terça-feira, 22 de abril de 2008

POR ESTA ESTRADA


ESPEREI QUE ABRIL VIESSE...

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.

Sophia de Mello Breyner



Este poema de Sophia diz-nos do 25 de Abril, “onde emergimos da noite e do silêncio”. Ali começava toda a esperança. Uma esperança intemporal que tinha toda a eternidade para se cumprir. E o ar andava cheio de promessas, sonhos e canções. A poesia conquistou as ruas porque vinha aí o tempo do amadurar do trigo e os campos estavam cheios de papoilas.
Então começávamos a tecer a liberdade e à nossa frente abriam-se caminhos, navegávamos por rios e mares desconhecidos e nenhum naufrágio era possível porque não havia distância nem lonjura e as nossas mãos abriam todas as cortinas da manhã.


Mas não. Desfez-se o nevoeiro, surgiram as arestas e D. Sebastião não veio. Breve as estradas desembocaram na noite e os pastores do tempo tomaram conta de todos os caminhos. Era Ali que eu esperava a liberdade, o fim da guerra e da fome. Tinha a certeza de que assim seria. E esperei que Abril viesse, e tão pouco do que eu esperei aconteceu.


Estamos na história. É neste barco que vamos e não noutro. Estamos no reino das coisas imperfeitas. E há homens que sofrem o desemprego, a fome a pobreza. Em três décadas vimos morrer tanto sonho, desvanecer-se tanta esperança. Sabemos que poderia ter sido diferente. Bastava mais querer, menos conformismo. E que os interesses de alguns, poucos, não se tivessem sobrepujado aos de muitos. Bastava que o rotativismo partidário não fosse esta máquina de trucidar o Bem Comum. Bastava que o nosso egoísmo se transformasse em solidariedade.
Mas valeu a pena. Valeu a pena ter estado naquela madrugada e ter habitado, ainda que brevemente a “substância do tempo”. Apesar de tudo, Abril demora ainda em nós e espera Maio.

Eduardo Bento

1 comentário:

Anónimo disse...

É um texto muito bonito ,parabéns Bento ..todos nós os que vivemos o 25 de Abril o revivemos nas sua muitas dimensões..eu estava no convento Dominicano em Fátima ,não sei porquê mas havia um sussurro pelos corredores do convento e uma conspiração latente nos quartos..alguém levara para dentro o que para poucos se fazia ouvir cá fora..e no dia 25 lá estava na televisão a reportagem visualisada dos acontecimentos que todos conhecem..para mim que saí do convento passados 3 meses foi uma dupla transformação:a da saida do universo religiosa e a entrada num mundo civil em ebulição revolucionária que tudo fracturava,as mentes as familias e a sociedade..uma esperança que para muitos acabou num vazio de tudo ,uma liberdade que muitas vezes não servia para nada a não ser para dizermos que eramos livres e podiamos percorrer os nossos ideais..é por essas e por outras é que eu costumo dizer que eu sou de uma geração muito mais fracturante ,ou talvez revolucionária...Eram os tempos do frenesim de destruir tudo o que estava para trás e recomeçar tudo de novo... um abraço ,José Carlos