Em suma, deixou marcas profundas em todos aqueles que tiveram o privilégio de seguir os seus ensinamentos! Foi uma grande perca para toda a família dominicana!
As minhas mais sentidas condolências a seus familiares, assim como a toda a família dominicana dominicana.
Filipe Batista