terça-feira, 17 de junho de 2025

Deus: o essencial - Padre Anselmo Borges

 Crónicas PÁRA E PENSA


 Deus: o essencial

Anselmo Borges

Padre e professor de Filosofia

Vivemos imersos em crises que nos desumanizam, mas a maior, no meu entender, é vivermos mergulhados no ter, no prazer, no poder pelo poder, nas redes sociais, nas tecnologias, no imediatismo, na vertigem da pressa, esquecendo o ser, o parar para pensar, a pergunta por Deus... Enredamo-nos assim no sem sentido...

Com razão, perguntava Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX — tenho a honra de ter sido aluno: O que aconteceria, se a simples palavra “Deus” deixasse de existir? E respondia: “A morte absoluta da palavra ‘Deus’, uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o Homem morreu.”

Václav Havel, o grande dramaturgo e político, pouco tempo antes de morrer, surpreendeu muitos ao declarar que “estamos a viver na primeira civilização global” e “também vivemos na primeira civilização ateia, numa civilização que perdeu a ligação com o infinito e a eternidade”, temendo, também por isso, que “caminhe para a catástrofe”.

Há uma correlação íntima entre a concepção de Deus e a concepção do Homem. Com o eclipse de Deus é o sentido do mundo que desaparece e o próprio Homem perde orientação. George Minois conclui a sua História do Ateísmo: se, independentemente da sua resposta, positiva ou negativa, o Homem já não vir necessidade de colocar a questão de Deus, isso significa que, pela primeira vez na sua História, a Humanidade sucumbe ao imediatismo, a uma visão fragmentária do aqui e agora e “abdica da sua procura de sentido”.

No contexto de uma crise global — crise financeira, económica, social, política, moral —, é preciso decisivamente perguntar se a crise de Deus não ocupa lugar central.

De qualquer modo, a quem não quiser ficar na pura imediatidade empírica — será isso possível? — impõe-se a questão do mistério último da realidade. A pergunta essencial é então se se opta pela Natureza impessoal ou pelo Deus transcendente, pessoal e criador.

Compreende-se o fascínio em permanecer na afirmação da Natureza como força geradora divina de tudo. Esta concepção é bem resumida pelo filósofo Marcel Conche, ao escrever que Deus é inútil, pois a Natureza cria seres que podem ter ideias de todas as coisas, inclusive da própria Natureza. Está a referir-se não à Natureza “oposta ao espírito ou à história ou à cultura ou à liberdade”, mas à “Natureza omni-englobante, a physis grega, que inclui nela o Homem. Essa é a Causa dos seres pensantes no seu efeito.”

Esta concepção confronta-se, porém, com objecções de fundo. Por um lado, ao divinizar a Natureza, põe em causa a secularização e, consequentemente, a liberdade. Por outro, tem dificuldades em explicar como é que a Natureza, que é impessoal, dá origem à pessoa, como é que mecanismos da ordem da terceira pessoa acabam por dar origem a alguém que se vive a si mesmo como eu irredutível na primeira pessoa.

Neste domínio, houve um debate significativo entre o matemático P. Odifreddi e o Papa emérito Bento XVI. Na sua resposta ao livro de Odifreddi, Caro Papa, ti scrivo, Bento XVI escreveu uma longa carta, em parte publicada no jornal “La Repubblica” de 24 de Setembro de 2013, referindo precisamente este debate.

