terça-feira, 12 de junho de 2007

O Passeio de Santo António

Saíra Santo António do convento
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento,
Um cândido sermão sobre o pecado.
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando,
E nem notou que a tarde esmorecia,
Que vinha a noite plácida baixando…
E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas,
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe,
E fraco por haver andado tanto,
Sentou-se a descansar o bom do monge,
Com a resignação de quem é santo…
O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu,
Pôs-se a brincar com o capuz do frade.
Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais.
Os rouxinóis ouviam-se distante.
O luar, mais alto, iluminava mais.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito.
Ela trazia ao ombro a cantarinha,
Ele trazia… o coração no peito.
Sem suspeitarem de que alguém os visse,
Trocaram beijos ao luar tranquilo.
O Menino, porém, ouviu e disse:
- Ó Frei António, o que foi aquilo?…
O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada,
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…
Uma risada límpida, sonora,
Vibrou em notas de oiro no caminho.
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora?
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho.
- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!…
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim,
Corado como as vestes dos cardeais,
Achou esta saída redentora:
- Se o Menino Jesus pergunta mais,
…Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora!
Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento,
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus,
São horas…
E abalaram pró convento.


Augusto Gil

7 comentários:

Armando disse...

A poesia popular portuguesa coloca frequentemente os santos junto de fontes, onde invariavelmente surgem raparigas com as respectivas bilhas, acompanhadas ou não. O próprio Jesus não escapou, na história da Samaritana, cantada no fado de Coimbra, que constitui o selo de marca do Celestino fadista.
A. Alexandrino

Anónimo disse...

Realmente o Augusto Gil tinha graça ao juntar Stº António e o menino Jesus, o luar, o murmúrio dos pinhais, a fonte, os namorados e o cantar dos rouxinóis. Só mesmo em am ambiente poético é que se pode ouvir os rouxinóis a cantar à noite naquele quadro bucólico!
Valha-nos Santo António!
Neves de Carvalho

Anónimo disse...

Até meparece que o Celestino vai indo pelo bom caminho. É sempre gratificante ver que o Blog não é só feito de irreverências. Não conheço o Neves de Carvalho. Também é nosso vizinho aqui de Lisboa?
José de Oliveira

Anónimo disse...

É um homem do norte, carago!!!

Anónimo disse...

Dr.José de Oliveira
Estás melhor dos pés ? Das caminhadas que tens feito de Artilharia um para a Igreja de S. Domingos?
Esperamos por ti nas peregrinações a PÉ. A próxima vai ser a Santiago de Compostela.
Peregrino

Anónimo disse...

Sinhe, soue do Nuorte!Aqui no Puorto, fala-se assinhe, sobretudo nos bairros mais característicos da cidade. Nesta zona do mundo até os passarinhos cantam assinhe... piue, piue,piue!
É verdade Dr. José Oliveira! Sou do Norte, aquele ponto cardeal que nos deve orientar sempre, e que este desgraçado país parece que perdeu. Sou do Norte, do ponto donde sai o vento, e também o lamento do que está a acontecer a esta gente laboriosa e há muito desprezada por Lisboa.Quando o país se regionalizar, veremos o que é fazer do Norte a próxima Terra Prometida.

Um abraço a todos, Nortenhos incluídos.

Neves de Carvalho

Anónimo disse...

Obrigado Neves. Que a senhora de Fátima interceda sempre por ti. Noutro ponto do Blog acabei de te dar outros esclarecimentos.
Benedicamus Domino
José Oliveira