sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

O STICK DO CASA PIA


           Não sei onde pára nem que é feito dele.
           Perdi-lhe o rasto. Perdemos-lhe o rasto. Anafado quanto baste, chegou a Aldeia Nova vindo de Lisboa. Dada a Instituição donde provinha, haveria de carregar consigo o nome de Casa Pia. Recordo-lhe as feições, as rechonchudas faces, a proeminência abdominal que rebentava com os botões do guarda-pó e o insaciável apetite que evidenciava em redor da marmórea mesa do gélido refeitório. Indiferente à cantilena monocórdica que um paciente leitor debitava durante a refeição, lá ia devorando o que aparecia sem se perturbar em demasia com a ementa ou o paladar.
A esse tempo, década de cinquenta do século passado, a selecção nacional de hóquei em patins, ganhava tudo o que, nessa matéria, havia para ganhar. A imaginação dos adolescentes e jovens que povoavam a Escola Apostólica Dominicana de Aldeia Nova era fértil e cedo se adoptou uma nova modalidade desportiva que, não sendo hóquei em campo, era um hóquei jogado sem patins. Os ramos resultantes da poda das oliveiras, era matéria-prima ideal para o fabrico de um stick. Rapidamente se delimitavam os ringues e institucionalizou-se a prática do hóquei, em homenagem, sabe-se lá, ao Perdigão, Raio, Edgar, Vaz Guedes e mais tarde ao Adrião ao Velasco ao Boussós e a tantos outros exímios praticantes do pau e bola. Entre a população da Velha Casa, cedo se distinguiam hábeis praticantes da novel modalidade, permitindo-me destacar o Igreja, o Vitorino, o António Júlio e o Bravinho que não gostava nada de perder.
Reconhecendo a sua pouca aptidão para a condução da bola com o pauzinho, o Casa Pia entendeu por bem fazer jus à sua compleição física, mediu o seu corpanzil com a baliza e vá de se assumir como um guarda-redes imbatível. Como mesmo assim sofresse alguns golos, entendeu que um stick adequado ao seu físico, poderia fazer a diferença. Fez planos e depressa descortinou um tronco de oliveira, recurvado numa extremidade que seria o adereço ideal para suavizar algumas goleadas. Passou horas a desbastar o tronco, mas conseguiu apelidar de stick a uma peça com alguns dez centímetros de largura e uns setenta de comprimento, que usava para manter inviolável a baliza. Para além de ser motivo de chacota, todos se recusavam a jogar contra o Casa Pia, desde que fosse ele o guarda-redes e teimasse em utilizar tal adereço.
         Um dia, após um reunião capitular, terá sido convidado a abandonar Aldeia Nova. Os motivos eram sempre desconhecidos, mas se calhar a vocação por lá ficou, perdida num ringue de hóquei.
Era  o Orlando Manuel Pinto.
Alguém se lembra dele?... 

Nelson

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais um texto de boa-memória. Lembro-me bem desse nosso companheiro.
Não sei porquê demos-lhe o nome de Pompeu. Também gostava de saber dele.
Bom retrato, fiel lembrança, Nelson.
EBento

Nelson disse...

Era o "Pompeu"!... Vá-se lá saber porquê!... Era a nossa imaginação que era fértil.
Abraço Eduardo.