Viver Hoje, Recordando Ontem, Construir o Amanhã... Espaço dos Antigos Alunos dos Centros Dominicanos de Aldeia Nova e Fátima
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008
O TEMPORE! O MORES! (Ó tempo das amoras...) III
encontrada em sapo.pt
Quem disse:
- que já não há milagres, - que já não há profetas, - que já não há crentes, - que Deus já não se revela, como noutros tempos, - que a mão de Deus não está à mão de semear?...
A. Alexandrino
5 comentários:
Anónimo
disse...
Um homem destes, vinha mesmo a calhar como primeiro-ministro deste país!... Bem, mas o que me traz aqui, é tão somente transmitir uma achega do Joaquim Moreno, deixada no criarlacos@sapo.pt, dizendo que aconselha a leitura de uma entrevista do nosso Fr. Bento Domingues ao jornal O JOGO, do passado dia 2. Não é um jornal que eu leia, mas vou tentar arranjar. Obrigado J. Moreno.
Aqui estão a ligação directa à entrevista do frei Bento e a respectiva transcrição integral.
"O Diabo é o contrário do símbolo" http://www.ojogo.pt/23-346/artigo686991.asp
Já agora: a PIDE nunca o incomodou? Incomodou, sim! A certa altura - estava eu no Porto e o bispo D. António Ferreira Gomes no exílio - tive de ir para Roma. Por uma sorte extraordinária, veja bem, por ocasião do concílio Vaticano II: foi a maior graça que me podiam fazer! Sabe, sempre estive mesmo antes do 25 de Abril, ligado a associações cívicas, lutei clandestinamente contra a guerra colonial, porque entendo que se o Cristianismo é uma religião de inter-relação, os problemas humanos também são problemas teológicos. Embora eu seja a favor da separação entre a Igreja e o Estado. Mas Cristo também o foi. Por isso eu achar que a intervenção teológica - e eu gosto muito de teologia - tem de estar ligada aos problemas em que todos nós estamos metidos.
Problemas que muitas vezes são terríveis, como pode ver-se sobretudo em África, na Ásia e por aí fora… Qual é para o senhor o papel de Deus nisto tudo? Essa é uma questão muito antiga: a questão do mal! Tive um amigo que dizia que, com a sua vontade e o poder de Deus punha este mundo num brinquinho… Mas eu digo: se fosse ditador, é claro… O problema é que nunca se consegue uma boa explicação para o mal. Nem sob o ponto de vista humano, nem sob o ponto de vista de Deus, dos que acreditam em Deus: como é que Deus permite que exista alguém assim?! Só que de facto não se conhece nenhuma explicação para essa questão - a do mal - em religião nenhuma. Eu não tenho explicação para o mal. Só há uma coisa que sei: que precisamos de tornar a nossa vontade boa! Não apenas procurar ter um raciocínio correcto mas também fortificar a nossa vontade com virtudes. E depois há a regra: não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti. Cristo acrescentou até: faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti! Cristo que morreu a pedir a bênção de Deus para aqueles que o excluíam da sua vida! Agora, apesar de tudo, eu penso que, embora a nossa vida seja extremamente misteriosa, este mundo pode ser organizado de uma forma melhor. Porque acredito na política, nas mediações políticas, na sua correcção permanente. Vivemos numa sociedade aberta, mas tem de haver regras para não permitir extremos. Porque é uma sociedade aberta, aquele fulano pode ganhar 500 vezes mais do que um outro! Ora, eu digo: bastavam 5 vezes, 10, 20, vá lá. Nos Estados Unidos, havia uma grande crítica católica àquele tipo de capitalismo selvagem. Hoje, há grupos de católicos a querem justificar esse capitalismo com o Evangelho!... Ora - e aqui vou falar do Islão - eu entendo que quem não for capaz de combater a actual política americana também não tem autoridade nenhuma para combater o Bin Laden. Não quero demonizar os Estados Unidos, nada disso, mas que há políticas que são imperialistas, há! E penso que, com os modelos que elas desencadeiam, a vida pode tornar-se impossível.
