quinta-feira, 7 de junho de 2012

BREVE RETROSPECTIVA DA PROVÍNCIA DOMINICANA PORTUGUESA

 Honra-se a Província Dominicana de Portugal de ter por seu primeiro religioso um companheiro do próprio S. Domingos, Fr. Soeiro Gomes, uma personagem ilustre e sacerdote virtuoso e sábio. Chefiou o grupo de religiosos que veio para a Península Ibérica e logo tratou de estabelecer a nova Ordem na sua Pátria. Em 1217 já estava em Portugal como Provincial de toda a Espanha. O valor pessoal e a santidade deste e de outros varões ilustres, como o Beato Fr. Gil de Santarém – mais conhecido por S. Frei Gil –, explicam a magnífica aceitação que a Ordem de S. Domingos teve em Portugal. Lembremos que, ainda no século XIII, século da fundação da Ordem, foram construídos os conventos de S. Domingos de Santarém (1218), S. Domingos de Coimbra (1227), S. Domingos do Porto (1238), S. Domingos de Lisboa (1241), Nossa Senhora dos Mártires de Elvas (1267), Nossa Senhora das Neves de Guimarães (1270) e S. Domingos de Évora (1286).
 E o número de conventos foi crescendo sempre. Recordemos, no século XIV, o celebérrimo convento de Santa Maria da Vitória (1388), por todos conhecido ainda hoje por Mosteiro da Batalha, e o convento de S. Domingos de Benfica (1399), primeiro da Observância. Vieram depois, no século XV, os conventos de Nossa Senhora da Misericórdia de Aveiro (1423), Nossa Senhora da Piedade de Azeitão (1435), Nossa Senhora da Consolação de Abrantes (1472) e Nossa Senhora da Luz de Pedrógão (1476).
 No século XVI fundaram-se mais os seguintes dez conventos em Portugal continental: Nossa Senhora da Serra de Almeirim (1501), S. Domingos de Vila Real (1524), Colégio Universitário de S. Tomás de Coimbra (1539), S. Gonçalo de Amarante (1540), Nossa Senhora da Esperança de Alcáçovas (1541), S. André de Ancede (1559), S. António de Montemor-o-Novo (1559), Santa Cruz de Viana (1561), S. Sebastião de Setúbal (1563) e S. Paulo de Almada (1569).
 No século XVIII a Ordem Dominicana ainda experimentou algum florescimento, mas não pôde evitar os efeitos nefastos da decadência geral do país e do ambiente social hostil, com o regalismo político. Todavia, neste século, até à extinção em 1834, ainda se fundaram mais dois conventos, em 1721: o de Nossa Senhora das Neves, em Montejunto, e o de S. Martinho de Mancelos. Com este convento terminou a expansão da Ordem Dominicana em Portugal. Eram ao todo 26 conventos. Por volta de 1750 (84 anos antes da extinção das Ordens religiosas no nosso país), os religiosos dominicanos eram cerca de 693.

MISSÕES
 A Ordem de S. Domingos nasceu do ideal de cruzada emanado da alma do seu fundador. Ele próprio aspirava a missionar entre infiéis e, com essa intenção, chegou a pedir dispensa do governo da Ordem. Embora não tivesse podido concretizar esse seu veemente anseio, muitas vezes arriscou a vida na sua missionação entre hereges. Todavia, a semente missionária lançada por ele no coração dos seus filhos germinou, cresceu e produziu abundantíssimos e belíssimos frutos.
 A época mais brilhante da Ordem Dominicana em Portugal foi, sem dúvida, o século XVI, sobretudo pela extraordinária acção missionária levada a cabo em África e no Oriente. Naquelas longínquas paragens, a actividade missionária e cultural dos dominicanos esteve sempre em estreita dependência da situação religiosa da metrópole. Por isso, também neste século os filhos de S. Domingos levaram longe os fulgores da cultura cristã e das ciências divinas
1. África – Expulsos os Mouros do solo português, alargaram os dominicanos a sua acção pastoral a além-mar, mal Portugal iniciou a grandiosa gesta ultramarina. Acompanharam os conquistadores de Ceuta e dali passaram a Tânger onde, em 1546, fundaram um convento. E rapidamente alargaram a sua pregação às regiões da Guiné e aos Reinos do Gabão, do Congo e da Etiópia. 
 Em 1563 encontravam-se os filhos de S. Domingos em Tete, África Oriental. E em 1579 fundavam um convento na ilha de Moçambique. Nesse mesmo ano passaram a Madagáscar. Pelo tempo fora estabeleceram numerosos centros de irradiação missionária por toda a parte, chegando à foz do rio Zambeze. Em 1585, a pedido do Bispo de Malaca, voluntária e alegremente, partia para as missões uma grande leva de dominicanos. Destes, avultado foi o número dos que selaram com o seu sangue o testemunho da fé que pregavam. Os sulcos abertos no solo africano pela acção missionária dos dominicanos, durante dois séculos e meio consecutivos, foram tão profundos que os seus vestígios ainda hoje se conservam. 
  
