sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Intervenção do nosso companheiro Zé Ribeiro, na entrega do prémio Pedro Hispano ao também nosso companheiro Prof. Doutor Fr. Francolino Gonçalves



Caros confrades da Academia Pedro Hispano,

Senhor Dr. Domingos Silva, ilustre representante do Casino da Figueira da Foz,

Minhas senhoras e meus senhores,


Permitam que em primeiro lugar refira o quanto me sinto honrado por integrar a Academia Pedro Hispano, que me deu a possibilidade de ter participar na escolha do Premiado de hoje, o Professor Doutor Francolino José Gonçalves, colega e amigo na infância e na juventude naqueles dias já distantes em que ambos frequentámos o Seminário de Aldeia Nova (no concelho de Ourém) e o Convento de Fátima, vindos de aldeias tão separadas no espaço, eu de Alburitel (Ourém) e o Francolino, de Corujas, em Trás-os Montes.

A minha primeira nota é para o papel pouco estudado e pouco reconhecido da Igreja na educação de muitas gerações de crianças, a maior parte oriundas de famílias pobres.

Da Vida e da Obra do Premiado falarão muito melhor do que eu o Frei Bento Domingues e o próprio Professor Doutor Francolino José Gonçalves.

Vou, portanto, ater-me àquele “território sagrado” da infância e da juventude para partilhar convosco algumas memórias desses tempos. O Eduardo Bento, colega e amigo aqui presente, disse num dos nossos Encontros de Ex-alunos dominicanos realizado em Fátima que “nós fomos todos pais e mães uns dos outros”...É por isso que os laços e os afectos que nos unem são indestrutíveis...

A minha memória é muito selectiva e muito daquilo que me (nos) afectou negativamente “varreu-se-me” como diz Aquilino Ribeiro também a propósito da sua passagem pelo Seminário. Quero, no entanto, deixar bem claro que devo aos Dominicanos o terem-me aberto um caminho que também me permitiu estar aqui hoje!...

Irei partilhar convosco alguns episódios mais marcantes! De Aldeia Nova retenho a memória de um regime austero, que começava logo por volta das 6 horas da manhã com aquele “Benedicamus Domini” a que respondíamos com o “Deo Gratias” e logo corríamos para os lavatórios e depois para a Capela, local omnipresente, uma enorme Sala de aulas, os Petromax (não havia luz eléctica!), o grande refeitório onde comíamos em silêncio ( e onde se liam livros cheios de virtudes!), as abençoadas horas do recreio cheias de jogos, especialmente de futebol, e aquela magnífica paisagem circundante cheia de hortas, vinhedos e pinhais.

Neste ambiente e nestas circunstâncias o Francolino Gonçalves foi sempre o melhor aluno do nosso Curso. Aplicado, brilhante, é assim que o recordo nesses tempos difíceis em que pontificava um Director, que veio do Seminário da Guarda e desta forma se percebe o tipo de regime educativo que tentou implantar em Aldeia Nova e que não andava muito longe daquele que Vergílio Ferreira tão bem descreve no seu livro “Manhã Submersa”! Mas felizmente que também tínhamos a bondade do P. Tomás, o P. Clemente Oliveira, um homem bom e muito ingénuo, que possuía uma galena e nos permitia ouvir os relatos de Hóquei em Patins naqueles gloriosos tempos da nossa Selecção Nacional, (tradutor pouco conhecido de “Os Lusíadas” para latim), o P. Armindo, a total cumplicidade com os alunos do P. Bernardo, irmão do nosso confrade Frei Bento Domingues.

Cheguei ao P. Bernardo para vos contar que foi graças a esta cumplicidade que um restrito grupo de alunos, onde estava o Francolino, o Chico Pinheiro (que já não está entre nós), o Bispo (de nome!), eu próprio, e creio que o Lines, resolvemos lançar um jornal clandestino, escrito à mão em várias cópias e que (calculem!) ostentava o sugestivo título de “PÓLVORA”! Foi uma grande “pedrada no charco”...

Não ficou por aqui a nossa rebeldia. Noutra ocasião fomos nomeados pelo P.Armindo para a Direcção da Academia Literária que organizava récitas e pequenas representações teatrais, o Francolino, este vosso amigo e pelo menos mais um colega, cujo nome não recordo agora e a nossa decisão transmitida ali mesmo foi a da recusa e a da exigência que todos os alunos pudessem votar livremente os nomes que entendessem! Assim se fez! Os alunos, por votação secreta, entenderam reconduzir os nossos nomes.

Por último, recordo talvez aquele que foi o gesto mais difícil e complicado já no nosso 5º. Ano de Aldeia Nova. Um colega nosso, creio que se chamava Valdemar, entendeu que a qualidade do conteúdo das pipas da adega era excelente, até porque aquele era o vinho utilizado nas missas e sozinho infiltrou-se junto de uma das pipas e no regresso vinha a cambalear e muito alegre!... O Director aplicou-lhe o castigo máximo: expulsão do Seminário. Em resposta o nosso 5º. Ano produziu um texto subscrito pela totalidade dos alunos e entregue ao Director a exigir a anulação da expulsão sob pena de todos se considerarem expulsos...

Recordo a vinda de Fátima do Provincial e de mais 2 ou 3 carros com outros Padres para análise da rebelião! … Ganhámos esta batalha! Mas como eu era o primeiro signatário fui chamado a sós ao Gabinete do P. Luís Cerdeira, o nosso Director, para ouvir um tremendo “sermão” que terminava com esta sentença: “o menino é um vivo diabo!”... Não me traumatizou muito porque era coisa que a minha mãe, analfabeta mas inteligente, não me tivesse já dito mais de uma vez!...

Interrogo-me agora sobre as consequências no caso de termos perdido este confronto...Talvez aqui não estivéssemos hoje e talvez o Professor Doutor Francolino Gonçalves não pudesse ser o brilhante Investigador e Professor da Escola Bíblica e Arqueológica de Jerusalém e membro da Comissão Bíblica Pontifícia por nomeação do Papa Bento XVI. Ou então esta incomodidade, esta capacidade de lutar contra as injustiças, a resistência, a resiliência, tenham tido um papel fundamental na nossa forma de ver o mundo e as coisas.

Terminarei com a honrosa incumbência de transmitir ao nosso Premiado, o Professor Doutor Francolino José Gonçalves, um abraço fraterno de muitos ex-alunos de Aldeia Nova e Fátima que me contactaram expressamente para lhe dizer o quanto se sentem (nos sentimos) honrados com a sua Vida e a sua Obra e que todos o acompanham em espírito no dia em que recebe tão honrosa distinção!

Muito obrigado, Francolino! Até Sempre!

José Antunes Ribeiro, 19/11/2011, Figueira da Foz

1 comentário:

Antero disse...

Conheci o Frei Francolino Gonçalves num curso que ministrou no convento dos Dominicanos em Lisboa, relativo a uma matéria, para mim muito nebulosa e complexa, que era o antigo testamento e os diversos livros do antigo testamento. Surpreendeu-me a sabedoria e a forma simples e intuitiva como abordou e aclarou esses temas.
Bravo Frei Francolino Gonçalves pelo marcante percurso.
Bravo Zé Ribeiro por nos lembrares como aprendemos a ser gente e solidários.
Regozijo-me de ter caminhado pelos vossos caminhos de Aldeia Nova uns anos mais tarde.
Antero