Textualmente: “Com o 19º capítulo do seu livro, voltamos aos aspectos positivos do seu diálogo com o meu pensamento. Mesmo que a sua interpretação do Evangelho segundo São João 1, 1 — “No princípio era o Logos e o Logos estava com Deus e o Logos era Deus” — esteja muito longe do que o evangelista pretendia dizer, existe, no entanto, uma convergência que é importante. Mas se o senhor quer substituir Deus por ‘A Natureza’, fica a questão: quem ou o que é essa natureza. O senhor não a define em lugar nenhum e, portanto, ela parece ser uma divindade irracional que não explica nada. Mas eu quereria sobretudo fazer notar ainda que, na sua religião da matemática, três temas fundamentais da existência humana não são considerados: a liberdade, o amor e o mal. Espanta-me que o senhor, com uma única referência, liquide a liberdade que, contudo, foi e é o valor fundamental da época moderna. O amor, no seu livro, não aparece, e também não há nenhuma informação sobre o mal. Independentemente do que a neurobiologia diga ou não diga sobre a liberdade, no drama real da nossa história ela está presente como realidade determinante e deve ser levada em consideração. Mas a sua religião matemática não conhece nenhuma informação sobre o mal. Uma religião que ignore essas questões fundamentais permanece vazia.”

Evidentemente, quem acredita no Deus transcendente, pessoal e criador sabe que Deus não é pessoa à maneira das pessoas humanas, finitas. Deus também não é um Super-homem. O que se quer dizer é que Deus não é um Isso, uma Coisa. Como escreveu o teólogo Hans Küng, “Deus, que possibilita o devir da pessoa, transcende o conceito do impessoal: não é menos do que pessoa”. Não esquecendo que Deus é e permanece o Inabarcável, o Indefinível, o Inominável — Gregório de Nazianzo (330- 390) perguntava: “Ó Tu, o para lá de tudo, não é tudo o que se pode dizer de Ti?” —, pode dizer-se que é “transpessoal”. Só nEle pode o ser humano encontrar sentido, Sentido último.

Sábado, 14 de Junho de 2025

sábado, 31 de maio de 2025

Aniversários em Junho

Aniversários em Junho

Durante este mês celebram o seu aniversário os nossos Amigos

NOME                                                                 Dia

  António B. de Pinho                                                     27

  Elias Pereira Matias                                                     27

  João António Gomes Ferro                                             28

  António Luís Silveira da Costa Martins                                29

Para todos os nossos parabéns e os votos de um futuro cheio de Bençãos de Deus. 

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Aniversários em Maio

 

Durante este mês celebram o seu aniversário os nossos Amigos

NOME                                                                 Dia

  Fernando Pinto Gonçalves                                               1

  Filipe Lage Baptista                                                       4

  Francisco Soares Torres                                                 9

  Joaquim António Pereira Moreira                                      21

  Manuel Batista Martins                                                  24

  Jose Antonio Azevedo Gama                                          28

  Domingos Augusto Carvalhais                                         29

Para todos os nossos parabéns e os votos de um futuro cheio de Bençãos de Deus.

sábado, 26 de abril de 2025

Faleceu o nosso Companheiro Manuel de Jesus Couto

Faleceu o nosso Companheiro Manuel de Jesus Couto (colega do Frei Pedro em Aldeia Nova).

O velório será esta tarde na Igreja Paroquial de São Domingos de Benfica. O funeral será realizado amanhã, com missa de corpo presente pelas 15,30h, saindo o fétrero às 16h, com destino ao Cemitério dos Olivais, em Lisboa.


A nossa Fraternidade Criar Laços far-se-á representar, sendo portadora de uma simbólica coroa de flores.

À viúva, Srª D. Benedita e de mais família, apresentamos as nossas sentidas condolências.

Criar Laços - Fraternidade de Raízes Dominicanas.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

A vida e o tempo

 No trem da vida a beleza é passageira e o tempo são os trilhos a percorrer. 

