Fez parte da turma de 1964-1969.
Não me recordo se foi parar a Aldeia Nova depois de estar em Lisboa ou se directamente das terras de Freixianda. A ideia que tenho é que já era mais evoluído e aparentava mais as características de citadino do que nós, os “ratinhos”, que chegávamos da Beira.
Não concluiu os cinco anos previstos. A meio da caminhada, por razões de vocação foi “recambiado”.
O seu olhar e a sua atenção começaram a desviar-se veementemente para uma daquelas raparigas que, embora poucas e bem comportadas, davam nas vistas para os rapazolas que nós éramos.
Por cá continuou a estudar. Encontrei-o, anos mais tarde, por intermédio do João de Melo, uma vez que já tinham sido colegas.
Foram muitas as oportunidades de convívio, almoços, umas férias completas, em família, durante 24 dias pelas ilhas dos Açores.
O Faustino apreciava a vida, repescava nas nossas conversas, a cada passo, as peripécias da passagem por Aldeia Nova, até ao ínfimo pormenor, com todas as características de um saudosista.
Não tenho dúvidas de que ele seria um fanático deste blog, fruindo e participando, activando o companheirismo, a amizade e a fraternidade.
A última vez que estive longamente com ele foi no dia do casamento da filha mais nova. A felicidade do momento, a sua expansividade e coração grande, submergiram completamente a doença que já então o preocuparia.
Foi assim, de repente, que tive a notícia de partida deste amigo de que já falei aqui duas ou três. Foi exactamente há dois anos. Relembro com muita tristeza tal dia, mas com o orgulho de ter sido um bom amigo e com as saudades da fraternidade de muitos e bons momentos.
Antero Monteiro
8 comentários:
Lembro-me bem do sorridente Faustino, "tombado" no 3.º ano, em 1966/67, mais por causa de uma turbulenta transição para a Álgebra que por causa das raparigas até porque ele não era nada parvo, a ponto de se deixar apanhar em interpretações complexas. Com perfis muito semelhantes, devem lembrar-se do Luís Guedes, por outros, que se aguentou até ao 5.º ano, sem nenhuma dificuldade e, talvez mais fogoso, o Farinha, que se aguentou nas calmas até ao 7.º ano. Lembro-me bem de mais? - Paciência.
Não vou demorar-me sobre este detalhe, mas aproveito para referir que, no 3.º ano, ninguém teve dificuldades em entrar na Geometria mas todos tivemos dificuldades em entrar na Álgebra - eu, por exemplo, demorei 2 meses e, em primeira mão vos digo, vim a ter certo status, apenas porque alguém descobriu, sem a minha permissão, que eu tinha ajudado, directamente, 3 ou 4 colegas a conseguir o mesmo quando já estavam em risco de lhes acontecer o mesmo que ao Faustino e, no passado, a outros.
No entanto eu, que era, nas classificações formais, o melhor em Matemática (Álgebra + Geometria), nem sequer fui um dos mais rápidos a entrar nesta última. O Faustino, o Domingos e o Guerra, por exemplo, foram mais rápidos que eu. Lembro-me de outros que, nesta base, me serviriam de referência para compreender, um pouco antes do tempo, certas diferenças individuais, base de que viria a fazer uso extensivo, "pro bono", algum tempo mais tarde, não só nos 2 anos em Fátima, mas, sobretudo, depois de sair para a minha própria vida.
Na data de abertura do ano lectivo de 1964/65, o Faustino estava entre os 5 a 10 % de novos alunos que não tinham, ou pareciam não ter a interioridade do país completamente estampada no seu porte do dia-a-dia. Três anos depois, quando ele saiu, já não havia ninguém, ou quase ninguém verdadeiramente rural, porque a vida de internato, em 8 meses por ano, com uma forte disciplina colectiva, teve efeitos de harmonização dos comportamentos, com reflexos no fácies, na coluna vertebral direita, nos ombros para fora, na barriga encolhida, na fala com a boca bem aberta e correspondente dicção mais perfeita.
Não era por acaso que, no futebol, era obrigatório passar a bola. Nem um génio do "drible", como o Américo, evitou algumas repreensões por manter a bola nos pés e na cabeça durante tempo a mais, embora isso tenha acabado quando, a seguir a certo jogo com uma equipa de fora, em que ele comprou os seus direitos individuais com 3 golos nos 20 minutos finais.
Continuação
Ainda assim, tenho como certeza absoluta, com pouco uso, que foi a recusa de certa normalização do "andorinha" que o levou a sair mais cedo. Tal e qual o Faustino, no mesmo ano de 1966/67. O entusiasmo contagiante que o Antero reporta ao Faustino di-lo com clareza. Eles, como outros que já ouvi, tiveram a noção de que, ao sairem sem saberem bem porquê, lhes ficou incompleta qualquer coisa que tinham iniciado. É como muitas camaradagens do tempo de tropa.