2. Oriente – Também o lendário, encantado e extenso Oriente foi teatro de intenso e frutuoso labor dos missionários dominicanos portugueses. Em 1549 fundaram um convento em Cochim, onde já se encontravam desde 1503, com o grande Afonso de Albuquerque. Daqui se conclui que trinta e nove anos antes do grande missionário S. Francisco Xavier chegar à Índia, já por lá "faziam cristandade" os dominicanos.
  Continuaram a acompanhar as armadas e fundaram a Congregação de Santa Cruz das Índias, em 1548. O convento principal era o de S. Domingos de Goa, mas o rápido crescimento do número de pretendentes a ingressar na Ordem levou a abrir, em Pangim, o Colégio de S. Tomás, que desempenhou importantíssimo papel na cultura daquela região oriental.
 Seria necessário escrever livros e livros para historiar o ingente labor missionário dos dominicanos portugueses no Oriente, bem como para mencionar o número de casas e conventos ali por eles criados. Recordemos apenas que, em 1556 entraram na China, sendo o principal missionário Fr. Gaspar da Cruz, o célebre autor do Tratado das Coisas da China e de Ormuz, primeiro sinólogo europeu. Nesse mesmo ano de 1556, começam os dominicanos a cristianizar Timor, considerado a jóia das missões portuguesas no Oriente. Foi seu primeiro apóstolo Fr. António Taveira. Ali foi profunda a acção missionária dos dominicanos, dando alguns deles, através do martírio, o supremo testemunho da fé que pregavam, como sucedeu, por exemplo, com Fr. Duarte Travaços, Fr. Gaspar Evangelista, Fr. João Baptista e Fr. Simão da Madre de Deus.
 A par do testemunho de sangue, não faltou o testemunho de vida santa. Por aquelas paragens do Extremo Oriente, deixaram grande fama de santidade Fr. António da Cruz, Fr. Rafael da Veiga, Fr. João da Costa, Fr. Belchior Dantas, Fr. Simão das Chagas, bem como o Irmão cooperador Fr. Aleixo e muitos outros.
 "O estatuto missionário dominicano de 1580 representa o mais antigo e mais completo documento jurídico do século na Ásia" (De Witte).
    
EXTINÇÃO DAS ORDENS RELIGIOSAS EM PORTUGAL
 A partir de meados do século XVIII, acentua-se a decadência em todos os sectores da Igreja no mundo, e a Europa não constituiu excepção. Em Portugal a Igreja começou a sentir os deletérios efeitos da perseguição, primeiro veladamente e, depois, cínica e claramente: por decreto de 19 de Agosto de 1833, todos os religiosos foram desligados da obediência aos seus Superiores Maiores e estes foram todos depostos; D. José e D. Maria I alcançaram da Santa Sé faculdade para suprimir alguns conventos, quer de frades quer de freiras.
 Finalmente, como é do conhecimento geral, por decreto do ministro Joaquim António de Aguiar, datado de 28 de Maio de 1834, foram extintos todos os conventos e casas de religiosos de todo o Reino. Por este triste e nefando decreto, todos os bens das Ordens Religiosas foram usurpados pelo Estado, e os milhares de religiosos, expulsos compulsiva e violentamente, iniciaram a sua peregrinação de miséria, de fome e de morte.
 