O que está presente daqui a pouco, há uma hora ou mesmo um instante, deixará de ser presente para ser no passado, contente lembrança.
Cada dia que nasce é o futuro que hoje se torna presente e amanhã será passado. Não deixe um dia passar como um a mais, viva-o intensamente na possibilidade de fazer a diferença.
Sempre vamos, mas nunca voltamos, pois o tempo passa, não volta, não para. O tempo nos leva de onde chegamos até aonde vamos, nos trás de onde partimos. Todo o tempo as pessoas vêm e vão, passam por nossas vidas.
Há pessoas que vem para ficar e outras vão para nunca mais voltar. Deixam saudades e vivem lembradas em nossos pensamentos. 
E quem fica, é vivo lembrado no olhar de quem vai. Mas continuam sempre presentes por suas lembranças. Seu jeito de sorrir, de olhar, de falar, suas manias, um pouco de si em nós.
Pessoas que se tornam marcantes por serem amadas. Pessoas que são tocadas pelo vento para morar em outros corações, para encontrar refúgio em outro lugar e até um dia encontrar porto seguro nos braços do seu lugar.   


(autor desconhecido)

terça-feira, 22 de abril de 2025

O Pontificado do Papa Francisco - Artigo de Frei Bento Domingues O.P.

 Frei Bento Domingues O.P. (1934-)

O Pontificado do Papa Francisco, Público Lx, 21/04/2025 

www.publico.pt/2025/04/21/opiniao/opiniao/pontificado-papa-francisco-2130426

 

"Obrigado, Papa Francisco, pela esperança que te animou e nos transmitiste.

1. O cardeal Jorge Mario Bergoglio, jesuíta argentino, foi eleito Papa a 13 de Março de 2013. Tinha 76 anos. Escolheu Francisco de Assis como inspiração para o seu pontificado.  A razão desta escolha não era o de reconduzir a Igreja à Idade Média. Mostrava, pelo contrário,  que Francisco de Assis era a figura mais actual do que ele desejava ser e fazer: viver a alegria do Evangelho,  fora dos esquemas clericais.  Queria fazer,  de uma Igreja em ruínas,uma  nova esperança de liberdade e de alegria.  O Evangelho, longe de asfixiar o poeta,  abria-lhe o mundo como um hino cósmico. Quis retomar o Concílio Vaticano II, convocado e iniciado por João XXIII, num clima de alegria e liberdade.  Veio,  depois,  um longo período chamado inverno da Igreja.  Ao ser eleito  Bispo de Roma  e  Papa da Igreja Católica, sabia que tinha de enfrentar não apenas o cuidado de todas as Igrejas,  mas uma situação depressiva que enchia os meios de comunicação:  escândalos na própria Cúria,  escândalos financeiros  e  o  horror dos horrores,  a praga da pedofilia.  Apresentou a sua  primeira  Exortação Apostólica,  A Alegria do Evangelho (2013), como esboço do seu programa. Ele próprio propôs algumas directrizes que pudessem encorajar e orientar, em toda a Igreja,  uma nova etapa evangelizadora, cheia de ardor e dinamismo,  com base na Lumen Gentium, do Vaticano II. Ao designar a sua primeira exortação A Alegria do Evangelho, estava a ser literalmente fiel à própria significação da palavra evangelho,  isto é,  boa notícia.  Nesta sua  primeira  Exortação Apostólica, tentou desfazer os equívocos da  expressão Reino de Deus.  É o tema  do   IV Capítulo  sobre a  Dimensão Social da Evangelização.

Não lhe pertencia oferecer uma análise detalhada e completa da realidade contemporânea,  mas animar todas as comunidades a desenvolverem uma capacidade sempre vigilante de estudar os sinais dos tempos.  Não estamos a viver apenas uma época de mudanças, mas uma efectiva mudança de época. Assim como o mandamento “não matar” põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana,  assim também hoje devemos dizer não a uma economia da exclusão e da desigualdade social.  Essa é uma economia que mata.  Hoje, tudo entra no jogo da lei do mais forte,  onde o poderoso engole o mais fraco [1]. Já foi dito que bastava um ano sem os gastos com armas para garantir alimentação e educação,  gratuitamente,  a todos os necessitados. O tema da alegria estará sempre presente na sua intervenção pastoral e, por isso,  desdobrar-se-á em vários documentos. Entre eles destaco: Laudato Si’ sobre a ecologia integral (2015); Amoris Laetitia (2016), Gaudete et exsultate (2018). Queria fazer, de uma Igreja em ruínas, uma nova esperança de liberdade e de alegria. O Evangelho, longe de asfixiar o poeta, abria-lhe o mundo como um hino cósmico. A Fraternidade Humana (2019) foi escrita e assinada pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã Ahmad Al-Tayyeb,  em Abu Dhabi.  Este é, talvez, o documento mais importante do diálogo inter-religioso,  que precedeu a encíclica  Fratelli tutti (2020), sobre a fraternidade e a amizade  social.  

