segunda-feira, 26 de março de 2007

MEMÓRIAS DE MIM(III)


Por vezes, até dou comigo a pensar que vos incomodo com estas minhas crónicas de algibeira, tecidas em prosa insalubre e que pouco ou nada vos dirão. São, porém, as memórias que guardo do nosso tempo. E atrevo-me a partilhar convosco mais esta:
Já éramos poucos, no ano número cinco de Aldeia Nova. Penso que os recordo a todos: Para além de mim, o Fernando Vaz, o Arnaldo, o Rufino, O Vitorino, o Domingos e o Igreja. Não sei se o Lino ainda começou o ano connosco!... Se faltar algum, o Fernando corrige. As aulas eram no último compartimento à direita, ao fundo do corredor, no sentido oposto à capela. O mobiliário era composto por duas ou três mesas compridas, bancos corridos de igual tamanho, a secretária do magister e um móvel-vitrina que servia de laboratório. O espólio do laboratório seria parco em espécies, mas farto em frascos, onde até descobrimos um produto que, atirado ao poço da quinta, reagia explosivamente. Para além de tudo isto, tinha também um metrónomo que, dando-se-lhe corda, aguentava uns bons minutos no seu tic-tac compassado. A sala era de dimensões reduzidas e tinha uma janela que dava para a zona da adega e para uma figueira a que quase se lhe chegava com o braço. Os nossos mestres eram o Pe. Vicente na física, o Pe. Xico (Tomate) a português, inglês suponho que era o Pe. Legault, Matemática o Pe. Domingos, já não me ocorrem os outros e a latim era o Santo Pe. Clemente Maria de Oliveira, falecido à volta de uma dúzia de anos. Tomei conhecimento da sua morte pela revista Visão, que dela dava notícia por ele ter sido o tradutor dos Lusíadas para latim. Acreditai que li a notícia com emoção, muita saudade e respeito pela sua memória.
Quando dávamos conta que o Pe. Oliveira saía do seu quarto para vir dar a aula, dava-se corda ao metrónomo. Entre a complacência e a irritação lá perguntava ele a razão daquele barulho. De cada um de nós ou de todos em simultâneo, ouvia a mais disparatada justificação. Tudo servia de pretexto, para fazer das aulas do Pe. Oliveira uma sessão de boa disposição, a que ele não achava graça nenhuma. Um de nós, já não interessa quem, braços cruzados sobre a mesa, um raro silêncio sepulcral e uma bola de ping-pong escondida na mão fechada. Bastava soltá-la sem tirar a mão da mesa e ouvia-se o barulho trrrr…trrrr...trrrr –Mas o que é isto? –questionava o mestre. –São os xarréus, -respondia o transmontano de Franco, a quem houvemos de avivar a memória no último encontro de Aldeia Nova.
Diz-me a experiência, que os textos longos se tornam fastidiosos. Fico-me por aqui hoje, mas prometo voltar ás aulas do Pe. Oliveira, para quem todos éramos ratos cegos e fedelhos de calça rachada.

Nelson

AO BRAVO CRUZADO, DEFENSOR DA FÉ, DOS BONS COSTUMES E TOCADOR DE TAMBOR NAS HORAS VAGAS



Meu caro José Oliveira: quero conversar contigo mais em tom de amizade e sem qualquer agressividade. Venho tecer alguns comentários ao teu texto “O BLOG ESTÁ EM PERIGO” porque, neste domingo à tarde não me apetece ir aos gambozinos, nem quero ir ver se está a chover. Portanto venho conversar contigo, certo que daqui não tiraremos proveito mas impõe-se-me que não deixe passar em claro algumas das tuas rançosas posições em texto anterior.
Volto a insistir que não gosto que te escondas sob o anonimato de Frei Imeldo.
Aquela de me chamares cátaro de esquerda até me faz rir. Mas nem
albigense, nem maniqueu sou. E se, a propósito do Fernando Vaz e da França ficaste em Robespièrre contra o Modernismo, lembra-te que a vida não pára e a terra move-se.
Essa de S.Tomás ter caído no desespero ao querer apresentar argumentos a favor da existência de Deus faz-me rir. Então achas que este espantoso pensador caiu no desespero? S. Tomás apresenta-nos cinco
argumentos que não pretende sejam demonstrações matemáticas mas cinco vias que ajudem a ir das coisas criadas até à sua Causa Transcendente. Vê bem, que este homem do século XIII, se ainda dá primazia à fé relativamente à razão, é dos primeiros medievais a reconhecer um papel fundamental ao conhecimento racional. Estamos bem longe de Santo Anselmo para quem “é preciso acreditar para compreender”. Não há qualquer desespero no pensamento do “Doutor Angélico”, mas um rotundo optimismo, segundo o qual, a graça não anula a natureza. A natureza, o corpo humano, são valorizados e o homem caminha para um Deus de amor e não justiceiro.
Mas o que me leva a perder tempo contigo, oh Imeldo?
Com toda a amizade aqui vai um abraço do
Eduardo Bento

sábado, 24 de março de 2007

MEMÓRIAS DE MIM (II)

MEMÓRIAS DE MIM (II)

