“O CASARÃO” chega aos cinemas a 18 de novembro
UM VELHO CASARÃO APODRECE NO CORAÇÃO DE UMA ALDEIA RASGADA AO MEIO POR UMA
ESTRADA ONDE OS CARROS JÁ NÃO PARAM. O REALIZADOR FILIPE ARAÚJO QUIS DESVENDAR
OS MISTÉRIOS POR DETRÁS DO ANTIGO EPICENTRO DA TERRA – O MAIS PROGRESSISTA
SEMINÁRIO CATÓLICO PORTUGUÊS DURANTE A DITADURA –, QUE QUASE MEIO SÉCULO DEPOIS
ASPIRA A UMA SEGUNDA VIDA.
PEDRO MARQUES on Outubro 21, 2021 at 1:20 pm
Não raras vezes, para me adormecer, o meu pai efabulava a partir de histórias
reais do seu passado. De todas, a mais enigmática tinha como cenário um
território povoado por miúdos e homens de branco. Uma enorme casa sem
electricidade nem águas correntes, entalada num vale rodeado de florestas. Foi
depois da sua morte que uma inexplicável pulsão me conduziu até esse lugar.
E dessa pulsão de Filipe Araújo nasce “O Casarão”, que chega aos cinemas a 18
de novembro. O filme desvenda o papel que o antigo seminário dominicano de
Aldeia Nova teve nas vidas dos muitos rapazes que passaram pelas suas salas e
corredores, e o destino que agora poderá ter.
No curso das ditaduras do século XX e ressaca das Grandes Guerras, o acesso ao
conhecimento sistematizado para os estratos baixos da sociedade e nos contextos
rurais, onde se encontrava o grosso da população, era praticamente nulo. Havia,
contudo, duas exceções: a oferecida pela profissionalização militar e a via
religiosa — encaradas como um dos raros passaportes para uma vida melhor. Foi
esse o caminho percorrido pelo pai de Filipe Araújo, professor universitário e
investigador científico. Nascido no seio de uma aldeia minhota, foi o único dos
cinco irmãos a seguir os estudos. Conta que o fez aliciado pelo prior da terra,
que lhe acenou com as mais excitantes disciplinas do saber, apresentando-lhe a
vocação religiosa como um “dom para melhorar o mundo”. Tinha 10 anos quando
ingressou no seminário de Aldeia Nova.
“A premissa deste projeto nasce da vontade de colocar em diálogo dois Portugais
separados por um intervalo de meio século e ligados através de um mesmo
edifício. É, portanto, um filme sobre finais de ciclo, mas também sobre um
paradoxo. No caso, o paradoxo que é, em plena ditadura salazarista e num lugar
carregado de isolamento, a “descoberta da liberdade” por parte de um grupo de
pré-adolescentes a preparar-se para algo que nunca viria a ser”, explica Filipe
Araújo, para quem a realização do documentário constituiu uma oportunidade de
levantar o véu não apenas sobre um imóvel com história caído no esquecimento,
como também sobre a improvável experiência feliz de mais de uma centena de
vidas construídas entre dois mundos: o secular e o civil.
Com esse propósito, O Casarão convida-nos a acompanhar a passagem de testemunho
do antigo seminário através de António, caseiro do edifício desde o tempo dos
padres, recuperando paralelamente as memórias dos seminaristas por intermédio
de cartas, diários e textos dispersos entretanto reunidos.
“O Casarão”
De Filipe Araújo
Documentário. Dez. 2020, cor, 72′
Produção. Blablabla Media, RTP, Portugal
Com António Oliveira, Dinis Dias e Tonito Oliveira. A partir dos textos dos
ex-seminaristas Horácio Araújo, Mário Rocha Creoulo, Fernando Vaz, José
Ribeiro, Eduardo Bento, Nelson Veiga e da obra literária de João de Melo,
“Gente Feliz com Lágrimas”.
Com o apoio do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual, Ministério da Cultura e
da Sociedade Portuguesa de Autores.