Mesmo sabendo que nem todos partilham da mesma visão que eu, aproveito este espaço coordenado pelo Nelson, para expressar os meus sentimentos sem medo, em relação a casa que me restitui-o o ser. Sei que muitos, não experienciaram a presença do frei João Domingos em sua vida, mas tenho a certeza que todos foram tocados da mesma forma, pela espiritualidade dominicana.
Hoje quero partilhar o poder que uma pequena frase saída da boca de um mestre. Apesar já aqui ter deixado bem vincado que Aldeia Nova…, ter sido para mim a revelação que o paraíso e inferno, são duas realidades paralelas, tenho uma frase varias vezes formulada pelo frei João Domingos, que não só marcou o foco da minha vida, como ainda hoje mais de meio seculo depois, continua a ser a base onde assenta todo o meu mundo. Quem me conhece, certamente já sabe qual é, a frase que muitas vezes encheu a boca daquele homem de vistas largas e consciência expandida. Viviam-se os anos sessenta, e as bandeiras da liberdade tinham sido desfraldadas por João XXIII, dando continuidade ao percurso do homem, rumo a Deus ou se preferirem a nova era. O pai João Domingos, sempre que um dos seus rapazes, entrava na frequência de vitima ou vitimismo afirmava “és feito da mesma matéria dos grandes santos, bandidos e pecadores”. Esta frase carregada de luz e poder, eliminava qualquer possibilidade de vitimização, responsabilizando e iluminando, mesmos os campos mais profundos do ser. O que é que esta verdade fez por mim? Caros colegas e leitores do “criar laços”…, após a minha saída de Aldeia Nova (o dia mais infeliz da minha vida), ainda a depender de uma família que habitava no inferno de um bairro da lata, já tinha a experiencia de ter vivido no paraíso. E isso bastava-me, para sonhar com um mundo de riqueza, paz e amor. O saber que o paraíso é paralelo ao inferno e que sou feito da mesma matéria, dos miseráveis que lutam pela sobrevivência no inferno de um bairro promiscuo e nauseabundo, ou daqueles que gozam as delicias de uma vida em abundancia no paraíso, dá-me a liberdade de escolha, e tornou-me um jovem adulto, seguro e responsável. Com a revolução de abril e as passagens administrativas em 74 e 75, fazem emergir, a verdadeira espiritualidade dominicana, responsável e coerente, com esta pergunta: Como que me sentirei como homem, pai, cidadão, licenciado por uma ordem administrativa? Valeu-me o saber que somos todos feitos da mesma matéria, para decidir não pactuar com um mundo de irresponsáveis, mesmo que isso custasse um doutorado tanto sonhado. Com essa decisão, tornei-me um marginal, e minha vida entrou numa espécie de montanha russa e acabei como empresário. Tornei-me um empresário honesto e responsável, e mais tarde respeitado por sobreviver nas intervenções do FMI em 1977 e em 1983, e aí, mais uma vez no meio do caus, valeu-me as palavras sábias de frei João Domingos. Mas o que eu, não sabia na altura (por ignorância), era que o frei João estava a nomear a 1ª e 2ª lei da mecânica quântica. Primeiro porque me mostrava um leque infinito de possibilidades, e 2º por me ter mostrado a influencia do observador no observado.
Vou explicar melhor, para quem não está familiarizado com a linguagem da moderna mecânica quântica: eu percebi que nem todos tinham conseguido enxergar o paraíso que era Aldeia Nova. Lembro ainda bem vivo na minha memoria, no inicio de dezembro de 66 o António na entrada do refeitório, esfregar as mãos de contente comentando para o Luís que só faltavam 15 dias para as férias de natal, e, poder estar com a família; enquanto em mim o coração apertava, a cada dia que passava, por se estar a aproximar a descida ao inferno.
Não vou me alongar mais…, só quero expressar o meu agradecimento ao Nelson pelo Criar Laços e a Deus o ter reencontrado o espírito da família dominicana
Obrigado
António Teixeira Fernandes