Era alto, esguio, e já desprovido de protecção capilar. Para proteger o cocuruto das intempéries, puxava pelo capuz do hábito. Enfiava os pés numas botas de medida quarenta e cinco, bem aferida, e quem houvesse de acompanhar as suas passadas largas, só o poderia fazer em passo de corrida. Gaulês pelo berço, segundo creio, a Ordem importara-o para Aldeia Nova onde, no meu tempo, no nosso tempo, ia desenvolvendo profícuo apostolado. Falo do Padre Simonin, que me lembre um santo homem, tolerante e de quem não tínhamos medo. Não sei porquê, talvez devido ao seu tamanho, chamávamos-lhe “O Cabilhas”. Recordo a sua presença, a sua postura, o seu acentuado sotaque francês a que nós, quando mais meninos, achávamos extraordinária piada. Nos passeios curtos das quintas-feiras e domingos, quando não tínhamos como destino o campo de futebol do Olival, bastas vezes éramos forçados à marcha de trote atrás do padre Simonin, calcorreando as terras vizinhas, subindo e descendo colinas, admirando os velhos moinhos de vento, construídos em madeira, que muitos de nós tentávamos pôr em marcha. Quando ele nos guardava no salão de estudo, os sussurros que fazíamos entre nós, conseguiam abafar o zumbido dos “petromax”, coisa que não acontecia com os demais, como padres Luís Cerdeira, Armindo e outros. A sua tolerância porém, nem sempre era ilimitada. Certa ocasião, num dos tempos destinados ao estudo, vigiava o padre Simonin quando eu me extasiava em amena cavaqueira com um companheiro, cuja identificação já não me ocorre. Simonin olhava, acenava com a cabeça e lá parávamos com a conversa. Momentos volvidos, voltávamos de novo ao tema. O bom gigante francês, não condescendeu mais e lá de onde se encontrava, soltou em alta voz: -NERSUN, VITORUIDO!... Naturalmente que este disparo do padre Simonin, provocou gargalhada geral, porque todos percebemos que ele quis dizer: -Nelson, evite o ruído.
O meu respeito pelo padre Simonin, onde quer que se encontre.

HISTÓRIAS PARA CONTAR AOS NETOS

- Avô, vou transformar-te em burro.
É a minha neta Vitória, que há três anos encanta a vida desta família, com a magia duma fada amorosa.
Quando ela encarna a personalidade da fada, nada escapa ao seu poder. Basta-lhe um chapéu em cone, polvilhado de estrelas e uma varinha, que para ser mágica também exige uma estrela.
- Plim! Avô, já és burro.
Assim, com esta simplicidade.
Sabes netinha, quando o avô era pequeno, assim um bocadinho maior do que tu, uns senhores com poderes mágicos, também transformaram o avô em burro.
O avô conta-te a história.
Corria o 2º ano (actual 6º), com toda a normalidade, sem sobressaltos, quando num dia de Maio sobreveio sobre o casarão de Aldeia Nova uma tempestade medonha, daquelas de assustar o próprio Adamastor. O chumbo passaria a prata no confronto com aquele céu carregado. A chuva desabava a pipos. O flash dos relâmpagos e o ribombar dos trovões assemelhavam-se à ira de Bush contra o senhor de Bagdad. O casarão tremia e vocês, ainda não tremem? O professor de Matemática (leigo) interrompeu a aula, e veio sentar-se num lugar vago da minha secretária. Estava lívido e com olhos baços. Debruçou-se sobre a mesa e pousou a cabeça sobre os braços, o tempo todo, enquanto durou a borrasca.
Na inocência e inconsciência dos meus doze anos, não atribui significado especialmente aterrador ao fenómeno. Na minha terra estes fenómenos nunca atingiam estas proporções, e bastava uma invocação a S. Bárbara, que a minha mãe recitava na perfeição, para nos sossegar. Portanto comportei-me naturalmente, como usual.
Terminada a borrasca, o Prof. (naquele tempo ainda não se chamava Stôr) enfrentou-me com ar de nenhuns amigos e vociferou.
– Você esteve este tempo todo a troçar de mim! Mas isto vai-lhe sair caro.
– Senhor professor – disse eu – de forma alguma. Porque havia eu de fazer isso? Naquele momento eu deixava de ser tratado como uma criança e passava a ser confrontado com a agressividade de um adulto face a outro do mesmo estatuto. Daí em diante todos os pretextos serviram para o dito Prof. me hostilizar. E no fim do ano arranjou maneira de me chumbar, numa disciplina que era o meu forte, de tal modo que nas horas de estudo em que não tinha qualquer motivação para estudar, dedicava-me a exercitar problemas de Matemática para melhor passar o tempo.
Quando se chumbava a uma única disciplina, fazia-se novo exame no início do próximo ano lectivo. Estudei imenso nessas férias, embora tivesse consciência de que sabia o suficiente para prosseguir para o ano imediato. Dispensei o explicador que os meus pais me ofereceram, o que significaria um sacrifício acrescido ao que já suportavam para me manter a estudar.
No ano seguinte, inexplicavelmente, o tal exame de repetição demorou imenso a sair. Assim, fui acompanhando as disciplinas do 3º ano, por indicação superior. Quando finalmente o exame surgiu, foi o próprio Director, que se encarregou de o orientar. Da prova escrita, tenho a consciência que fiz quase tudo bem, mas nunca soube de qualquer resultado. Na oral, com a presença de outro Professor, após responder correctamente às questões relativas à matéria do 2º ano, o Director achou por bem pôr-me questões do 3º ano sob pretexto de que eu tinha já frequentado algumas aulas. O próprio professor assistente se apressou a contestar o critério. Fui mandado sair enquanto ficaram a discutir o assunto. O veredicto veio inexoravelmente confirmar os meus piores receios. “O menino volta para o 2º ano”. Deixei o Nelson, o Vitorino e outros amigos, e juntei-me ao Celestino, ao Leopoldo, ao Filipe, ao Ginja e outros igualmente amigos.
- Avô, agora já não és burro.
- Plim! Já és avô outra vez.
Com este anjo de fada, a transformação demora apenas alguns minutos. Com os prestidigitadores de Aldeia Nova fui asno por muito mais tempo, até me reabilitar sem varinha mágica. A minha auto-confiança recompôs-se quando no 3º e 4º anos tive professores de matemática de nível superior: o P. Domingos e o P. Miguel.
Como teria sido a minha vida se não tivesse acontecido aquela trovoada?
Descrevo isto por piada ou talvez por catarse, mas sobretudo para relembrar os métodos de ensino de outros tempos. Não guardo qualquer rancor, como aliás demonstrei nas inúmeras vezes em que nos cruzamos depois disso.
O Director teve com certeza as suas razões. Eu era demasiado brincalhão e desestabilizador com a agravante de ser distraído. Dar uma lapada na cabeça dum colega num momento de recolhimento com um padre atrás de mim, ou acertar em cheio com um berlinde na cabeça dum colega que estava diante do quadro, não são próprias dum seminarista. Nesta última situação, esqueci-me que alguém me podia denunciar ao saudoso P. Oliveira, a troco de uma estampa de santinho. Então, os santinhos tinham mais cotação que os ídolos de futebol ou de cinema.
Eu compreendi, não sei se logo nessa altura, que para ter um percurso liso, naquela Instituição, não bastava ser bom aluno. A praxis tinha que acompanhar a gnosis ao contrário do frei Tomás, que não devia ser dominicano.
Foi o meu primeiro percalço no sonho duma carreira para bispo, mas fiquei mais calado, mais sisudo, mais tímido, numa palavra, mais seminarista.
Se comeres a papa toda, o avô conta-te outra história, um dia.
A. Alexandrino

