segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

ENTRE O CARNAVAL E AS CINZAS

 

ENTRE O CARNAVAL E AS CINZAS

Frei Bento Domingues, O.P.

 

1. O Jornal Público, no Domingo passado, foi à Missa, em Lisboa e no Porto[1], e ficou surpreendido por não encontrar os respectivos bispos a presidir à celebração. Na Sé de Lisboa, encontrou um jovem padre, José André, capelão do Hospital de Santa Maria e do Hospital de São Francisco Xavier que, a propósito dos abusos sexuais na Igreja, citou uma conversa com o pároco da Sé: «olha Zé, aguentar nós aguentamos, mas nós não fomos feitos para aguentar, fomos feitos para sermos felizes. Aguentar ciclos viciosos em que nos torturamos mutuamente não nos conduz à felicidade».

Baltazar Martins Jesuíno tem realçado, de várias maneiras, a educação para a felicidade[2]. São Tomás de Aquino antecede a sua ética teológica de um tratado de 5 questões sobre a felicidade, princípio e fim do agir humano[3]. Distancia-se dos seus contemporâneos que colocam essa questão apenas no fim e parece encontrar-se com Aristóteles que fala da felicidade no primeiro e no último livro da Ética, embora se distancie dele na definição que dá de felicidade. Longe de se situar sob o signo da obrigação, como fazia a imensa maioria dos outros teólogos moralistas, a de Tomás é colocada sob a conquista da felicidade. Longe de ser regida pelo imperativo da obediência a uma lei exterior, não conhece outra lei a não ser a do amor. O Mestre Tomás vai ao ponto de dizer que uma forma de agir que não fosse mais do que uma obediência à lei, faltava-lhe uma dimensão essencial à virtude, que é para a pessoa ser atraída pelo bem, por ele mesmo, e não por ser coagida. É uma Moral da liberdade colocada inteiramente sob o signo da realização evangélica do sujeito[4]. O que há de mais importante na lei do Novo Testamento, e na qual consiste toda a sua força, é a graça do Espírito Santo acolhida pela fé em Cristo. Tudo o resto é apenas para a secundar. É dada ao íntimo da pessoa, só secundariamente é escrita. Mais, sem a graça do Espírito Santo – lei do amor e da liberdade – a própria letra dos Evangelhos, em vez de salvar, mata[5].

2. Por causa de uma antropologia que não respeita a complexidade do ser humano, é fácil cair no angelismo e, como disse Pascal, o ser humano não é anjo nem besta, mas quem quer ser anjo, acaba por ser uma besta.

Seria bom não separar o carnaval e as cinzas, isto é, o riso e as exigências da conversão, segundo o Evangelho, que consiste no reencontro com a alegria perdida.

Conta-se que, quando Santa Teresa d’Ávila, andava de mosteiro em mosteiro para a reforma do Carmelo, era muito conhecida pela sua austeridade. Uma senhora rica quis pôr à prova essa austeridade, convidando-a para jantar. O prato era perdiz e ela, esfomeada, regalou-se. Os convivas perguntavam, onde está a Teresa dos famosos jejuns? Resposta pronta: quando é jejum é jejum, quando é perdiz é perdiz. O humor vive bem com as exigências da santidade. Um santo triste é um triste santo.

Nos anos 70, do século passado, várias pessoas que frequentaram o Curso de Teologia de Verão do Instituto de S. Tomás de Aquino (ISTA), em Fátima, testemunham a novidade das aulas de Teologia Moral do Frei Mateus Peres, O.P. Pela primeira vez ouviram ensinar que a vida moral não podia negar o prazer dos sentidos, pelo contrário, afirmar a importância que eles têm na vida humana, na vida moral: o prazer de olhar a beleza, de sentir bons aromas, ter prazer na boa comida, ouvir boa música, sentir os prazeres do tacto, etc.

Mateus Peres investigou e ensinou a Ética teológica do seu mestre medieval, Tomás d’Aquino, em confronto com a modernidade. Este explicou, de forma paciente e minuciosa, toda a complexidade do ser humano, a sua unidade e a sua plasticidade. Existe para crescer e desabrochar pela educação, pela cultura, pela solidariedade e pela graça e comunhão com Deus e com os outros. É igualmente solicitado por uma multiplicidade de pulsões ou desejos, dotado de uma liberdade defectível. Por isso, capaz de se autodestruir no plano espiritual, ético e divino[6].