Sublimitas et Miseria Hominis (2023),  no IV centenário do nascimento de Blaise Pascal, sobre o paradoxo do ser humano, na sua grandeza e na sua miséria.

2. O Papa Francisco realizou algumas das suas visitas às periferias (Lampedusa e Lesbos) que marcaram o rumo e o  espírito  do seu pontificado.  O Mediterrâneo,  transformado  num grande cemitério,  seria a sua  interpelação constante sobre as  migrações e as guerras. Desde o começo do seu pontificado, nas minhas crónicas dominicais do PÚBLICO,  procurei seguir as surpresas deste  Papa extraordinário. Confesso que  me mantive  cada vez mais entusiasmado com aquilo que o Papa realizou. Uma das heranças  mais vergonhosas  que recebeu  e a que mais tem contribuído para desfigurar a Igreja Católica é,  sem dúvida,  a longa história da pedofilia do clero com dimensões insuspeitáveis.  Talvez não se tenha dado conta,  desde o começo,  da vastidão desses crimes.  Acabou,  no entanto,  por desencadear o movimento das comissões não só para o levantamento dos abusos sexuais de menores,  mas também para a escuta e apoio da quantidade enorme de vítimas.  No entanto,  nada nem ninguém parecia que o poderia paralisar.  A reforma da Cúria, acompanhada de discursos estridentes,  foi um ponto que nunca esqueceu.  Insistiu que a Igreja não é para a Igreja,  mas para o mundo todo,  de crentes e  não crentes.  É uma Igreja de saída para todas as periferias,  não para fazer proselitismo,  mas para despertar a consciência humana e cristã adormecida.  Alertou,  nos discursos ao Corpo Diplomático,  que era o mundo todo, com todos os problemas das desigualdades,  das guerras,  dos refugiados,  da fome, não só a sua preocupação, mas sentia a urgência em despertar a consciência mundial,  pois é  numa era global  que existimos.  Sobre a  injustiça social e económica  é preciso continuar a ler e reler os seus discursos aos movimentos populares publicados sob o título Terra Casa Trabalho [2].

3. Entre as exortações apostólicas,  teve muita importância  a polémica em torno da  Amoris Laetitia,  que assumiu as questões mais problemáticas sobre a família. Manifestou um carinho especial pela Querida Amazónia que é um todo plurinacional interligado, um grande bioma  partilhado  por nove países. 

Dirigiu,  por isso,  esta exortação ao mundo inteiro.  Este grande texto sobre a  inculturação  e a  ecologia integral  foi também para muitos uma  grande frustração.  Do seu aprofundamento não resultaram as consequências práticas para a revisão dos ministérios eclesiais – um dos grandes sonhos do Papa Francisco – que continuam a excluir as mulheres. O grande obstáculo não é de ordem teológica.  A dificuldade  maior  tem poucos anos.  Vem da  carta apostólica  Ordinatio sacerdotalis,  deJoão Paulo II (1994),  onde a chamada ordenação sacerdotal  é reservada  exclusivamente  aos homens,  agora e para sempre. Não há dois baptismos,  dois cristianismos,  um de homens e outro de mulheres.  Perante uma declaração como a citada de João Paulo II,  é normal que o Papa Francisco sinta uma certa inibição  em rever todo esse processo,  embora não existam razões pastorais e teológicas que o impeçam. Tentou superar essa dificuldade com a proposta prática de uma  Igreja Sinodal,  que dá a palavra a todos,  mulheres e homens,  e  coloca,  nas mãos de todos,  o futuro da Igreja ao serviço da humanidade.  Uma Igreja de  “todos, todos, todos”!  O Papa Francisco escreveu um texto belíssimo sobre as bem-aventuranças do bispo, mas não convocou um sínodo apenas dos bispos. No contexto cultural e religioso  em que Jesus viveu,  não se pode esquecer o seu  comportamento subversivo  com as mulheres  e o  das mulheres com Jesus Cristo. 