quarta-feira, 21 de março de 2007

TODOS TIVEMOS OS NOSSOS MODELOS E OS NOSSOS HERÓIS


Três dias sem consultar o nosso blog...Passou de 1122 para 1328 visitas! Devorei “Memórias de mim” Relí “voltar a ser médico” (vou encomendar) e “pàra, escuta e olha” , com o comentário do E. Bento que partilho a 200%.
O Nelson pôs fim à primeira jogada do quem é quem. Não consigo memorizar as feições do Igreja nem consigo vê-lo numa situação concreta. Todos os outros, mesmo o Lino, que nunca mais ví e de que até tenho saudades, recordo-os perfeitamente. Manuel Rufino dos Santos é o seu nome ordenado...Foi o meu cùmplice de Roma...Quase meio século! É por isso que não temos tempo a perder, a não ser que penseis que isto é tempo perdido. Eu tenho a certeza que não. Tocou-me o comentário do E. Bento no que se refere ao Pe Miguel de que falarei adeante. O Matisse não teve grande sucèsso, só votou o J. Moreno.
E. Bento, ao ler o elogio que fizeste do Pe Miguel, invadiu-me uma paz e uma força tranquila que ele me comunicava naturalmente, muitas vezes sem uma palavra, mas únicamente com a sua presença. Outra grande força que me ajudou a crescer, desde a minha infância, foi a do Pe Tomás Videira. Destes dois homens que encarnavam para mim a Santidade jovem e a Santidade adulta, não recordo grandes discursos, mas certas atitudes e uma grande humanidade. Tive a nítida impressão que nestes dois homens a graça operava sem destruir a natureza. Não vou falar do Pe Miguel pois não quero faze-lo corar, o que fazia parte do seu ‘charme’. Vou citar três ou quatro momentos partilhados com o Pe Tomás Videira.
1° Certo dia, as retretes ao lado da capela, estavam completamente entupidas. O Pe Tomás chamou-me. Havia m..... por todo o lado.
Vamos a isto, disse ele. O quê? E como? Faz como eu, respondeu, juntando o gesto à palavra... Arregaçou a manga direita do hábito, entalou as fraldas no cinto e toca a meter a mão no fundo da retrete, a tirar tudo para um balde... Depois de termos desentopido as quatro ou cinco retretes e de termos lavado o chão, lavámos também as mãos e os braços com lexívia. Sentí-me orgulhoso por ter-me ultrapassado. Lição extraordinária...
2° No fim de um ano de noviciado o Capitulo achou que eu não merecia fazer a profissão e impuseram-me três meses suplementares. Foi certamente durante estes três mêses que fui noviço com o J. Moreno. Ver os colegas professar, ficando eu de lado,constituía para mim uma humilhação que não estava disposto a soportar e disse ao Pe Tomás que não podia transformar-me em três meses e que portanto ia-me embora. Espera mais algum tempo, disse-me ele, o capitulo quis precisamente testar a tua humildade pois pensam que és muito orgulhoso. E acrescentou, com grande humanidade: eu sei que não é orgulho, é teimosia, devido às tuas origens Trasmontanas. O Pe Tomás também era Trasmontano...Falou-me longamente do carácter rude dos Trasmontanos, do Miguel Torga que ele conhecia pessoalmente,creio...e fiquei.
3° Quatro anos depois, sendo Provincial o Pe Sylvain, fui autorizado a partir para França durante um ano. Quando regressei em 1966 tinha sido eleito Provincial o Pe Raúl de Almeida Rolo que me disse sem preâmbulos: precisamos de um professor de françês no colégio do Clenardo em Lisboa, não precisas de desfazer a mala, estão là à tua espera para te dar outras instruções. A minha surpresa foi enorme e disse-lhe: peço desculpa, mas abandonei os estudos durante um ano, e agora quero prosseguir os estudos de Teologia. E que fazes do voto de obediência? Prosseguiu ele. Aí compreendi que na verdade não desfaria a mala, pois voltava para França. Respondí-lhe, pensando que já não havia nada a fazer, fiz voto de obediência à Ordem dos Pregadores e não à ordem dos professores, e saí. Fui ter com o Pe Tomás que me disse: és mesmo trasmontano! Vou ver o que posso fazer...Graças ao Pe Tomás fiquei em Fátima mais um ano, mas depois ninguém nos pôde salvar da ‘diáspora’. Durante o seu mandato de três anos o Pe Raúl veio a Roma e ao Angélicum, onde o cruzei naqueles grandes corredores. Voltei sempre a cara para o lado e nunca mais o saudei. Afinal o que o Santo Pe Tomás Videira atribuía ao meu carácter de trasmontano rude, era orgulho do mais refinado. Penso que neste domínio não mudei mesmo nada, (chassez le naturel il revient au galop) mas ganhei em tolerância e em respeito dos outros e de suas ideis, com a condição que não pretendam impôr-mas.
4° Já me aconteceu fechar os olhos e repassar um filme com o frei Reginaldo, (caça balões). Estavamos no claustro, a lavar as mãos antes de entrar para o refeitório. O frei Reginaldo esbracejava à volta do Pe Tomás tentando convencê-lo de algo que para ele era importantíssimo. O Pe Tomás acenava com a cabeça sem dizer palavra, fazendo prova de uma paciência legendária...O outro não desarmava... e a cena prolongou-se durante alguns minutos. O Pe Tomás até fervia por dentro, mas tentava dominar-se. Ví então com grande surpresa o Pe Tomás completamente excedido, rasgar a toalha a que se limpava as mãos, sempre em silêncio total. O frei Reginaldo ficou paralizado o não caçou mais balões. O Pe Tomás sorriu de forma angélica e seguiu para o refeitório... É assim que eu imagino a santidade. O homem fica inteiro, escuta e respeita os outros e é Santo, mesmo se de vez em quando rasga um farrapo!
Um abraço do Fernando