O ser humano não está feito, vai-se fazendo, não é, vai sendo. Se não se tivesse deformado, viveria a sua sexualidade com o maior prazer em toda a sua perfeição erótica e espiritual[7]. Não pode viver sem prazer partilhado. Atraiçoa-se se a busca do seu prazer é vivida à custa do sofrimento dos outros.

Uma ética, uma moral que desconfia, nega ou julga pecaminoso a autenticidade das sensações humanas é desumana. As leis e os preceitos, se não promoverem o bem integral da pessoa, atraiçoam a própria vida ética.

3. Este Domingo é o 1º da Quaresma que já começou na passada quarta-feira, chamada das Cinzas. Nessa celebração, repetia-se, de forma niilista, lembra-te que és pó e ao pó voltarás. Creio que é melhor a fórmula actual: convertei-vos e acreditai no Evangelho, acreditai na alegria.

Nesse dia, o texto de S. Mateus não entra na mentalidade mercantilista, que não faz o bem por ser bem, mas para dar nas vistas, aparecendo hipocritamente como virtuoso. Por isso, nas esmolas, emprega a sentença radical: não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita. O verdadeiro jejum e a verdadeira oração não podem ser um exibicionismo religioso.

Hoje, a liturgia eucarística lembra a fragilidade da nossa condição que não está confirmada no bem. Pode atraiçoar-se. O próprio Jesus, quando buscava o seu caminho, retirado no deserto, meditando na experiência mística, a seguir ao baptismo penitencial do rio Jordão, foi alvo de tentações messiânicas do poder de dominação: dominação económica, política e religiosa. Recusou tudo. O seu caminho não era o de dominar, mas o de servir, começando pelas periferias sociais e espirituais.

Os discípulos não entenderam isso. Para eles, o seguimento de Jesus era o começo de uma carreira. Nunca desistiram dessa ambição, por mais que Jesus lhes dissesse, nos dissesse também hoje a nós, que quem quer ser o primeiro coloque-se ao serviço de todos.

A nossa Quaresma só pode ser verdadeira se tiver como horizonte a conversão dos nossos desejos do poder de dominar. Uma pessoa só deve ser considerada católica porque deseja a sua vida ao serviço de quem precisa de ajuda, seja crente ou não. Uma Igreja só pode ser católica, isto é, universal, quando é uma escola de aprender a servir, sem olhar a quem. Todos nos devíamos tornar cada vez mais competentes, não para dominar, mas para servir.

R. Tagore exprimiu bem o sentido de uma Quaresma cristã: Adormeci e sonhei que a vida era alegria; despertei e vi que a vida era serviço; servi e vi que o serviço era uma alegria.

 

 

26 Fevereiro 2023



[1] Cf. Reportagem de Rita Ferreira e Patrícia Carvalho

[2] Baltazar Martins Jesuíno, Educação para a Felicidade e o Bem-Estar, Editora RH, 2021

[3] S.Th. I-II q. 1-5

[4] Cf. Jean-Pierre Torrell, La Somme de Saint Thomas, Cerf, 1998, pp. 47-48

[5] Cf. S.Th. I-II q. 106-108

[6] Cf. Frei Carlos Josaphat, Paradigma Teológico de Tomás de Aquino, Paulus – Brasil, 2012, p.314

[7] Cf. S.Th. I q. 98, a.2

ANIVERSARIANTES

 

Aniversários em Março

Durante este mês celebram o seu aniversário os nossos Amigos

NOME                                                                 Dia

  Manuel Pinheiro Luís                                                    4

  Manuel Fernando da Costa Marques                                   8

  José da Costa                                                          11

  Diamantino Mateus da Silva                                            13

  Luis Fernandes Boucho                                                15

  José Gonçalves Lopes                                                 16

  Vitor Alves Resio                                                        18

  César Silva Eugénio                                                     22

  Armindo Ferreira da Silva                                               24

  Joaquim Carvalhais                                                      30

  Frei Augusto José Matias                                                30

Para todos os nossos parabéns e os votos de um futuro cheio de Bençãos de Deus.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023