O senhor tem saudades do jovem pastor que foi lá nas Terras de Bouro? Do pastor nem tanto, por mais que eu adore aquilo. Mas é sobretudo através de um olhar de infância, a recordação daquelas montanhas espantosamente bonitas que me davam a sensação, quando estava lá em cima, de poder tocar o céu. Dizia-me: o céu está mesmo rente ao monte! E havia uma espécie de casamento entre o céu e a terra que me inebriava.
Escreveu há tempos que podemos estar no eterno a cada momento. Pergunto-lhe: um poema - um grande poema - pode ser um momento eterno? Exactamente! Principalmente porque está cheio de música e é a música aquilo que mais nos permite a experiência do transcendente.
Qual é o seu verdadeiro nome? Basílio.
E o pastor Basílio nunca fez nenhum poema lá no topo das montanhas, rente ao céu? Não, não tinha jeito nenhum para isso! Fiz na adolescência umas pequenas tentativas mas sempre pensei que uma das coisas más do mundo é escrever-se má poesia. Gosto é de ler, de ouvir, de ouvir a música dos outros.
Já teve algum momento em que se sentiu próximo de morrer? Já, em Nampula, tive uma espingarda encostada à nuca e foi uma coisa muito aflitiva. Mas é verdade: estamos limitados pela morte.
E qual é a sua esperança? Uma coisa que a partir de determinada altura me iluminou a vida foi o capítulo 10º do Evangelho de S. Lucas. 70 discípulos são enviados para pregar e Jesus diz-lhes: alegrai-vos, porque os vossos nomes estão escritos no céu.
Quer dizer que a sua esperança é que o seu nome esteja escrito no céu? Eu tenho essa esperança, mas não só para mim. Porque, por cada um que não está numa boa situação, eu também não posso estar. Tem de haver lugar e memória para as vítimas da História. Agora, há uma coisa muito forte, para além de tudo: é o nosso desejo de viver.
E o senhor também o tem assim tão fortemente? De viver, de viver sempre! Porque saber quem é Deus é um atrevimento, ninguém o sabe. O que sabemos é a partir de nós. Deus também está dentro da nossa fragilidade humana.
Pode dizer-se que o frei Domingues é mais cristão do que católico? Pode dizer-se que sou mais católico por ser cristão! Não ligo muito à colecção de dogmas e de leis e digo que não podemos fazer nem religiões, nem igrejas, nem políticas de excluídos. A função da religião é de religar, juntar. O Diabo, é o contrário do símbolo, é o que nos separa. Ora o que nós queremos é uma vida simbólica, entre o visível e o invisível, entre o que está longe e o que está perto, entre as diversas dimensões da vida humana. Deus não pode fazer tudo: faz o que pode.
Frei Bento Domingues "Deus faz o que pode" ANTÓNIO TAVARES-TELES http://www.ojogo.pt/23-346/artigo686989.asp É natural donde? Do concelho de Terras de Bouro, no Gerês, de uma freguesia chamada Vilar, e de um lugar - Travassos - que só teve estrada, luz eléctrica e telefone em 1980. É mesmo lá na serra.
Alto-minhoto, portanto… Sim, alto-minhoto, que não quero confundir com o minhoto só.
Fez a escola primária na sua aldeia? Fiz.
E jogava à bola? Na minha altura, não havia bola, havia outros jogos, os tradicionais jogos celtas. Era um concelho muito pobre, sem indústria nenhuma. Não havia forma de fazer-se dinheiro. As pessoas viviam de uma agricultura de subsistência.
Quando fez a 4ª classe foi logo para o seminário? Não, era como todos os outros: estava destinado à emigração ou a trabalhar na agricultura. Mas eu gostava mais do pastoreio do que propriamente do trabalho no campo, que não me entusiasmava. Com as ovelhas, andava mais à minha vontade e podia ler. Porque havia por lá alguns livros.