A VOZ DOS NOSSOS MESTRES

NO ANIVERSÁRIO DO INÍCIO DA GUERRA DO IRAQUE
No 4º aniversário do início da guerra do Iraque, parece-me do maior interesse ouvir a voz dos nossos mestres sobre o tema.
A reflexão do frei Bento Domingues tem toda a actualidade, mesmo tendo sido publicada há seis meses.
A. Alexandrino


A MENTIRA E O ESTADO DO MUNDO
BENTO DOMINGUES, O.P. ................................Público, Lisboa, 14.10.2006

1. Embora de forma muito linear, pode dizer-se que a mentira consiste em afirmar algo, que sabemos que é falso, com a intenção de enganar, confundir ou manipular. Mas há mentiras e mentiras. Não existe só uma hierarquia de verdades, como reconheceu, até para as verdades da fé cristã, o Vaticano II. Também há hierarquia nas mentiras. As que dizem respeito à paz e à guerra são as mais perigosas. Podem envenenar a própria concepção da dignidade humana.
Desde Março de 2003, segundo um estudo publicado pela prestigiosa revista médica inglesa, The Lancet, já morreram mais de 650 mil civis devido à violência desencadeada no Iraque. Como observou, há dias, Luís Bassets, em el país, estes números equivalem a quatro "hiroshimas". George W. Bush tentou desvalorizar o relatório, mas pertence-lhe, directa e indirectamente, a responsabilidade desta interminável matança.
Sabia-se que havia tensões entre a Administração Bush e as agências de espionagem. Agora, parece que explodiram. Bush teima em repetir que os EUA estão a ganhar a guerra contra o terrorismo. No entanto, 16 organismos de espionagem concluíram que a guerra no Iraque, longe de fazer recuar o terrorismo, serviu para o exacerbar e propagar. O radicalismo islâmico difundiu-se por toda a parte. Para Bruce Hoffman, catedrático de estudos de segurança da Universidade Georgetown, a conclusão geral que brota dos documentos é esta: «não dispomos de balas suficientes para todos os inimigos que criamos».
No próximo dia 7 de Novembro, haverá eleições intercalares. Não se sabe ainda quais serão as consequências, no eleitorado, das novas informações que começam a saltar para o debate público. Já se conhece a capacidade da Administração Bush para fazer passar a mentira por verdade. Os cínicos dirão que, no mundo em que vivemos, já não faz sentido ter preocupações desse género. Há dois mil anos, Pilatos era da mesma opinião: ao Império não interessa a verdade, mas a manutenção e a expansão do seu poder.
2. Ian Buruma, professor de Democracia, Direitos Humanos e Jornalismo, no comentário a um livro recente – The greatest story ever sold ("A maior história alguma vez vendida") – de Frank Rich, toca directamente nessa questão. A realidade já não interessa para a forma como o mundo funciona hoje. O império cria a sua própria realidade. E o mais inquietante, insiste Buruma, é que esta arrogância vai no mesmo sentido de muitos outros fenómenos: «a destruição pós-moderna da verdade objectiva, os bloguistas e os fala-baratos das «talk radios» (rádios de opinião), que apontam o caminho aos meios de comunicação, as empresas jornalistas compradas por grupos de entretenimento, os meios cada vez mais numerosos e aperfeiçoados de manipulação da realidade» (1).
O tema da obra de Frank Rich é, precisamente, sobre a criação de uma realidade falsificada. Não é, em primeiro lugar, uma obra de análise política ou geopolítica. Não se detém sobre os argumentos a favor ou contra a deposição de Saddam Hussein, sobre as consequências da intervenção militar dos EUA no Médio Oriente, nem sobre a ameaça do extremismo islamita. Mas sabe que George W. Bush e o seu conselheiro político jogaram com os medos e o patriotismo para ganhar as eleições. O vice-presidente, Dick Cheney e os seus apoiantes neo-conservadores, eram partidários de uma guerra no Iraque muito antes dos atentados de 11 de Setembro de 2001, a fim de mudar o xadrez do Médio Oriente. Se acreditavam numa redistribuição das cartas, nessa zona, para lutar contra o terrorismo, enganaram-se redondamente.
A documentada tese de Frank Rich é muito clara: a Administração Bush mentiu sobre as causas da guerra, sobre a forma como foi conduzida e sobre as suas terríveis consequências, arranjando maneira de fazer com que a informação e os factos se ajustassem à decisão de entrar em guerra.
No final de 2001, Dick Cheney assegurou que a ligação entre o Iraque e Mohamed Atta, um dos terroristas do 11 de Setembro, era absolutamente verídica. No Verão de 2002, declarou que Saddam Hussein persistia em querer dotar-se de armas nucleares e não havia qualquer dúvida de que possuía armas de destruição maciça. Referiu-se, ainda, a tubos de alumínio que Saddam Hussein tencionava utilizar, para enriquecer urânio, a fim de fabricar uma arma nuclear. Os iraquianos, disse ele, tinham obtido esse urânio no Níger. Em Outubro de 2002, o Presidente Bush declarou: «Perante a escalada do perigo, não podemos permitir-nos esperar pela prova definitiva, que poderá apresentar-se sob a forma de um cogumelo atómico».
