terça-feira, 20 de setembro de 2011

"A CASA JÁ NÃO ABRIGA VOZES" - poemas de Eduardo Bento


“Era já Setembro.
Vinha aí a coloração das vinhas,
o adormecer do mosto,
o marulhar dos pinheiros.” (1)

“A casa já não abriga vozes” 65 páginas, algumas dezenas de gramas, mas que densidade, que profundidade. Podeis mergulhar, sem medo. Mergulhar no passado no nosso passado, que nunca será triste porque alguém nos espera.
“Mesmo que os teus passos ressoem cada vez mais longe, voltado para o poente, espero o teu regresso”
Hugo Santos diz, na contra capa do último livro do E. B. (1) ” A poesia do Eduardo Bento é, neste livro, uma poesia de memória. A casa está lá, portas e janelas abrem-se para quem, talvez inusitadamente, procura reencontrar emoções que há muito se foram e que trazem consigo a marca indelével dum tempo que é preciso re-haver e, com ele, vozes, rostos, ecos,acenos de solidariedade que marcam ainda, porventura para sempre, a passagem dos dias que nos couberam e nos cabem”
Neste livro, os textos do Eduardo Bento dão vida às fotografias da Margarida Trindade! Fotos de casas em ruina mas que não querem morrer ou estão à espera de uma nova vida... Esta nova vida vem precisamente destas fotos para as quais a Margarida Trindade soube encontra o ângulo justo, a distância apropriada e a luminusidade suficiente. São no entanto os textos, de uma densidade invulgar, que me tocam profundamente e me levam à meditação!

“Doi o abandono da casa.
Apagado o branco da cal,
gasto o reboco,
fica a pedra nua
na aridez da aresta,
uma ferida no tempo.

Há o primeiro musgo na parede.
Um tufo de erva sobre as telhas.
As paredes já não abrigam vozes
nem passos.


O silêncio toma conta de tudo,
pousa as mãos sobre a pedra,
doma o tijolo.

O vento do abandono
deixa um breve trilho
por entre as silvas


Estas casas em ruinas que todos nós conhecemos nas nossas aldeias e que abrigaram vozes, risos e choros. Noites de amor, dias de luto. Nessas casas (ainda são casas?) houve uniões, viveram-se paixões! “Passos de criança embalaram a pedra e o acalento da lareira”
Essas lareiras, foram a melhor escola da minha geração e das que me precederam. Não havia salões nem salas de jantar. O lar era o centro da casa, lugar de comunhão, lugar de ternura... Ali se recebia o pão e a educação.
Este livro leva-me muito para além da “pedra nua” das “pedras que adormeceram” das “paredes de abandono” , “da lisura das paredes”... Vejo e revivo o amor dado e recebido nessa casa que se anima na minha memória. Somos de novo iluminados pelas chamas. O seu calor penetra-nos... O escano abre-nos os braços e o lar está habitado... Sinto que o serão vai prolongar-se pela noite fora!
Obrigado Eduardo Bento por tudo o que escreves e sobretudo por “A casa já não abriga vozes”: poemas densos, que nos procuram uma emoção profunda.
Termino com um poema que não deixarà ninguém insensível, especialmente os que andam por mais longe!... Na verdade andamos todos por caminhos já andados, andamos pelo caminho do regresso...





“Da casa não partimos nunca.
Apenas a
rodeamos, andamos em volta.
Não trilhamos outro caminho que não seja o do
regresso.

A memória prende-se a este chão. Ali
permanecemos ao nascer do sol
ou quando a lua acende no nosso coração
passos de outrora, apagadas
recordações. Vozes.

Todos os mortos se esqueceram de dizer adeus.”(1)


(1) Do Livro “A casa já não abriga vozes” Eduardo Bento, POEMAS
Margarida Trindade FOTOGRAFIAS

Fernando Vaz

1 comentário:

Antero disse...

Caríssimos, autor desta mensagem e autor de "A casa já não abriga vozes":
Respira-se vida e uma nostalgia com emotividade reconfortante, nestas palavras, profundas, que geram uma corrente contagiante.
Já estou na fila para saborear e digerir as palavras, as imagens e a vida, que me lembra as aldeias do interior,nomeadamente a minha, que vão ficando abandonadas e já abrigaram vidas exuberantes, em casas agora arruinadas.
Gostei da exuberância que o Fernando Vaz coloca no texto e como se identifica com a obra comentada.
Abraço para os dois.