segunda-feira, 9 de julho de 2007

A DEMOCRACIA DOS BUFOS

Eu (nós) sou (somos) do tempo em que não se podiam contar anedotas sobre Salazar. E, quando se contavam, era sempre de forma recatada, em surdina, com os olhos postos nas imediações, não fosse o diabo tecê-las. Uma raça de gente, arregimentada para canalizar informações ás estruturas policiais do Estado Novo, podia parar por perto e levar o nome do glosador até aos ficheiros da PIDE. Eram os Bufos, que por prémio tinham apenas o nome inscrito nas organizações do regime e mais a faculdade de posarem enfatuados ao lado dos donos do poder. Julgava eu, julgamos todos nós, que essas figuras sinistras e patéticas haviam sido definitivamente enterradas na madrugada do 25 de Abril de 1974, com o féretro inumado ao som das vozes de Zeca Afonso e Paulo de Carvalho. Puro engano. Eles andam aí, arvorados em comissários políticos, atentos e oportunos, na mira de denunciarem ao paizinho que o Zé não come a sopa.
Que o diga o professor Charrua, funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte, quando contou uma piada sobre o grau académico do Sr. José Sócrates. Alguém a seu lado “bufou” e a Directora Regional suspendeu-o de funções, ao mesmo tempo que promovia a instauração de um processo disciplinar. Ou em Vieira do Minho, cujo Centro de Saúde era dirigido por Maria Celeste Cardoso. Aqui, o médico Salgado Almeida, em serviço ao fim de semana, recortou de um jornal uma notícia em que o Ministro Correia de Campos afirmava nunca ter entrado num SAP e, acrescentando “faça como o ministro, não venha ao SAP”, colocou o cartaz em local azado e visível. Alguém, com conotações político-partidárias, bufou no livro amarelo e à Directora da Centro de Saúde foi indicado o caminho da rua.
O professor Balbino Caldeira, aquele que no seu blog desmontou a situação do grau académico de José Sócrates, foi demandado judicialmente por este, se calhar porque beliscou um político governante. Em Castelo Branco, a Coordenadora da Região de Saúde fez distribuir uma nota em que determina a abertura de toda a correspondência, mesmo se dirigida aos funcionários.
Estes casos singulares atrás referidos, bastarão para nos debruçarmos sobre a liberdade que temos, que queremos e que conquistámos. Primeiro que tudo, importa distinguir entre a ofensa e a piada brejeira, jocosa e inofensiva, muito embora os detentores de cargos públicos e políticos tenham que assumir-se superiores ao anedotário nacional e imunes a toda a chacota que lhes seja dirigida. Porém, os mais importunados parecem ser os comissários políticos, nomeados pontualmente e para tarefas a termo, que não gostam de ouvir beliscar o nome do seu Senhor. Resta-lhes então vestir a pele odienta do “Bufo” e atentar contra a liberdade de pensar, escrever, falar e criticar sem ofender. Estava eu seguro, e estariam os que tiverem a paciência de me ler, que já nenhum cidadão português seria julgado, prejudicado ou condenado por delito de opinião. Os factos e acontecimentos recentes, mostram o contrário e isto é motivo de preocupação. Somos constitucionalmente livres, mas começamos a perceber que não sabemos onde começa a nossa liberdade. Não sei, nem vai longe o meu conhecimento sobre a matéria, mas ocorre-me perguntar se a singularidade dos casos que enumerei, não serão um atentado ás liberdades, direitos e garantias dos cidadãos?!... A constituírem ofensa à lei fundamental da República Portuguesa, são uma afronta à democracia e os portugueses não podem ser, eternamente, a grande caravana que passa. Penso eu de que!...
Abraços
Nelson

4 comentários:

Anónimo disse...

brigado Nelson por nos alertares e ajudares a reflectir sobre estes bens tão preciosos que são a liberdade e a dignidade. A vigilância deve ser de rigor e todos os abusos devem ser denunciados. A Igreja, de modo especial, deve usar de sua independência (não tem nada a perder) para denunciar a tempo e contra tempo, todos os abusos de poder que também tu vens denunciando nos editoriais do teu jornal.

Armando disse...

Com o 25 de Abril, pensámos, o medo e o temor reverencial pelo senhores do poder, daria lugar a cidadãos de corpo inteiro, que ignorariam a “distanciação” entre governados e governantes. O entusiasmo de então levava-nos a considerar que os homens estariam defendidos de outros homens, e teríamos relações normalizadas que levariam ao entendimento frontal sem evasivas nem ambiguidades. A realidade mostra cada vez mais, que houve alguém que se enganou ou criou demasiadas ilusões.
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Caro Nelson
Como somos da mesma geração e trilhamos caminhos comuns, entendo o teu Grito de Alma sobre os perigos que estamos a correr e que,como diz o Alexandrino, pensávamos não mais os ter. O problema, segundo creio, não é de hoje mas vem de trás e já o tivemos depois do 25 de Abril de 74. A Democracia não se constrói com "bufos" mas com Homens e Mulheres responsáveis com pleno empenhamento nos seus Direitos e Deveres. A Cidadania e Civismo é algo que, segundo a m/opinião, não tem sido devidamente trabalhada e construída.
Os partidos (fazendo parte da democracia) não têm estado atentos ao fundamento de tudo isto: a Educação de Todo Um Povo que tem história e factores culturais. Reparemos como está a Comunicação Social, a Justiça, Saúde, Educação etc. etc. Os Governantes podem ter culpas mas cada um de nós também as tem. Será que a nossa Cidadania tem sido exercida como deve ser? Há uns anos o Dr. M. Soares falava no Direito à Indignação e como tem sido exercido por Todos Nós?
J. Moreno

Anónimo disse...

Completamente de acordo com o Joaquim Moreno. A realização dos ideais do 25 de Abril ficaram-se pela terça parte: só se fez a Descolonização. A Democracia tem sofrido tratos de polé, como já vimos e continuamos a ver.O Desenvolvimento que devia ter tido o País, tem sido só para alguns. Estávamos na cauda da Europa quando éramos 15 da UE, antes da entrada dos países do Leste europeu, e estamos a muito poucos do fim da cauda com a Europa a 27.Eram os 3DD do MFA, lembram-se? Ah capitães, que maus tratos têm dado ao vosso legado!!
Neves de Carvalho