Hoje, sabemos que não havia nada de verdade nessas afirmações. Serviram, no entanto, para justificar a entrada na guerra.
Segundo Rich, os jornais mais sérios publicaram as afirmações da Casa Branca na primeira página, relegando as interrogações para a última. Não faltará quem diga que mexer nessa pouca vergonha serve, apenas, para desprestigiar os jornais mais reputados, mais sérios, do mundo anglófono e, finalmente, para oferecer munições aos inimigos dos EUA e fortalecer o anti-americanismo.
É precisamente o contrário. É urgente obrigar os meios de comunicação e, em particular, os jornais de grande prestígio a verem-se ao espelho das mentiras que são capazes de difundir e apoiar.
Note-se que é um antigo crítico de teatro, Frank Rich, que está a analisar a montagem dessa encenação criminosa, «a maior história alguma vez vendida». Conhecido o seu desfecho trágico, custa acreditar que os EUA deixem a Administração Bush continuar com a loucura do combate ao "eixo do mal" formado, não só pelo Iraque, mas também pelo Irão e pela Coreia do Norte. É por isso que Pyongyang se atreveu a exercitar a sua própria loucura. O Irão também continua a escrever, de forma bastante surrealista, a sua peça teatral. Este país não acredita que os EUA queiram reeditar o que está a acontecer no Iraque.
Diante disto, que fazer? Acabar com a ideia de que as mentiras do terrorismo podem ser vencidas com as paranóias anti-terroristas baseadas na mentira.
João Paulo II opôs-se, com todos os meios ao seu alcance, à invasão do Iraque. Para ele, como já tinha escrito numa mensagem em 1980, «a verdade é a força da paz». A mentira é a força da guerra.
(1) Ian Buruma, Intoxicação, maquilhagem e encenação. A realidade ditada pela Casa Branca, in "Courrier Internacional", nº 79 (6-12 de Outubro de 2006).

sábado, 17 de março de 2007

MEMÓRIAS DE MIM (I)



Nunca vesti o hábito dos dominicanos, a não ser aquele de popeline, assim um tipo pano de lençol, quando era escalado para ajudar à missa. Já vos disse, e alguns de vós recordar-se-ão que, por causa da física e de um tal frei Vicente, fiquei com o pé no degrau que dava acesso a Fátima. Por isso, as minhas memórias desses tempos de menino, são todas de Aldeia Nova, que depois visitei muitas vezes, até para mostrar aos meus filhos o sítio onde adquiri os primeiros saberes. Recordo ainda os primeiros dias, o primeiro dos primeiros dias, quando fui encaminhado para aquele dormitório, que era anexo, e que estava reservado aos meninos caloiros, imberbes e que a cada canto carpiam lágrimas de saudade e adaptação. Só ali recolhíamos noite feita, com um petromax a iluminar e um mestre a acompanhar. E é precisamente para recordar a figura tenebrosa de um perfeito de nacionalidade espanhola, cujo nome eu ainda recordo e que, se a memória me não atraiçoa era Avelino Aboim Gonzalez de Tiembra. Catalão, andaluz, basco ou galego, isso já não sei, mas era o “espanhol”. Tinha umas práticas, que punham em pânico todos aqueles que habitávamos aquele dormitório. É que o homem atacava os meninos na cama, a pretexto de fazer cócegas e sei lá o que mais. Tinha as suas presas seleccionadas e ninguém gostava da brincadeira. Nunca fui atacado pelo “espanhol”, mas que se apoderava de mim e dos outros, um tremendo pânico sempre que ele aparecia, isso tenho presente. Hoje, o castelhano seria um pedófilo e mais nada!... Mas houve uma outra situação que eu guardei, talvez fruto do medo que nutria por tal personagem. Se bem vos recordais, ele era músico, leccionava inglês, dava ginástica e não sei que mais.
Não tenho nada contra os espanhóis, nem mesmo contra os Filipes, pois se a sua ocupação tivesse vingado, hoje teríamos, o IVA e a gasolina mais baratos e um salário mínimo mais elevado. Mas o “espanhol” um dia teve uma saída de que eu, menino que ao tempo (mais que hoje), nutria um profundo respeito pela soberania nacional, não gostei. Era o fruto da história, das pelejas com os castelhanos e das coças que sempre lhes infligimos. Estávamos naquela formatura incómoda do fim de um recreio, em frente à “sala de estudo de baixo”, mais ou menos desalinhados e possuídos daquela irrequietude tão própria da nossa idade. À nossa frente, apostava-se o “espanhol” com cara de poucos amigos e os olhos a faiscar raiva contra os meninos irrequietos e inofensivos que nós éramos. Bate as palmas e vocifera no seu portunhol: -“Alinhados!... Cheguem para trás!... Se Portugal es pequeño, será grande Espanha!...”
Não gostei da arremetida do Avelino, nem tereis gostado todos vós, que por certo já não recordareis e episódio. Ele atingiu a minha nacionalíssima dignidade e feriu o meu portuguesíssimo orgulho. Trouxe-o hoje aqui, como espero trazer mais. Eles marcaram um tempo, e uma vida… A nossa vida.
Nelson Veiga