Este exemplo é muito pequenino, mas parece-me representativo das particularidades daquela vida de internato, na nossa formação liceal pura e dura que, a fazer fé nas descrições existentes neste blogue, começou muitos anos antes de o Seminário se ter tornado, em 1965/66, uma verdadeira Secção de Ensino Particular Doméstico do Liceu Nacional de Leiria - dêem-me o crédito de acreditarem que estou a fazer a minha melhor descrição e não a queixar-me de qualquer tipo de pele de galinha, mal de que nunca sofri, nem por fora, nem por dentro.
As acções de harmonização de comportamentos atravessavam todas as escolas desse tempo e continuam a ser, na actualidade, um padrão, com excepções, é claro, também por segmentos, principalmente desde que os computadores invadiram os sistemas de ensino, de vida e de formação, até porque os desvios metódicos eram e são literalmente muito caros, com e sem ajuda do Banco Mundial.
Um abraço e os meus créditos para todos os mencionados, directa e indirectamente
P.S.
Tendo acabado de ler que o Provincial da Província Dominicana Portuguesa em 1966/69 (restaurada em 1964) era o frei Raul Rolo, deixo-lhe um abraço por lhe agradecer, como a outros, a "culpa" de permitir, à distância, que passássemos a fazer exames no Liceu; aqui ao lado está outro culpado do mesmo, o Toninho; Em Angola está outro culpado, o frei João Domingos; No Convento de Fátima está mais um culpado, o frei Alberto; No Porto está mais um senhor culpado, o Frei João Leite. Eu vi e, muito presunçosamente, agradeço-o por todos.
Que os obsoletos e avaros tridentistas compreendam muito bem - eles, os que referi, são culpados que nós estimamos como tal e não julgamos. Não se metam com eles, se não levam com as nossas secções de advogados do diabo e da santidade, com as quais nem Bento XVI se aguentaria e, muito menos, os demais Bispos quando estão formalmente em comunhão uns com os outros para parecerem muitos.
Aproveito também para agradecer ao frei João Domingos a url do seu video sobre o preconceito, que igualmente podem ver aqui:
http://www.videosdahora.com.br/Videos-Br/501/preconceito-negro/
Obrigado, Antero, por trazeres à nossa recordação a memória viva do Faustino. Não era ele que vinha de Abiul, do concelho de Pombal, com uma pronúncia um pouco fechada, a modos de alguns açoreanos? Se se trata do mesmo que eu recordo, não é de admirar o seu ar mais evoluído, vindo donde vinha.
Apreciando alguns dos comentários do Isidro, não posso deixar de corrigir um ponto, além da omissão de um "culpado" : o fr. Rogério, um dos mais entusiastas defensores dos exames no Liceu.
Se o frei Raul Rolo é "culpado" de alguma coisa não foi de ter permitido que os seminaristas de A. Nova fossem prestar exames no Liceu de Leiria :
1. o primeiro ano de exames foi em 1965 (ano lectivo 64-65);
2. o fr. Raul foi eleito provincial no capítulo provincial de Fátima em 1966.
Em 1965 era prior provincial o fr. Louis Marie Sylvain (canadiano), nomeado em 1962 aquando da restauração da província portuguesa, o mesmo que presenteou os alunos do seminário com o primeiro aparelho de televisão, após a inauguração da electricidade.
Mas, quanto a mim, esta decisão muito importante, de oficializar a formação dada no seminário, foi mais de nível interno. O provincial, como primeiro que era entre todos (prior) fazia confiança aos que ele próprio tinha nomeado para orientarem a formação dos alunos.
Eu não diria que o Seminário passou a partir de 65 a constituir uma "Secção de Ensino Particular Doméstico do Liceu Nacional de Leiria". Nem sei se existia alguma figura jurídica para o caso. Nos dois primeiros anos, o Reitor do Liceu permitiu que o Seminário inscrevesse os seus alunos, como se fosse um estabelecimento de ensino particular (como se fosse um colégio), mas gratuitamente, segundo a figura de "indigentes", uma vez que o seminário dava formação praticamente gratuita. Ao cabo de três anos, e uma vez que iria haver também exames do 5º ano, encontrou-se a solução do "ensino doméstico". Esta figura obrigava a que houvesse professores com o diploma do Ensino Particular para propor os alunos a exame. Cada professor diplomado podia apresentar 5 (cinco) alunos. Todos os professores do seminário (leigos ou padres) passaram a solicitar o referido diploma. Por exemplo, o meu foi-me entregue com a data de 19 de Junho de 1974, com o Ministério da Educação Nacional emendado para M. E. e "Cultura". Como qualquer diploma, a validade existia a partir do pedido feito.
