quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

UM MURRO QUE ATRAVESSOU PAREDES

 

        Chegou-me pelo correio o DVD de “O Casarão”, que havia encomendado a uma distribuidora. Deixei-o repousar por umas horas para que as poeiras, acumuladas ao longo de cerca de setenta anos, se acalmassem.

         Já o vi e hei-de revê-lo por muitas vezes mais, como forma de acalmar as saudades e os sonhos de um tempo sem tempo.

         Se gostei? – Não era o que sonhava mas gostei de visitar espaços meus e nossos, com aquele instinto possessivo tão característico dos que viveram e amaram cada recanto daquela Velha Casa tão abandonada e esquecida e que o Filipe Araújo trouxe à nossa presença.

         Avivou-me a memória e dei comigo a rememorar a Academia Fr. João de S. Tomás, de que fui vice-presidente, sendo presidente o Fernando Vaz e secretário o António da Silva Ferreira. Como se diz no filme, já havia uns arreganhos de democracia, pois a direcção da academia era eleita por sufrágio do universo dos alunos.

         Recuando a esse tempo, idos de 1959/60 do século passado, tinha sido ‘destacado’  para Aldeia Nova o Fr. Miguel, que muito nos falou de Escutismo, de Baden Powell e de todos os proveitos que os jovens poderiam arrecadar com a implementação daquele movimento tão talhado para os rapazes de Aldeia Nova. De resto e se bem me lembro, o pai do Fr. Miguel era dirigente nacional do CNE. Felizmente, ele ainda aí está para confirmar ou corrigir. Todavia, ainda não era bem aceite tal movimento no universo da comunidade docente, onde ainda pontificava como director o Fr. Luís Cerdeira.

Se bem se recordam os meus confrades e contemporâneos, as sessões da academia compunham-se de discursos, poesia, leituras, canto, pequenas representações teatrais e no final havia sempre críticos previamente indigitados. Numa das sessões, coube-me a mim fazer o discurso e para tema escolhi precisamente o Escutismo. Preparei-me convenientemente como era exigido, pesquisei, investiguei e lá elaborei o meu trabalho. No decurso da apresentação, e uma vez que o tema representava, de certo modo uma luta do colectivo, empolguei-me e quando citei uma máxima de Tihamer Tóth dei um murro na mesa que nos servia de púlpito. Essa minha atitude gerou algum pasmo e espanto e mereceu apreciação positiva dos críticos, que a minha memória já não guarda quem foram.

         Havia, suponho que com regularidade semanal, a reunião ‘capitular´ do corpo docente, onde tudo era sentenciado – o aproveitamento escolar, os castigos e onde eram ditadas as expulsões. Dias decorridos, diz-me o querido e saudoso amigo Fr. João Domingos, que a todos tratava com extrema elevação: Nelson, o seu murro na mesa da academia, ouviu-se na reunião!...

Nelson Veiga


4 comentários:

Unknown disse...

Boa recordação, Nelson!

A Academia foi um dos eventos que me ajudou a desenvolver competências e de que tenho lembranças tão positivas, ainda que já bastante tênues! Lembro-me das declarações gesticuladas nos sonetos de Camões, das representações dos autos de Gil Vicente e até do poema de João Cabral de Melo Neto - Morte e
Vida Severina, de todos eles mantendo ainda a memória de muitos excertos!

Da pesquisa que tenho feito não descobri, no entanto, quaisquer registos sobre a mesma.

Tinha a ideia que haveria livro de actas daquelas sessões, mas provavelmente estarei a fazer confusão.

Deixaria aqui o repto no sentido de recuperação de memórias que pudessem compor minimamente um retrato do que foi a Academia!




Manuel Mendes disse...

Esqueci-me de me identificar e vi agora que surjo como anónimo, coisa a que não sou dado...

Aqui fica, assim, a minha identificação - Manuel Mendes

Nelson disse...

Bom dia Manuel Mendes!
Havia livro actas e de resto as sessões da academia iniciavam-se sempre com a leitura e aprovação da acta da sessão anterior. Tenho ideia de, em meados da década de 70, ter passado por Aldeia Nova para retribuir uma visita que o Fr. Alberto Carvalho me havia feito. Ao tempo funcionava por lá uma extensão, suponho que da "Obra da Fr. Gil" e o Pe. Alberto era o responsável pela casa e pela rapaziada. Ficou-me na memória um livro de actas da academia que ele me mostrou e que se reportavam ao meu tempo. Por lá ficou, pois tão pouco me atrevi a sugerir trazê-lo comigo. Adivinhasse eu!...

Manuel Branco Mendes disse...

Obrigado pela informação, Nelson!

Vou tentar contactar o Armando, nosso vizinho e fiel guardião, talvez ele me consiga elucidar.

Em função do quele me puder dizer ou não, tentarei os aquivos de Fátima e, em último caso, irei no rasto da 'Obra do fr. Gil'.