 RESTAURAÇÃO DA PROVÍNCIA PORTUGUESA
 «As portas do Inferno não prevalecerão contra ela» (Mt 16, 18). Dissemos que em 1834, em Portugal, foram extintas todas as casas religiosas. Mas, diz-se, "não há regra sem excepção"; ora, também neste caso – talvez pela valiosa intercessão de S. Domingos! – este ditado se confirma. Com efeito, apesar de declarada a extinção de todas as casas religiosas em Portugal em 1834, a Ordem Dominicana manteve-se sempre viva no nosso país. Porquê? Porque "amor com amor se paga".
 No final do século XVI, o apóstata e criminoso Henrique VIII, rei de Inglaterra, empreendeu cruel e devastadora perseguição contra os católicos, atingindo particularmente a cristianíssima Irlanda, súbdita do Trono Britânico. Os católicos irlandeses viram-se forçados a refugiar-se em vários países, entre eles Portugal. Os dominicanos irlandeses bateram à porta dos dominicanos portugueses que os acolheram fraternalmente. Para que os seus Irmãos irlandeses pudessem instalar-se em casa própria, os dominicanos portugueses do convento de S. Domingos de Benfica ofereceram-lhes um terreno nos arredores, onde eles abriram a primeira residência em Portugal. Decorridos alguns anos, instalaram-se definitivamente em Lisboa, no convento do Corpo Santo, muito próximo do Cais do Sodré. Aquela Comunidade de dominicanos refugiados exerceu, até aos nossos dias, extraordinária actividade apostólica e manteve as fraternidades da Ordem Terceira de S. Domingos e as Confrarias próprias da Ordem.
 Foi este o único convento – Corpo Santo – que sobreviveu à expulsão dos religiosos em 1834. Como foi possível?, perguntarão, talvez. Dado que a Irlanda é um país súbdito da Inglaterra, ao serem declaradas extintas em Portugal as casas religiosas, a Comunidade do convento do Corpo Santo arvorou a bandeira inglesa. Desta forma, as autoridades portuguesas não ousaram perturbar a vida daqueles religiosos dominicanos que, como veremos de seguida, foram os instrumentos providenciais do início da restauração da Província dominicana portuguesa. 
 Um religioso do Corpo Santo, o P.e Fr. Hickey, por 1893, convidou o jovem sacerdote português P.e Manuel Frutuoso, já Irmão Terceiro dominicano, a ingressar na Ordem de S. Domingos, a fim de iniciar a restauração da defunta Província dominicana portuguesa. O P.e Frutuoso atendeu, pronta e zelosamente, a "chamada" do Senhor e, em 18 de Outubro de 1893, começou a sua "missão": vestiu o hábito dominicano e adoptou o nome de Domingos, nome do fundador da Ordem, para manifestar, por certo, a sua firme e resoluta decisão de prosseguir a obra do grande santo do século XIII. Estava lançada a pequenina semente que, como nos diz Jesus, crescendo, se fez árvore (cf. Mt 13, 32).
 Seria necessário demasiado tempo e espaço para descrevermos os trabalhos, as dificuldades, as vicissitudes que foi preciso enfrentar e ultrapassar até que "a sementinha crescesse e se fizesse árvore", isto é, até que chegasse o dia 11 de Março de 1962, dia em que, em Fátima, foi restaurada, oficial e solenemente, a Província dominicana de Portugal, com o singular privilégio da presença do próprio Mestre Geral da Ordem, Revmo. Padre Miguel Browne, à data Cardeal preconizado, também ele membro da Província dominicana da Irlanda.
 Na verdade – repetimos –, "amor com amor se paga": os dominicanos irlandeses pagaram com amor o amor com que os dominicanos portugueses, cerca de três séculos antes, os acolheram, de braços abertos, em hora tão dolorosa para a martirizada Irlanda católica.
 Actualmente (2008), formam a Província Dominicana de Portugal três conventos: o de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima; o de Cristo Rei, no Porto; e o de S. Domingos, em Lisboa.
 Além destes três conventos, faz parte da Província o Vicariato de Angola com três Comunidades: a de S. Domingos, em Wako Kungo; a de S. Tomás de Aquino, em Luanda, e a de S. Alberto Magno, próximo da Capital angolana.

 Fr. Domingos N. Martins, o.p.

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