Obrigado,  Papa Francisco,  pela esperança que te animou e nos transmitiste [3]."

 

[1] Cf. Evangelii Gaudium, n.º 51-53.

[2] Papa Francisco, Terra Casa Trabalho, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2018.

[3] Francisco, Esperança. A Autobiografia, Nascente, 2024

quinta-feira, 17 de abril de 2025

Faleceu o Manuel Joaquim da Silva Leopoldo

Faleceu o Manuel Joaquim da Silva Leopoldo. 

Aos seus familiares, a Fraternidade Criar Laços apresenta as mais sentidas condolências.





quarta-feira, 26 de março de 2025

Aniversários em Abril

 Durante este mês celebram o seu aniversário os nossos Amigos

NOME                                                                 Dia

  Álvaro Antunes Rodrigues                                               3

  Joaquim Silva Moreno                                                    7

  Dinis dos Santos Rodrigues                                             7

  Joaquim Ambrósio Vieira Ribeiro                                        8

  Manuel Joaquim da Silva Leopoldo                                     8

  Artur da Silva Cristóvão                                                  9

  Eduardo M. Carmo                                                      13

  Angelo Costa Carvalho                                                 14

  António Augusto Brízido                                                21

  José Agostinho Rodrigues                                              30

Para todos os nossos parabéns e os votos de um futuro cheio de Bençãos de Deus.

domingo, 9 de março de 2025

AD MULTOS FR. MARCOS VILAR!...

Já quase ao cair o pano sobre este dia 9 de Março, sou alertado para o facto de ficar um abraço por dar a um  dos nossos. O Fr. Marcos Vilar cumpre hoje mais um ano de Ordenação Sacerdotal. Lembremo-lo neste dia tão especial para ele e para toda a Comunidade Dominicana.

Muita saúde e as maiores bênçãos de Deus.

terça-feira, 4 de março de 2025

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Aniversários em Março

 

Aniversários em Março

Durante este mês celebram o seu aniversário os nossos Amigos

NOME                                                                 Dia

  Manuel Pinheiro Luís                                                    4

  José da Costa                                                           11

  Luis Fernandes Boucho                                                 15

  José Gonçalves Lopes                                                  16

  Vitor Alves Resio                                                        18

  César Silva Eugénio                                                     22

  Armindo Ferreira da Silva                                                24

  Joaquim Carvalhais                                                      30

Para todos os nossos parabéns e os votos de um futuro cheio de Bençãos de Deus.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Artigo de Fr. Bento Domingues no jornal "Público" de hoje

 

A IMORALIDADE DA GUERRA

Frei Bento Domingues, O.P.

23 Fevereiro 2025 

1. Com diferentes matizes, segundo Marciano Vidal, foi longa, na Igreja Católica, a história da teoria da guerra justa, desde Santo Agostinho até à Pacem in Terris de João XXIII, dirigida a todas as pessoas de boa vontade[i]. Neste tempo, que parece ter esquecido as loucuras do passado, importa relembrar os traços essenciais deste documento incomparável e inspirador.

Foi publicado no dia 11 de Abril de 1963, dois meses antes da morte de João XXIII, dois anos depois da construção do Muro de Berlim e alguns meses depois da crise dos mísseis em Cuba, numa época marcada pela proliferação nuclear e pela disputa ente os EUA e a URSS.