Mas como chegou ao seminário? Vou contar-lhe: tinha uma avó que viu dois dos seus filhos partirem para o Brasil. Um nunca mais regressou, o outro esteve 23 anos sem vir a Portugal. Um deles - mais tarde frei Bernardo - já aqui em Portugal tinha querido entrar para os Franciscanos, só que a minha avó não deixou. Mas pouco tempo depois de chegar ao Brasil - ao Rio de Janeiro - ele acabou por entrar para os Dominicanos. Ora, os Dominicanos brasileiros de todo o mundo estavam na dependência da Província de Toulouse, onde se deslocavam para estudar. Um dia, um, de origem portuguesa, a pedido do meu tio foi a Vilar visitar a minha avó. E era um homem extraordinário, uma alegria de pessoa - morreu muito jovem, coitado com um cancro - mas foi quem fundou a Casa do Operário do Porto, sempre muito empenhado nas questões sociais.
E… E o que aconteceu foi que o pároco da minha aldeia lhe pediu para pregar uma novena na festa da Nª Srª do Livramento. Ele pregou, e eu fiquei extasiado. Porque a religião ali naquele sítio era uma religião de medos: medo do Inferno, medo de tudo! Não era o bem, o amor de Deus, o amor aos outros que orientava o comportamento das pessoas: era o aspecto infernal. Ora esse frade veio falar-nos de um Deus de pura graça, de um Deus de puro amor, um Deus que nos tinha no seu coração. E manifestava uma tal alegria, comunicava com uma tal alegria, que - repito - fiquei extasiado, porque o que ele dizia não tinha nada a ver com aquilo a que eu estava habituado: já desde a cataquese nos assustavam com os inimigos da alma e com o que havia de pior! Fui confessar-me a ele. Ele perguntou-me: o que é que tu queres fazer da tua vida? Eu respondi: quero ser como você! E ele disse-me então: como eu não, porque como eu já existo eu - tens de ser melhor do que sou… Quando acabares a escola - nessa altura eu ainda não tinha feito a 4ª classe - vais ter comigo ao Porto e a gente fala. E fui. Fui para uma escola apostólica - naquele tempo dizia-se escola apostólica, ainda não se dizia seminário - a uns 15 km de Fátima. Uma escola extraordinária, porque se nem todos os professores o eram, vivia-se lá dentro de um ambiente absolutamente fantástico, estava lá gente vinda de toda a parte. Com a sua cultura local, os seus problemas próprios, as suas histórias diferentes das nossas, e estabeleceu-se um clima de alegria que nunca poderei esquecer.
Foi com imenso prazer que lí este texto do frei Bento, como aliás todos os outros. Se já conhecia bem o teólogo e o humanista, fiquei a conhecer melhor o homem, na sua verdade e simplicidade! Ontem, precisamente (que coincidência) passei a tarde a aliviar dois cartões que trouxe de Fátima e de Roma e que não tinha aberto desde 1970... Qual não foi a minha surpresa ao deparar com um curso de Teologia Dogmática, sobre a Criação dirigido em 1966-1967 pelo Frei Bento. São 100 páginas de apontamentos, com muitas folhas policopiadas numa tinta quase vermelha... recordais-vos? Para muitos de nós foi o ano da ‘diáspora’. Imaginai que até encontrei um trabalho sobre: “Que diferença há entre as afirmações mitológicas e as afirmações biblicas da criação”. Permiti que cite uma frase deste trabalho: “Afirmei, e não retiro o que disse, que tomando individualmente as narrativas biblicas da criação, podemos dizer que são narrações mitológicas...” O Frei Bento gratificou-me com 15/20 e fez o seguinte comentário: “As narrações do génesis, são o prefácio a uma história progressiva (sublinhado no original) não regressiva. Embora haja momentos regressivos, não são os dominantes.” Durante quarenta anos não abri estes cartões! Ora, depois de ter passado uma tarde a reviver, com uma nostalgía não dissimolada, esses momentos do meu e nosso passado, abro o blog e deparo com estes textos do Frei Bento... Obrigado ao nosso BLOG, Fernando.
Transcrição da entrevista do frei Bento (Basílio em Aldeia Nova, "Escola Apostótica", antes de ser "Seminário", "Colégio de São Domingos", "Casa" e "Centro"):
"...Fui para uma escola apostólica - naquele tempo dizia-se escola apostólica, ainda não se dizia seminário - a uns 15 km de Fátima. Uma escola extraordinária, porque se nem todos os professores o eram, vivia-se lá dentro de um ambiente absolutamente fantástico, estava lá gente vinda de toda a parte. Com a sua cultura local, os seus problemas próprios, as suas histórias diferentes das nossas, e estabeleceu-se um clima de alegria que nunca poderei esquecer...".
