Moro num triste terceiro andar voltado para uma barreira escalvada. Tenho, por vizinho da frente, o meu amigo Antunes, funcionário público, adepto do Benfica, bom pai de família e portanto bom português. Ele é um patriota.
O patriotismo do meu vizinho da frente manifesta-se mais agudamente em certa ocasiões. Comove-se até às lágrimas quando vê partir um contingente militar para a Bósnia ou para o Afeganistão. Olhem como ele segue pela televisão os desfiles, os discursos, as condecorações do 10 de Junho ou as marchas de Lisboa. O meu vizinho ignora um verso de Camões mas adora Camões. Este é símbolo da Pátria, morreu faminto e cego de um olho. Ah! Mas o patriotismo do Antunes chega ao rubro, atinge o paroxismo, quando se trata da selecção nacional de futebol. Morra-lhe a mãe, chegue a notícia do acidente do filho, se ele está a ver um jogo da selecção, não se moverá do sofá e sofre, bufa e berra seguindo hipnoticamente o rebolar da bola. Ele é um patriota. A bandeira nacional que colocou na varanda, quando a selecção participou no último campeonato, continua a tremeluzir ao vento, embora feita em tiras, cansada de tantas batalhas, como que a dizer: «Para a próxima é que é». O meu vizinho, o Antunes, é um patriota. Ele nunca desiste.
O governo fecha escolas, hospitais, serviços diversos, aumenta os preços? O Antunes aceita placidamente, compreende e, no íntimo, aplaude porque, se o governo decide será sempre pela causa nacional. Ele é um patriota.
Quando há um caso na justiça, o Antunes está sempre atento O apito dourado, o processo da Casa Pia, a Carolina Salgado, prendem-no horas a fio à televisão. Pouco se importa com a morosidade, os dois pesos e duas medidas da nossa justiça. Isso é com os tribunais. É por isso que tanto lhe faz beber do tinto ou do branco e até, às vezes, vai um palheto. Além de patriota ele é um cidadão atento.
A veia patriótica do meu vizinho leva-o a opinar sobre tudo mesmo sobre aquilo de que nada percebe. Ainda há dias conversando com ele sobre o sistema educativo ele expelia umas ideias que eu me apressei a registar: « O ensino? O ensino está cada vez pior, nós precisamos é de reformas que reformem verdadeiramente. As escolas tornaram-se um lugar de opressão para os alunos. Que estamos a fazer dos homens de amanhã? Os professores deviam respeitar mais a iniciativa e a liberdade dos nossos jovens. O que lhes falta é trabalhar mais e levar mais umas caneladas. Bem faz a senhora ministra da educação trazer os professores à rédea curta». E mais não disse , o Antunes, ficou mudo, depois calou-se e em seguida, em silêncio. Mas mesmo assim, por debaixo do seu mutismo eu adivinhava a sua alma de patriota.
E quanto à economia? Ah! O meu vizinho também opina. Ele diz-nos que o governo vai fazendo o que pode; temos que fazer sacrifícios; o défice ( ele pensa que o défice é uma espécie de aeroporto da Ota) é importantíssimo para o país…O Antunes tem um patriotismo de longo alcance. E vota. Ah! Sim, o Antunes vota.
A bandeira nacional colocada à janela continua a flamejar, está desbotada mas resiste. E resiste para que todos saibam que o meu vizinho é um patriota.
Eduardo Bento
5 comentários:
Ó Eduardo Bento!! Melhor do que isto...é difícil. Não tens só um vizinho! Tens seis... sete... oito...milhões de vizinhos.Escreve mais vezes ó Eduardo!Estou a ler "O Mar de Madrid" do nosso João de Melo e seria tão bonito ler "......" do nosso Eduardo Bento!A poesia que se sente na prosa do João e aquela que se vê na tua, reconforta-nos.Ficamos melhor cada vez que vos lemos.
Um abraço do
Neves de Carvalho
Neves de Carvalho, (agora sei que és do norte). Não frequentei Aldeia Nova mas move-me o mesmo fogo divino que te move a ti. porque quem alguma vez foi dominicano nunca pode deixar de sê-lo. Por isso em nome de um mandato maior do que nós ou as nossas pequenas vidas aqui estou para conversar contigo. Já reparaste quanto veneno político destila o texto demoniacamente irónico do Eduardo Bento ( sei que ele vive ali para os lados de Torres Vedras, ao que me dizem). Mas o Eduardo Bento, felizmente que saíu dos dominicanos senãao agora seria um padre despadrado, da teologia da libertação ou esparranhar sermões num bairro de periferia para os supostos não integrados socialmente. Ele foi profesor. Mas hoje os professores, ao contrário do tempo do meu pai, são uma cambada inútil. Vê como ele ironiza na sua defesa. Ai Neves, ao que nós chegámos!
Um abraço.
José Oliveira (ex Imeldo)
Ex-Imeldo
Não te entendo!
Ontem o teu Pai era funcionário Publico e a tua Mâe era Professora. Hoje é o Teu Pai Professor!
Trata dessa cabeça e deixa o Neves de Carvalho na santa PAZ
Peregrino
Caro Pergrino:
Gostava de te ver sair do anonimato, gostava de saber quem tu és. Sei que és um dos nossos. E estamos aqui para criar laços. Mas não ofendas a nossa inteligência. Por favor diz-me: Onde é que lêste que o meu pai era professor? Eu digo: "No tempo do meu pai". Não digo que ele era professor. Cumprimentos do José Oliveira.
Caro Dr. José Oliveira(ex-Imeldo)
Para responder à tua pergunta, só digo:
como é possível aceitar a tua dupla ou tripla personalidade ?...
Quando andas nos corredores da Universidade para seres recebido pelo Sr. Reitor, Fraga da Cruz, vens ter comigo para contar do teu peregrinar pelas salas de audiência para ouvir o teu ídolo J.Vieira a destruir os seus opositores dos movimentos dos trabalhadores e aqui pedes para dizer quem sou ?
Solicita indicação ao Pancrácio sobre um bom Psi.
Cumprimentos
Peregrino
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