A DEMOCRACIA DOS BUFOS
Eu (nós) sou (somos) do tempo em que não se podiam contar anedotas sobre Salazar. E, quando se contavam, era sempre de forma recatada, em surdina, com os olhos postos nas imediações, não fosse o diabo tecê-las. Uma raça de gente, arregimentada para canalizar informações ás estruturas policiais do Estado Novo, podia parar por perto e levar o nome do glosador até aos ficheiros da PIDE. Eram os Bufos, que por prémio tinham apenas o nome inscrito nas organizações do regime e mais a faculdade de posarem enfatuados ao lado dos donos do poder. Julgava eu, julgamos todos nós, que essas figuras sinistras e patéticas haviam sido definitivamente enterradas na madrugada do 25 de Abril de 1974, com o féretro inumado ao som das vozes de Zeca Afonso e Paulo de Carvalho. Puro engano. Eles andam aí, arvorados em comissários políticos, atentos e oportunos, na mira de denunciarem ao paizinho que o Zé não come a sopa.
Que o diga o professor Charrua, funcionário da Direcção Regional de Educação do Norte, quando contou uma piada sobre o grau académico do Sr. José Sócrates. Alguém a seu lado “bufou” e a Directora Regional suspendeu-o de funções, ao mesmo tempo que promovia a instauração de um processo disciplinar. Ou em Vieira do Minho, cujo Centro de Saúde era dirigido por Maria Celeste Cardoso. Aqui, o médico Salgado Almeida, em serviço ao fim de semana, recortou de um jornal uma notícia em que o Ministro Correia de Campos afirmava nunca ter entrado num SAP e, acrescentando “faça como o ministro, não venha ao SAP”, colocou o cartaz em local azado e visível. Alguém, com conotações político-partidárias, bufou no livro amarelo e à Directora da Centro de Saúde foi indicado o caminho da rua.
O professor Balbino Caldeira, aquele que no seu blog desmontou a situação do grau académico de José Sócrates, foi demandado judicialmente por este, se calhar porque beliscou um político governante. Em Castelo Branco, a Coordenadora da Região de Saúde fez distribuir uma nota em que determina a abertura de toda a correspondência, mesmo se dirigida aos funcionários.
Estes casos singulares atrás referidos, bastarão para nos debruçarmos sobre a liberdade que temos, que queremos e que conquistámos. Primeiro que tudo, importa distinguir entre a ofensa e a piada brejeira, jocosa e inofensiva, muito embora os detentores de cargos públicos e políticos tenham que assumir-se superiores ao anedotário nacional e imunes a toda a chacota que lhes seja dirigida. Porém, os mais importunados parecem ser os comissários políticos, nomeados pontualmente e para tarefas a termo, que não gostam de ouvir beliscar o nome do seu Senhor. Resta-lhes então vestir a pele odienta do “Bufo” e atentar contra a liberdade de pensar, escrever, falar e criticar sem ofender. Estava eu seguro, e estariam os que tiverem a paciência de me ler, que já nenhum cidadão português seria julgado, prejudicado ou condenado por delito de opinião. Os factos e acontecimentos recentes, mostram o contrário e isto é motivo de preocupação. Somos constitucionalmente livres, mas começamos a perceber que não sabemos onde começa a nossa liberdade. Não sei, nem vai longe o meu conhecimento sobre a matéria, mas ocorre-me perguntar se a singularidade dos casos que enumerei, não serão um atentado ás liberdades, direitos e garantias dos cidadãos?!... A constituírem ofensa à lei fundamental da República Portuguesa, são uma afronta à democracia e os portugueses não podem ser, eternamente, a grande caravana que passa. Penso eu de que!...
Abraços
Nelson