POR ESTA ESTRADA
CARTA
ABERTA AO MEU CÃO MANGUITO.
Querido
Manguito
Há
breves dias, tu e eu, passámos por um profundo estado de aflição quando correu
a notícia de que o nosso governo iria limitar o número de cães por apartamento.
Só dois da tua espécie poderiam habitar cada casa. Que doloroso transe me
trespassou o coração! Teria que te dar destino pois, como tu sabes, contigo
habitam no andar a Pacóvia com o seu cachorro que, supostamente, é teu filho
também. Não iria pôr na rua a mãe com o pequeno filhote. Seria desumanidade que
me transtornava o âmago de forma insuportável. Eras tu que irias ser deixado a
monte, ou ficarias a basculhar o lixo nas ruas da cidade, ou, na melhor das
hipóteses, serias mais um habitante do canil municipal se para ti lá houvesse
lugar. Ah, Manguito, Manguito, como a vida nos prega cada susto…
Mas, felizmente, foi só susto. Ou porque os
boateiros lançaram tão maldosa atoarda, ou porque o governo recuou na intenção
da lei. A lei que iria obrigar-nos à separação. É claro que nesta crua dor
havia um certo lenitivo. Sabemos que as leis do governo são sempre para nosso
bem. Mesmo quando nos pisam é sempre
para nossa felicidade. A boa governação está sempre na mira dos seus
sapientes olhos. Cada medida, lei ou decreto, é para que o futuro de todos nós
seja um amanhã que canta. Tu, cão que és, nunca poderás lobrigar a alegria que
sinto ao sofrer tantos cortes na minha pensão de reforma. É como se me
estivessem a inocular uma pequena dor para que o futuro se abra em gargalhadas
de felicidade. Os nossos governantes é que sabem o que nos convém.
Atenta,
Manguito, nesta de acabar com os feriados. Houve logo, nos do costume, críticas
e ditos desaforados contra a medida. Mas agora já todos reconhecem que a
produtividade aumentou e vai ainda aumentar mais, muito mais. Olha, vem aí o 1º
de Dezembro, que sempre foi feriado para celebrar a batalha de Aljubarrota
contra os mouros. Porque é que havemos de celebrar a bordoada que andámos a dar
uns nos outros? E o feriado só servia para passar o dia de papo para o ar em
qualquer praia com o clima ameno que está. Até
deviam obrigar ao trabalho aos domingos de manhã, a tarde chegava para
descansar e a produtividade, a competitividade salvariam o produto interno
bruto, a balança de transacções e outras coisas de que eu não percebo nada.
Manguito,
o que nos falta é alcance. Alcance de vistas, de entendimento, para compreender
a profundidade e a largura das medidas legislativas do governo. Somos também
uns pessimistas e ingratos. Pessimistas, porque estamos sempre a dizer mal, só
por dizer, ingratos porque nem sabemos agradecer a vida sacrificada daqueles
que só pensam no nosso bem.
Pronto,
Manguito, não te maço mais. Ainda bem que a lei não foi avante. Apenas um
susto, agora é como se tivéssemos saído
da recessão e de um peso imenso nos libertássemos. Com estrénuo júbilo podemos dizer: este país
ainda é para cães.
Com
afectuosa humanidade e a promessa de guardar sempre para ti o osso mais
saboroso.
Eduardo Bento
3 comentários:
Só tu Eduardo nos podes dar este mimo de prosa para nosso gozo e meditação. Era bem preciso um grande Manguito, com um ladrar tonitruante e umas valentes ferradelas, para que as leis fossem feitas por Humanos.
Um abraço... e continua!
Neves de Carvalho
O sermão do Eduardo Bento ao cão zurze no governo com pezinhos de lã mas, de passagem, tal como o governo fez ao condenar o 1º de dezembro à extinção, desafronta os espanhóis chmando mouros aos castelhanos. Ou afronta indirectamente se com mouro quer dizer cão infiel.
Jaime
Como sempre, com fina ironia e profundidade! Diverti-me muito a ler este texto...
Só com uma leve discordância, meu caro amigo...
A limitação, segundo fontes geralmente bem informadas, não terá ido por diante uma vez que podia depauperar o executivo, onde abundam os animais e quadrupedes equiparados! Por outro lado, havendo quem diga - injustamente - que eles fazem muita coisa com os pés, ficaria o governo sem uma cabeça, por cada quatro patas a menos...
Um abraço para o Eduardo Bento.
P.S.- 3 (três) "manguitos" para o governo da nação!
Antero
Enviar um comentário