Nessa conjuntura, este Papa defendeu que «os conflitos entre as nações devem ser resolvidos com negociações e não com armas e na confiança mútua». Ele formulou a síntese mais exacta e mais bela do que deve ser a paz entre os povos: «a verdade como fundamento, a justiça como norma, o amor como motor, a liberdade como clima».

Temos de explicitar o seu conteúdo. Através desta encíclica, a Igreja foi convidada a uma profunda conversão, recusando a teoria da guerra justa para se reflectir e agir sobre a dignidade, os deveres e os direitos humanos, enquanto fundamentos da paz mundial. Insistiu na importância da colaboração entre todos. Pela primeira vez, um documento da Igreja era dirigido a todas as pessoas de boa vontade, chamadas à imensa tarefa de recompor as relações da convivência entre os povos.

João XXIII defendeu o desarmamento, uma distribuição equitativa de recursos, um maior controlo das políticas das empresas multinacionais e várias políticas estatais que favoreçam o acolhimento dos refugiados; reconheceu que todas as nações têm igual dignidade e igual direito ao seu próprio desenvolvimento; propôs a construção de uma sociedade baseada na subsidiariedade; e incentivou os católicos à acção e à transformação do presente e do futuro. Esta encíclica exortou também os poderes públicos da comunidade mundial a promover o bem comum universal, através de uma resolução eficaz dos vários problemas que assolam o mundo.

2. O Papa Paulo VI não traiu a Pacem in Terris. Em 1965, discursou na Assembleia Geral da ONU. Reafirmou o primado do direito nas relações entre os Estados e apelou ao instrumento da negociação na resolução de conflitos. Guerra nunca mais. É a paz que deve guiar o destino dos povos e de toda a humanidade.

Continuando, o Papa afirmou: esta Organização representa o caminho obrigatório da civilização moderna e da paz mundial. Ao dizer isto, temos consciência de fazer nossa quer a voz dos mortos quer a voz dos vivos: dos mortos caídos nas terríveis guerras do passado, sonhando com a concórdia e a paz do mundo; dos vivos que lhes sobreviveram e que antecipadamente condenam, nos seus corações, os que tentassem renová-las. De outros vivos ainda: as jovens gerações de hoje, que avançam confiantes, esperando com razão uma humanidade melhor.

Fazemos também nossa a voz dos pobres, dos deserdados, dos infelizes, dos que aspiram à justiça, à dignidade de viver, à liberdade, ao bem-estar e ao progresso. Os povos voltam-se para as Nações Unidas como para a última esperança da concórdia e da paz.

Escutai as palavras lúcidas de um grande desaparecido, John Kennedy, que proclamou: A humanidade deverá pôr fim à guerra, ou é a guerra que porá fim à humanidade. Não são necessários longos discursos para proclamar a finalidade suprema desta Instituição. Basta recordar que o sangue de milhões de homens, os sofrimentos espantosos e inumeráveis, os inúteis massacres e as aterradoras ruínas sancionam o pacto que vos une, num juramento que deve mudar a história futura do mundo: nunca mais a guerra, nunca mais a guerra. É a paz, a paz que deve guiar o destino dos povos e de toda a humanidade[ii]. Uma paz sem vencedor e sem vencidos, como escreveu Sophia de Mello Breyner.

Foi também Paulo VI que instituiu o Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro 1967) que todos os anos obriga a Igreja a não esquecer os desafios que a Paz exige. No mesmo ano, publicou a Populorum Progresso, inspirada na obra do Padre Lebret, O.P. (1897-1966).

O texto critica tanto o liberalismo sem freio que conduziu ao imperialismo internacional do dinheiro, como a colectivização integral. «A terra foi dada a todos e não apenas aos ricos. Quer dizer que a propriedade privada não constitui para ninguém um direito incondicional e absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusivo aquilo que é supérfluo, quando a outros falta o necessário. Numa palavra, o direito de propriedade nunca deve exercer-se em detrimento do bem comum, segundo a doutrina tradicional dos Padres da Igreja e dos grandes teólogos. Surgindo algum conflito entre os direitos privados e adquiridos e as exigências comunitárias primordiais, é ao poder público que pertence resolvê-lo, com a participação activa das pessoas e dos grupos sociais».