5 comentários:
Um homem destes, vinha mesmo a calhar como primeiro-ministro deste país!...
Bem, mas o que me traz aqui, é tão somente transmitir uma achega do Joaquim Moreno, deixada no criarlacos@sapo.pt, dizendo que aconselha a leitura de uma entrevista do nosso Fr. Bento Domingues ao jornal O JOGO, do passado dia 2. Não é um jornal que eu leia, mas vou tentar arranjar.
Obrigado J. Moreno.
Aqui estão a ligação directa à entrevista do frei Bento e a respectiva transcrição integral.
"O Diabo é o contrário do símbolo"
http://www.ojogo.pt/23-346/artigo686991.asp
Já agora: a PIDE nunca o incomodou?
Incomodou, sim! A certa altura - estava eu no Porto e o bispo D. António Ferreira Gomes no exílio - tive de ir para Roma. Por uma sorte extraordinária, veja bem, por ocasião do concílio Vaticano II: foi a maior graça que me podiam fazer! Sabe, sempre estive mesmo antes do 25 de Abril, ligado a associações cívicas, lutei clandestinamente contra a guerra colonial, porque entendo que se o Cristianismo é uma religião de inter-relação, os problemas humanos também são problemas teológicos. Embora eu seja a favor da separação entre a Igreja e o Estado. Mas Cristo também o foi. Por isso eu achar que a intervenção teológica - e eu gosto muito de teologia - tem de estar ligada aos problemas em que todos nós estamos metidos.
Problemas que muitas vezes são terríveis, como pode ver-se sobretudo em África, na Ásia e por aí fora… Qual é para o senhor o papel de Deus nisto tudo?
Essa é uma questão muito antiga: a questão do mal! Tive um amigo que dizia que, com a sua vontade e o poder de Deus punha este mundo num brinquinho… Mas eu digo: se fosse ditador, é claro… O problema é que nunca se consegue uma boa explicação para o mal. Nem sob o ponto de vista humano, nem sob o ponto de vista de Deus, dos que acreditam em Deus: como é que Deus permite que exista alguém assim?! Só que de facto não se conhece nenhuma explicação para essa questão - a do mal - em religião nenhuma. Eu não tenho explicação para o mal. Só há uma coisa que sei: que precisamos de tornar a nossa vontade boa! Não apenas procurar ter um raciocínio correcto mas também fortificar a nossa vontade com virtudes. E depois há a regra: não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti. Cristo acrescentou até: faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti! Cristo que morreu a pedir a bênção de Deus para aqueles que o excluíam da sua vida! Agora, apesar de tudo, eu penso que, embora a nossa vida seja extremamente misteriosa, este mundo pode ser organizado de uma forma melhor. Porque acredito na política, nas mediações políticas, na sua correcção permanente. Vivemos numa sociedade aberta, mas tem de haver regras para não permitir extremos. Porque é uma sociedade aberta, aquele fulano pode ganhar 500 vezes mais do que um outro! Ora, eu digo: bastavam 5 vezes, 10, 20, vá lá. Nos Estados Unidos, havia uma grande crítica católica àquele tipo de capitalismo selvagem. Hoje, há grupos de católicos a querem justificar esse capitalismo com o Evangelho!... Ora - e aqui vou falar do Islão - eu entendo que quem não for capaz de combater a actual política americana também não tem autoridade nenhuma para combater o Bin Laden. Não quero demonizar os Estados Unidos, nada disso, mas que há políticas que são imperialistas, há! E penso que, com os modelos que elas desencadeiam, a vida pode tornar-se impossível.
O senhor tem saudades do jovem pastor que foi lá nas Terras de Bouro?
Do pastor nem tanto, por mais que eu adore aquilo. Mas é sobretudo através de um olhar de infância, a recordação daquelas montanhas espantosamente bonitas que me davam a sensação, quando estava lá em cima, de poder tocar o céu. Dizia-me: o céu está mesmo rente ao monte! E havia uma espécie de casamento entre o céu e a terra que me inebriava.