quinta-feira, 15 de março de 2007

VOLTAR A SER MÉDICO

A culpa deste partilhar é desses três "malvados" (Nelson, Bento e F.Vaz) e mais alguns que criaram este espaço. Penso que é um espaço de :ontem, hoje e àmanhã.
A comunicação social vai-nos "metrelhando" com notícias, quase sempre, pelo negativo. Hoje venho partilhar que a Fundação Calouste Gulbenkian publicou um belo e simpático livro que tem por título: "VOLTAR A SER MÉDICO- Médicos Imigrantes Bolseiros da Fundação Calouste Gulbenkian " Texto de Ricardo Dias Felner e fotos de David Clifford.
É um livro muito BELO e com histórias de sucesso. Os textos são duma ternura e, por vezes, dramáticos mas com belas fotos.
´Numa época que, por vezes, se ouvem umas vozes a falar dos Imigrantes como se nós não fosse-mos um País de Emigrantes..., julgo que este documento merece ser lido, relido e meditado. Aqui fica o registo.
Joaquim Moreno

PARE, ESCUTE E OLHE

Alguns de nós ainda nos lembramos destas placas de cimento ou de madeira junto da linha de comboio. Isto para chamar a atenção para o que muito recentemente a comunicação social escrita e falada nos transmitiu do Sr Hans Blix que foi inspector das Nações Unidas, no Iraque, antes do ataque dos Srs. Bush e Tony Blair sobre o regime de Saddam Hussein e Povo Iraquiano. Diz o Sr. Blix das alterações do Sr.Blair de pontos de interrogação por pontos de exclamação.
A história ( que é dos nossos dias) tem destas coisas... para desgraça do Povo Iraquiano. Quantas vidas já se foram ??
Desculpem o tema de reflexão mas, é só para aqueles que podem andar um pouco distraidos com mais esta guerra injusta.
Joaquim Moreno

O BLOG ESTÁ EM PERIGO



Hesitei demoradamente em participar de novo no “nosso” Blog. Ele
foi criado para criar laços, para unir e não separar. Depois de pensar bastante sinto-me obrigado ao meu compromisso com a verdade e com a história. Foi com alvoroço negativo e arrazoado despropositado e inconveniente que alguns dos meus supostos amigos reagiram aos meus textos. O Nelson assim assim; O Moreno mais ou menos; O Fernando Vaz como um fundibulário dos penhascos transmontanos; O Eduardo Bento como um cátaro de esquerda que é. Foi do Alexandrino que recebi a maior compreensão mas parece-me exagerada aquela conclusão a que chega de um loby do norte contra o sul.
Posto isto, reafirmo a minha obrigação moral e religiosa de não ficar em silêncio. Salve, Fernando Vaz! Cheguei a temer que essas andanças pela França te houvessem afastado da ortodoxia romana. Mas verifico, pelo que escreves, que não apostataste. ( Quem cita S. Paulo, como tu, não pode andar arredio dos caminhos do Senhor).Mas cuidado, sabes que o demónio se reveste de múltiplas formas e que nos pretende levar à perdição não só na sua aparência de súcubo ou de incubo mas sabe disfarçar a sua perfídia sob as mais inofensivas ideias de modernismo que, como deves saber, campeiam por essa França de Robespièrre e outros… Não fiques triste, como dizes, com as minhas intervenções… medita nelas.
Alguém me acusa de referir filósofos esquecendo S. Tomás. Este é de facto um gigante do pensamento. Mas como Descartes, Kant e outros
caiu no desespero. Quis demonstrar o indemonstrável: A existência de Deus. Deus não se demonstra, crê-se. Deus é o todo infinito que se furta à compreensão racional para se nos oferecer todo na fé. E assim é desde o momento que se revelou a Moisés como SER indizível e que não deve ser pro-nunciado. A abordagem racional de Deus é estultícia.
Kierkegaard abeirou-se desse mysterium tremendum ao lançar um profundo gemido de crente: « creio porque é absurdo!» E, por isso, se por um lado, S. Tomás nos fala de um Deus revelado na Palavra e na fé como
Esse suum subsistens, por outro quis racionalizar Deus com as suas cinco provas. A filosofia é vaidade. É nesta linha que nos fala S. João da Cruz em conúbio ( espiritual, claro) com santa Teresa.
Quero ainda dirigir umas breves palavras a um tal Anónimo que me pretendeu mordiscar. Oh espírito iníquo, que além de não te quereres converter pretendes perverter. Quem te ensinou a deambular pelos corredores da iniquidade? Tu, como filho da perdição, tens olhos e não vês. Põe os olhos no Alexandrino que vem duma região profundamente marcada pela cultura islâmica, o Algarve, e mais recentemente pela impudicícia e desvergonha da turística nudez nórdica e que me parece manteve a sensatez e a salutar visão de um bom crente. De facto parece que muitos dos nossos se mantém no bom caminho. É o caso de um António Costa (que eu não conheço ) e ao que me dizem dá catequese numa paróquia dos arredores de Lisboa. Parabéns, meu amigo, gostava de te conhecer. Salvemos o Blog dos seus inimigos. A mim não me inoculam!
Não vos roubo mais tempo. E ainda não é hoje que falo do modo como despertou em mim a vocação. Fica para a próxima.
Um abraço.

