sábado, 26 de março de 2011

MEMÓRIAS DE MIM - V

O comboio chegava à estação de Caxarias por volta das cinco da tarde. A primeira vez que ali aportei, carregando o peso leve dos meus onze anos e o medo de ficar longe do meu pequeno mundo, foi em 1955 num qualquer dia da primeira quinzena de Outubro. No comboio da Beira Alta, com as mesmas janelas que o da Beira Baixa, já contávamos cerca de dezena e meia. No nó ferroviário de Pampilhosa, aguardávamos o trem vindo norte que trazia algumas dezenas. Os meninos vestidos de negro, “os estorninhos” no dizer do Zé Celestino, povoavam por completo o cais da gare de Caxarias. Depois, aguardava-se o transporte na carrinha VW, conduzida pelo Ir. Ezequiel, que nos levava até Aldeia Nova. Enquanto isso, deixavam-se os últimos centavos nos matraquilhos do café do largo da estação. Muitas vezes, carregadas as malas na carrinha, formávamos grupos e rumávamos a pé ao encontro do transporte. Na Cavadinha, a terra do Leonel Castelão (o Fenício) e do Manuel Ribeiro (o Boa), uma respeitável senhora, ao ver a trupe dos meninos vestidos de negro, saudava-os do alto do seu alpendre, cantarolando: Alerta, Alerta!... Olé quem passa?... São os soldados de Cristo-Rei… …
Para quem nunca tinha saído da beira do regaço da mãe, não era fácil a adaptação a um mundo novo, com horários, disciplina, formaturas e alguns medos pelo meio. Uns mais outros menos, lá nos íamos segurando e amparando a novas amizades. E assim nos habituámos ao ruído e à luz do “petromax”, aprendemos a ir diariamente à missa e ao terço e, como diz o Armando Alexandrino noutra parte deste blog, “tínhamos que aprender a rezar.” Rapidamente entrámos na rotina dormitório-capela-refeitório-aulas-recreio-estudo. À quinta-feira era feriado!... E que bem que sabiam estas tréguas a meio da semana!... Os recreios eram mais alargados e permitiam especializações em diversos jogos. Recordo o Ribeiro da Cavadinha especialista no “taco”, assim uma espécie do cricket inglês, com campo instalado sob a copa da carvalha e dinamizado, se bem me lembro, pelo Sr. Moisés, um seminarista secular já tonsurado, prestes a ser ordenado que ali exerceu funções de perfeito, e hoje um conceituado e mediático sociólogo que dá pelo nome de Moisés do Espírito Santo. O Filipe Baptista, catedrático no berlinde e o Igreja exímio manobrador do stik nos jogos de hóquei em campo!... E a propósito, lembram-se, os do meu tempo, de um Orlando Manuel Pinto, o Casa Pia, que se dizia o melhor guarda-redes de hóquei? Pudera, a sua avantajada compleição física dava para ocupar toda a pequena baliza e daí que não houvesse espaço para a bola passar!...
E pus-me eu para aqui a divagar, quando só queria recordar uma gripe que por aí andou nesses tempos e que, à falta de identificação do vírus, ficou conhecida por “Gripe Asiática”. Julgo que ela se encontrou com todos nós desse tempo, e daí que os dormitórios do Seminário de Aldeia Nova tenham virado enfermarias lotadas. E aqui eu recordo a equipa de enfermagem, constituída pelo Pinheiro, padre no Canadá segundo creio, e pelo “Sr. Abreu”, o António Abreu dos Santos. Eram de uma dedicação enorme!... Com o Abreu, vamo-nos revendo nos nossos encontros anuais e já conversámos sobre a sua missão de enfermeiro.
Ele, hoje é aniversariante, conforme se assinala noutro local deste blog. Parabéns Abreu e um abraço.

Nelson

2 comentários:

Zé Celestino disse...

Revejo-me totalmente nestas Memórias que o Nelson com a sua nata veia poética nos descreve ao pormenor.

Decorridos que são mais de 50 anos, essas vivências da nosssa adolescência marcaram a nossa personalidade.

Foi o tempo dos nossos sonhos fantasiosos e dos nossos projectos de vida...

Retroagindo a tais vivências, estou certo que todos nós, em geral, concluiremos que a passagem pelos Dominicanos foi um capítulo importantíssimo das nossas vidas,marcante pela compreensão e dignificação do nosso semelhante.


Zé Celestino

Antero disse...

Também me revejo nestas memórias, com a nostalgia que o tempo nos vai bafejando, destas chegadas e partidas de Aldeia Nova:
A madrugadela para apanhar a carreira, a espera do comboio na estação de Celorico, gelada no inverno.... O mesmo comboio da Beira Alta, a aventura da mudança na Pampilhosa,a chegada a Caxarias, os famosos matrecosque não chegavam para as encomendas... a carrinha das malas primeiro e dos "pardais" depois...
A viagem e a camaradagem que nos ligava, com o afluir das várias proveniências/aldeias, de modo a chegarmos em grupo alargado e solidário.
Belo texto do Nelson.
É gratificante olharmos para trás a esta distância.