Escreveu há tempos que podemos estar no eterno a cada momento. Pergunto-lhe: um poema - um grande poema - pode ser um momento eterno?
Exactamente! Principalmente porque está cheio de música e é a música aquilo que mais nos permite a experiência do transcendente.
Qual é o seu verdadeiro nome?
Basílio.
E o pastor Basílio nunca fez nenhum poema lá no topo das montanhas, rente ao céu?
Não, não tinha jeito nenhum para isso! Fiz na adolescência umas pequenas tentativas mas sempre pensei que uma das coisas más do mundo é escrever-se má poesia. Gosto é de ler, de ouvir, de ouvir a música dos outros.
Já teve algum momento em que se sentiu próximo de morrer?
Já, em Nampula, tive uma espingarda encostada à nuca e foi uma coisa muito aflitiva. Mas é verdade: estamos limitados pela morte.
E qual é a sua esperança?
Uma coisa que a partir de determinada altura me iluminou a vida foi o capítulo 10º do Evangelho de S. Lucas. 70 discípulos são enviados para pregar e Jesus diz-lhes: alegrai-vos, porque os vossos nomes estão escritos no céu.
Quer dizer que a sua esperança é que o seu nome esteja escrito no céu?
Eu tenho essa esperança, mas não só para mim. Porque, por cada um que não está numa boa situação, eu também não posso estar. Tem de haver lugar e memória para as vítimas da História. Agora, há uma coisa muito forte, para além de tudo: é o nosso desejo de viver.
E o senhor também o tem assim tão fortemente?
De viver, de viver sempre! Porque saber quem é Deus é um atrevimento, ninguém o sabe. O que sabemos é a partir de nós. Deus também está dentro da nossa fragilidade humana.
Pode dizer-se que o frei Domingues é mais cristão do que católico?
Pode dizer-se que sou mais católico por ser cristão! Não ligo muito à colecção de dogmas e de leis e digo que não podemos fazer nem religiões, nem igrejas, nem políticas de excluídos. A função da religião é de religar, juntar. O Diabo, é o contrário do símbolo, é o que nos separa. Ora o que nós queremos é uma vida simbólica, entre o visível e o invisível, entre o que está longe e o que está perto, entre as diversas dimensões da vida humana. Deus não pode fazer tudo: faz o que pode.
A outra parte da entrevista es tá aqui:
Frei Bento Domingues
"Deus faz o que pode"
ANTÓNIO TAVARES-TELES
http://www.ojogo.pt/23-346/artigo686989.asp
É natural donde?
Do concelho de Terras de Bouro, no Gerês, de uma freguesia chamada Vilar, e de um lugar - Travassos - que só teve estrada, luz eléctrica e telefone em 1980. É mesmo lá na serra.
Alto-minhoto, portanto…
Sim, alto-minhoto, que não quero confundir com o minhoto só.
Fez a escola primária na sua aldeia?
Fiz.
E jogava à bola?
Na minha altura, não havia bola, havia outros jogos, os tradicionais jogos celtas. Era um concelho muito pobre, sem indústria nenhuma. Não havia forma de fazer-se dinheiro. As pessoas viviam de uma agricultura de subsistência.
Quando fez a 4ª classe foi logo para o seminário?
Não, era como todos os outros: estava destinado à emigração ou a trabalhar na agricultura. Mas eu gostava mais do pastoreio do que propriamente do trabalho no campo, que não me entusiasmava. Com as ovelhas, andava mais à minha vontade e podia ler. Porque havia por lá alguns livros.
Mas como chegou ao seminário?
Vou contar-lhe: tinha uma avó que viu dois dos seus filhos partirem para o Brasil. Um nunca mais regressou, o outro esteve 23 anos sem vir a Portugal. Um deles - mais tarde frei Bernardo - já aqui em Portugal tinha querido entrar para os Franciscanos, só que a minha avó não deixou. Mas pouco tempo depois de chegar ao Brasil - ao Rio de Janeiro - ele acabou por entrar para os Dominicanos. Ora, os Dominicanos brasileiros de todo o mundo estavam na dependência da Província de Toulouse, onde se deslocavam para estudar. Um dia, um, de origem portuguesa, a pedido do meu tio foi a Vilar visitar a minha avó. E era um homem extraordinário, uma alegria de pessoa - morreu muito jovem, coitado com um cancro - mas foi quem fundou a Casa do Operário do Porto, sempre muito empenhado nas questões sociais.