José Oliveira ( ex frei Imeldo )

terça-feira, 13 de março de 2007

Vamos testar a nossa memória. Quem é quem?

Requere-se: a identificação dos fotografados, o cenário e tudo mais que vos aprouver...
Esta pertence aos arquivos do Fernando Vaz, mas eu também a tenho. Fico à espera.
Nelson

segunda-feira, 12 de março de 2007

DA PARANÉTICA DO FREI CALVO À ANAMNESE DO Pe. ANSELMO

A propósito do frei Calvo que estava careca com dar recados aos Filipes para deixarem Portugal em paz, mas que os espanhóis não havia meio de perceberem por as mensagens serem em linguagem cifrada, dizia um comentador que também no tempo de Salazar se usava essa linguagem codificada e simbólica.
Porém reparem nos escritos de alguns teólogos actuais, e verão que coitados, se vêem na contingência de ter que usar a mesma linguagem, agora não sei com medo de quê.
Vejamos o exemplo que se segue:
“(…)
Dentro do horizonte hermenêutico, é preciso sublinhar a perspectiva teológica de género, pondo em questão a estrutura androcêntrica e patriarcal das doutrinas e teorias religiosas e teológicas.
(…)
O horizonte ético-praxístico implica a ética como teologia primeira. A teologia move-se no horizonte da razão prática e não no da razão pura e reconstrói-se através da leitura da História no seu reverso…
(…)
Inseparável do horizonte ético-praxístico é o horizonte utópico, que parte do princípio esperança, esperança que ilumina a razão e que, por sua vez, se deixa iluminar por ela. Para todos parece claro que a teologia é procura da intelecção da fé.
(…)
Indissociável do horizonte utópico, ético- -praxístico e anamnético aparece o horizonte político e económico, que exige uma praxis libertadora e inclusiva das pessoas, dos povos, dos países e continentes.
(…)
Não se pode esquecer o horizonte simbólico, porque, pela sua própria natureza, a teologia, se quiser manter-se fiel ao Sagrado que se revela e oculta, tem de substituir a linguagem dogmática pela linguagem simbólica. Como dizia Ricoeur, "o símbolo dá que pensar", enquanto o dogma tende a fechar o horizonte do pensamento e do sentido.
(…)
A teologia é teologia das religiões empenhadas na libertação, portanto, teologia libertadora das religiões. O horizonte do diálogo inter-religioso é a libertação-salvação enquanto experiência radical de sentido frente ao sem sentido dos explorados, dos humilhados, das vítimas e da morte.”
Padre Anselmo Borges s. j. in DN de 11.03.07
Os explorados, os humilhados, as vítimas e a morte, ficam muito sensibilizados e agradecem ao Sr. Padre ter-se lembrado deles, mas não percebem patavina do que esteve p’rái a dizer. De qualquer forma dizem tóbrigadinho, porque devem ser coisas muito importantes.
Isto é que vai aqui uma paranética!
Ezequil Vintém -Ex-frei Pancrácio

domingo, 11 de março de 2007

Brasão dos Dominicanos, ou S. Domingos de Matisse?



Meus amigos:

O Fernando Vaz acaba de enviar-me esta imagem de S. Domingos, de Matisse e deixa como sugestão que ela seja colocada no cabeçalho (template) do nosso blog, em vez do brasão dos Dominicanos. Porém, numa democracia é o Povo quem mais ordena, e por essa razão o Fernando sugere que se ponha esta alteração à consideração de todos vós. Ele sugere mesmo uma votação. Em face disso, fico aguardando o vosso voto, ou antes, a vossa opinião, aliás douta, como diriam os nossos amigos juristas. Devereis pronunciar-vos pela substituição ou não, ou se devem ficar as duas. Eu, humildemente, acatarei o vosso veredicto, escusando-me desde já, na qualidade de mero editor, de emitir opinião.