O Papa Bento XVI, na sua encíclica Caritas in Veritate (2009), reiterou a importância da mensagem contida na Populorum Progressio. Segundo ele, da mesma forma que a encíclica Rerum Novarum (1891) foi importante para a época, a encíclica de Paulo VI é importante para os desafios da contemporaneidade.

3. Em Portugal, não se pode abordar a questão da imoralidade da guerra sem referir as três frentes da guerra colonial com os seus mortos e incontáveis vítimas (1961-1974): em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique. O próprio Paulo VI teve a corajosa iniciativa de receber, no Vaticano (01.07.1970), os líderes políticos das lutas de libertação das colónias sob o domínio de Portugal em África: Marcelino dos Santos (FRELIMO), Agostinho Neto (MPLA) e Amílcar Cabral (PAIGC). A Igreja contribuía, assim, decisivamente, para o desmoronar do império colonial português. Remeto para o texto notável de Frei José Nunes, O.P., sobre Submissão e resistência ao Colonialismo durante o Estado Novo[iii].

Acerca da imoralidade da guerra, o Papa Francisco, na sua autobiografia, diz que é imoral a posse das armas atómicas. Seremos julgados por isso. As novas gerações erguer-se-ão como juízes da nossa derrota se a paz for apenas um som de palavras e não a tivermos realizado com as nossas acções entre os povos da Terra[iv].

Nós temos uma arte de fazer, cada vez mais, inimigos entre pessoas, povos e culturas. O Evangelho deste Domingo propõe, pelo contrário: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai por aqueles que vos injuriam[v]. Isto não é uma proposta de fazer inimigos. Diz que é preciso mudar a lógica do ódio, a lógica da vingança, a lógica da imoralidade da guerra. Para tornar o mundo outro é necessário o caminho oposto ao que andamos a percorrer. Temos de superar o mundo de amigos e inimigos.



[i] Cf. Marciano Vidal, Selecciones de Teologia, Vol 63 (2024), nº 252, pp.243-256

[ii] Cf. Discurso de Paulo VI na ONU, 1665

[iii] Cf. José Nunes, O.P., in 7Margens, 05.05.2024

[iv] Francisco, Esperança, A Autobiografia, Nascente, 2024, p.196

[v] Lc 6, 27-38

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

VALERÁ A PENA?

 

    Este silêncio de cerca de dois meses não foi propositado, mas tem justificação. Algo me diz, diariamente, que eu estou velho. Não tenho como contrariar, mau grado os esforços que faço para me manter engraxado, tanto por fora como por dentro. Certo é que os anos pesam, surgem novas mazelas e maleitas que, ainda há bem pouco tempo, eu pensava que só acometiam aos outros, mas não é verdade. As engrenagens começam a ficar gastas e a dar de si,  a boa disposição vai rareando e tudo começa a entrar em falência. Eu, e penso que todos nós da mesma faixa etária, vamos tropeçando e esforçamo-nos por não cair. 

    Falando do "blog", consabido é que o entusiasmo de há perto de vinte anos já se dissipou. Há muito que não se escreve, não se comenta e tudo vai resvalando. Felizmente ainda não estou "chalupinha" nem "lélé da cuca", mas reconheço as minhas limitações, aponto o dedo para a minha cabeça e vou soletrando para comigo: Isto já não é o que era!  O espaço está à disposição de quem o queira conduzir e ocupar e julgo que a Fraternidade, bem poderia segurar-lhe as rédeas.

Valerá a pena?

    Continuo disponível para fazer o que o CC me permitir, mas não me peçam muito.

Um abraço fraterno.

Nelson