E…
E o que aconteceu foi que o pároco da minha aldeia lhe pediu para pregar uma novena na festa da Nª Srª do Livramento. Ele pregou, e eu fiquei extasiado. Porque a religião ali naquele sítio era uma religião de medos: medo do Inferno, medo de tudo! Não era o bem, o amor de Deus, o amor aos outros que orientava o comportamento das pessoas: era o aspecto infernal. Ora esse frade veio falar-nos de um Deus de pura graça, de um Deus de puro amor, um Deus que nos tinha no seu coração. E manifestava uma tal alegria, comunicava com uma tal alegria, que - repito - fiquei extasiado, porque o que ele dizia não tinha nada a ver com aquilo a que eu estava habituado: já desde a cataquese nos assustavam com os inimigos da alma e com o que havia de pior! Fui confessar-me a ele. Ele perguntou-me: o que é que tu queres fazer da tua vida? Eu respondi: quero ser como você! E ele disse-me então: como eu não, porque como eu já existo eu - tens de ser melhor do que sou… Quando acabares a escola - nessa altura eu ainda não tinha feito a 4ª classe - vais ter comigo ao Porto e a gente fala. E fui. Fui para uma escola apostólica - naquele tempo dizia-se escola apostólica, ainda não se dizia seminário - a uns 15 km de Fátima. Uma escola extraordinária, porque se nem todos os professores o eram, vivia-se lá dentro de um ambiente absolutamente fantástico, estava lá gente vinda de toda a parte. Com a sua cultura local, os seus problemas próprios, as suas histórias diferentes das nossas, e estabeleceu-se um clima de alegria que nunca poderei esquecer.
Foi com imenso prazer que lí este texto do frei Bento, como aliás todos os outros. Se já conhecia bem o teólogo e o humanista, fiquei a conhecer melhor o homem, na sua verdade e simplicidade!
Ontem, precisamente (que coincidência) passei a tarde a aliviar dois cartões que trouxe de Fátima e de Roma e que não tinha aberto desde 1970... Qual não foi a minha surpresa ao deparar com um curso de Teologia Dogmática, sobre a Criação dirigido em 1966-1967 pelo Frei Bento. São 100 páginas de apontamentos, com muitas folhas policopiadas numa tinta quase vermelha... recordais-vos? Para muitos de nós foi o ano da ‘diáspora’. Imaginai que até encontrei um trabalho sobre:
“Que diferença há entre as afirmações mitológicas e as afirmações biblicas da criação”. Permiti que cite uma frase deste trabalho: “Afirmei, e não retiro o que disse, que tomando individualmente as narrativas biblicas da criação, podemos dizer que são narrações mitológicas...” O Frei Bento gratificou-me com 15/20 e fez o seguinte comentário: “As narrações do génesis, são o prefácio a uma história progressiva (sublinhado no original) não regressiva. Embora haja momentos regressivos, não são os dominantes.”
Durante quarenta anos não abri estes cartões! Ora, depois de ter passado uma tarde a reviver, com uma nostalgía não dissimolada, esses momentos do meu e nosso passado, abro o blog e deparo com estes textos do Frei Bento... Obrigado ao nosso BLOG, Fernando.
Transcrição da entrevista do frei Bento (Basílio em Aldeia Nova, "Escola Apostótica", antes de ser "Seminário", "Colégio de São Domingos", "Casa" e "Centro"):
"...Fui para uma escola apostólica - naquele tempo dizia-se escola apostólica, ainda não se dizia seminário - a uns 15 km de Fátima. Uma escola extraordinária, porque se nem todos os professores o eram, vivia-se lá dentro de um ambiente absolutamente fantástico, estava lá gente vinda de toda a parte. Com a sua cultura local, os seus problemas próprios, as suas histórias diferentes das nossas, e estabeleceu-se um clima de alegria que nunca poderei esquecer...".
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