sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Este poema do Garret, oferecido pelo Alexandrino, pode ter alguma semelhança com o nosso percurso...

AS MINHAS ASAS

Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um Anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.

– Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.

Veio a cobiça da terra.
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.

– Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para mas cortar
Davam-me poder e glória
Por nenhum preço as quis dar.

Porque as minhas asas brancas,
Asas que um Anjo me deu,
Em me eu cansando da terra
Batia-as, voava ao céu.

Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,

– Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.

E as minhas asas brancas,
Asas que um Anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.

Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!

– Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.

E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

Almeida Garrett
(in «Flores sem Fruto»)(Porto, 1799-1854)

3 comentários:

Anónimo disse...

Da-me ideia que o Garret não consegue ultrapassar a separação entre um amor mais espiritual feito Ideia e ascenção para um alto ideal e o amor carnal e sensual feito contacto fisico..nesta separão e impossibilidade de união dos dois andamos todos nós..Há quem diga mesmo ( os mais venais e os mais ascetas) que os dois são antagónicos e um impede outro..eu para mim afirmo que o Encontro amoroso entre nós está e faz parte da nossa natureza e é algo que se impõe ao homem e mulher...pode ser perdição , mas também pode ser regeneração..sofredores por esta contradição , não podemos permitir que ela nos vença e assim tenhamos que amaldiçoar o corpo para bendizer o espirito e o ideal..A cobiça e a ambição não tiraram as asas do poeta , mas a luz ilusório do amor carnal essa consegue fazer o mal que os outros não terão conseguido..Para um Almeida Garret que sempre se dedicou ao amor fisico e tantas mulheres amou (talvez umas idealmente e outra apenas fisicamente) isso é sinal da nossa cultura dicotómica e dividida entre o corpo e o espirito..ainda estamos á espera do poeta que faça a sintese ..o cristianismo convive muito mal com esta separação ou pelo menos os cristão de todos os tempos até aos dias de hoje..O papa Bento XVI na sua enciclica "Deus Carita EST" bem procura afirmar que o amor cristão (Agapé) não é inimigo do amor erótico (Eros)..ainda que eu concorde com muito do que vem escrito nesse texto ainda lá falta muito mais (no meu entender )para que aquela afirmação seja verdadeira..Temas como o "pecado original"..O sexto mandamento , o nono mandamento,a virgindade e a castidade , o celibato dos religiosos .o entendimento do que seja pecado mortal e venial aplicado aos comportamentos sexuais , o proprio conceito de pecado que acho que está muito mal digerido pelos cristãos (vão ao catecismo e vejam lá o que se entende por pecado)..a influencia moral que damos aos jovens e crianças , a educação sexual nas escolas , o saber o que é a saude sexual e como mante-la ,tudo o que a ciencia nos vai dando a conhecer sobre a sexualidade humana..é portanto fácil que os poetas reflictam tudo isto.. josé Carlos Amado

Isidro disse...

Felicitações pelo teu método de abordagem José Carlos. Mas não esperes grande coisa dos poetas, ainda que o poema em questão esteja bem escolhido como um dos poemas de cada vida.

Anónimo disse...

Este tema do amor fisico tem demasiado importancia e merecia mais comentários , sobretudo de antigos seminaristas que de alguma forma têm de lidar com as coisas de cá e de lá (pelo menos aqueles que mantêm a fé)..Já me foi feita a pergunta acerca da minha opinião acerca disso e eu só não a dei , não por causa de não estar à vontade ou de defender a minha privacidade mas apenas porque a resposta é demasiado complexa e ...Noutra altura eu poderei fazer um artigo de fundo sobre o assunto..mas um livro era melhor..De qualquer maneira esse assunto assim visto perde logo pela falta de naturalidade do caso..Pelo memos num esforço de razão e chamarei à atenção que aquilo que nós defendemos não venha a destruir a sexualidade dos jovens que com mais força e determinação acreditam no ideal cristão (?) e o pratiquem e até sejam puros e porventura virtuosos..Esses jovens merecem todo o nosso respeito e não nos podemos dar ao luxo de os tornarmos uns incapazes se tal caminho for por eles desejado...De qualquer modo acerca do poema sobre o amor erótico parece-me bem que a biblia nesse caso está bem mais evoluida que o nosso Almeida Garret e se não é verdade corrijam--me mas o livro "O Cantico dos Canticos" (segundo a opinião de muitos padres ,mas corrijam-me se não é verdade) será esse poema ao amor erótico..Aquilo que vejo retractado no poema de Garret é algo que é comum a muitos seres humanos e que realmente pode acontecer e de facto haver uma queda por causa do amor erótico..mas não me digam que isso será uma coisa especifica dos ex-seminaristas (que todavia poderão ter os seus problemas especificos) mas isso que ai está retratado repito é uma experiência que nos irmana com o comum dos seres humanos e que cada qual pode ter no seu trajecto.
Obrigado pela vossa atenção

José Carlos Amado