Como curiosidade, o Ministério habilitava-nos a leccionar Latim e Filosofia do curso complementar, Português do curso geral e Lingua Portuguesa do ciclo preparatório.
Já fora desta problemática que só interessará a "historiadores", não posso deixar de aconselhar a leitura do comentário do fr. Bento, no Público de hoje e sobretudo a referência que ele faz à "Carta da Compaixão", que tem vindo a ser preparada desde 2008, unindo todas as religiões e "destinada a congregar todos aqueles, religiosos ou não, que não suportam a situação actual do mundo da exclusão, atentos à antiga "regra de ouro" na sua formulação negativa e positiva : não fazer aos outros o que não desejamos que nos façam a nós e fazer-les aquilo que gostaríamos que nos fizessem"
Penso que esta regra é o centro da mensagem cristã (de Jesus) e se fosse cumprida no mundo, não interessaria mais ser judeu ou cristão, muçulmano, budista, confucionista,etc.
Desculpem o tempo que tirei, um abraço e uma boa semana. Toninho
Caros amigos,
Caros Isidro e Toninho,
A modesta memória dos factos quanto ao Faustino foi escrita de acordo com as minhas convicções e vivência.Como as do Isidro o foram segundo as convicções dele.
Também, tratando-se de coisas pessoais, por razões óbvias, não podem nem devem aqui ser abordadas.
Mas para que o amigo Toninho clarifique ideias, se ainda se recordar, o Faustino consta da última das fotografias que o Domingos Carvalhais enviou para o blog em Fev de 2009 - O Faustino é o último da direita na fila de trás com uma camisa mais escura ( à frente dele por coincidência estou eu e à minha frente o Isidro) ver: http://criarlacos-ex-dominicanos.blogspot.com/2009/02/quem-os-conhece.html
Amigo e Mestre Toninho, é sempre com muito prazer que leio as intervenções no blog, e aprendo sempre qualquer coisa.
Obrigado pela nota final que é bem interessante.
Sempre entendi essa máxima como o maior ensinamento talvez de todos os tempos : "não fazer aos outros o que não desejamos que nos façam a nós".
Um abraço para todos.
Antero Monteiro
Eureka! Toninho.
Com conhecimento directo, pessoal e presencial da causa confirmas que era "Ensino Particular Doméstico" que, de facto, era e continuou a ser, por muitos anos, a figura disponível para os organismos que não podiam ou não queriam ter "paralelismo pedagógico", uma figura mais evoluída sob a qual era possível dispensar dos exames, o que não era o nosso caso.
Referido o frei Rogério, se calhar, também falta referir o frei Henrique.
Eureka! Antero.
Quando bem dizes que "...A modesta memória dos factos quanto ao Faustino foi escrita de acordo com as minhas convicções e vivência. Como as do Isidro o foram segundo as convicções dele..."
estás a ser mais um a confirmar que (citando-me a mim próprio - na "reflexão sem título" - para me dar ares...)
"...o que se lembra de há 40 anos, ou mais, não é só o que aconteceu; é também a maneira como é recordado e isso
deve-se mais aos anos seguintes que às suas respeitáveis e não negligenciáveis origens e primeiros passos...".
P.S.
Segui os últimos 6 artigos seguidos do frei Bento na antepenúltima página do Público de Domingo e, já vos digo, foi com grande gosto, algum orgulho e até alívio que neles encontrei abordagens que não só "não me metem nojo", mas também evidenciam um elevadíssimo padrão intelectual que não desmerece nenhuma área de pensamento que eu conheça. Um dos meus amigos, bem embasbacado por, sem querer, ter ficado a concordar com ele até disse:
Assim como assim, fiquei com curiosidade pela nova Encíclica de Bento XVI sobre Ética e Economia, matéria sobre que já (só) me demorei uma 3 horas mas, à primeira vista, Toninho, parece-me que o Mundo pode "esperar sentado" no chão.
Entre o penúltimo e o último parágrafo, deveria ter figurado a afirmação prometida "Ele ainda é frei?", porque a pessoa em questão ficou admirada por, de repente, constatar que um padre pensava o mesmo.
Caro Isidro,
falemos de 40 anos...mas não só. Depois do percurso comum em Aldeia Nova, como ressalta do meu texto, sem grande pormenor, reencontrei o Faustino em 1984/5 e com ele mantive sempre amistosa convivência desde então.
Antero
Obrigado, Antero por me teres avivado a minha memória, pelo menos a visual. Afinal, na mesma fotografia, em lugar proeminente e adiantado, está o "sujeito" da minha confusão, o Diamantino, esse sim de Abiul, do concelho do Pombal e afastada una 15km de Freixianda. Um abraço. Toninho
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