Às vossas ordens sou,

Nelson Veiga

sábado, 10 de março de 2007

A velha casa de Aldeia Nova

Caros amigos:
Como por certo já reparastes, a "velha casa" já está no blog. Isso só foi possível por força dos porfiados serões a que o Zé Celestino teve que sujeitar-se, para rebuscar o baú das suas memórias fotográficas. Valeu o esforço, porque a fotografia apareceu. Não apresenta, a foto, a traça primitiva da "velha casa", tal como a maioria de nós a conhecemos e habitámos, mas o Celestino garante já tem uns vinte anos. Daí que o fotografia também já não possa considerar-se nova. Na minha qualidade de editor, resta-me agradecer-te Zé Celestino, com a certeza de que o blog já está mais rico. Um abraço para ti e todos
Nelson Veiga

sexta-feira, 9 de março de 2007

Fernando Vaz - Pela verdade e pela razão

Caros amigos,
Não tinha inteção de intervir de novo neste debate à volta das ideias expostas pelo frei Imeldo. Gostei da intervenção do Eduardo Bento. Conhecendo as suas ‘fugas’ até o achei bastante moderado. Achei o nosso anónimo brilhante...Pensei que este parêntesis estava fechado ! Qual não foi a minha surpresa ao ler o comentário do Alexandrino, por quem tenho muita estima. Deus no céu e o Bush na terra! Ha realidades que por muito enraizadas que estejam e nos pareçam irreversíveis, nunca devemos deixar de as combater. A ditadura em Portugal já tinha raízes de 50 anos!...Também não apreciei, Alexandrino, que tentes transformar o que se pode chamar um debate de ideias, numa guerra entre os Lisboetas e os Nortenhos, é cair na banalização.
Respeito profundamente o José Oliveira enquanto pessoa. Deve poder exprimir-se, desde que todos os outros possam também exprimir, com toda a liberdade, pontos de vista diferentes. Digo sinceramente que se um dia tiver que faltar à caridade, seja com quem for, para defender a verdade, não exitarei. Digo francamente que ao ler as duas intervenções do José Oliveira, fiquei triste, pensando nos nossos professores. Não foram esses os horizontes que eles nos abriram! Amigo Alexandrino, ao quereres defender o fr. Imeldo, atenuas a intervenção do Eduardo Bento, que já era moderada. Penso que devemos ser respeitadores das pessoas, mas intransigentes com o mal e o erro. Evidentemente que quase tudo é relativo, mas algumas afirmações do José Oliveira são inaceitáveis. Ē evidente que estou mais de acordo com o Chaves, da Venezuela quando trata o Bush de diabo que com o José Oliveira quando o incensa.
Quando se estudou filosofia com os Dominicanos, como se pode falar dos filósofos com tal desprezo e com qualificativos tão indignos?!
O que mais me chocou, para ser franco, foi a falta de respeito pelo real, pelo mundo em que vivemos e em que vivem os homens do nosso tempo. Parece-me que não temos a mesma fé, pois que eu acredito num Cristo encarnado que não considerou o mundo “ como coisas vãs e mesquinhas...coisas perecíveis e mundanas...” Ele amou tanto o mundo, que deu a vida por ele. Dizes que te entregaste ao essencial, ao mundo da eternidade. O homem é feito sem dúvida para a eternidade, mas depois de ter vivido plenamente a sua humanidade. Ensinaram-nos que o suporte da graça é a natureza. Nunca vimos nenhuma alma andar por aí a passear sozinha... Como diz a adágio françês “qui veut faire l’Ange, fait la bête”. Atenção !...
Longe de mim a ideia de criar polémicas seja com quem fôr. Penso que defenderei sempre o teu direito de expressão, mas com a mesma força sublinharei o meu desacordo total e incondicional com a tua ideologia. Isso não nos vai impedir ( se não tens medo aos bichinhos com palitos ) de fazermos aqui uma patuscada. Também te farei apreciar os quartinhos das rãs “ à la mode de chez nous”!...
Um abraço para todos, Fernando.

Do Joaquim Moreno para o ex-Frei Pancrácio

Carissimo ex-fr.Pancrácio
Fiquei sensibilizado com a referência que fazes à minha Pessoa.
A minha memória já não é o que era e, tenho que te pedir desculpa por não estar a localizar a tua Pessoa. Espero que me desculpes e não vejas nisto uma falta de estima. Dado que em tempos (e porque não manter?) o lema VERITAS, venho colocar algum rigor ao que dizes. Na verdade estou mais virado para o espaço do campo, onde desfruto de ambientes menos poluidos e vou fazendo as minhas leituras , reflexões e alguma pequena faceta agrícula. Depois do corre-corre da cidade e da vida profissional, sabe bem fazer aquilo que não se teve tempo de fazer. É um espaço que ao longo de 20 anos,minha mulher e eu temos vindo a construir com algumas privações e muito empenho a pensar nos dias de reforma que um dia surgiria. É um local que tem sido e esperamos continuar a ser, espaço de encontro dos AMIGOS e de partilha.
Desculpa que te actualize (daí a veritas) que já não produzimos vinho da região. Nós e os Amigos começaram a ter estomagos senciveis ao vinho verde e eu tive que banir da dieta o precioso nectar do deus baco. Como nascemos em Familias onde se praticava a reciclagem, claro que não nos desfizemos das ramadas e bardos e...plantamos kiwis, framboezas e outras árvores. Produzimos, não para vender mas para partilhar com a Família, Amigos e Vizinhos (não existe forno comunitário no lugar mas existe a partilha de se trocarem as novidades ou os produtos que os outros não têm). Como vês também aqui, em terras do norte, se pratica os modus-vivendi da partilha.
Claro que numa zona de cave continuo a tratar "religiosamente" algumas perolas que são abertas com a chegada de um BOM AMIGO ou para uso do casal.
Desculpa o desabafo mas, continuo a dar primazia ao convivio com os AMIGOS e a conhecer novas terras.
Para utilizar a expressão feliz do Alexandrino, "continuo um dia" quando estiver na aldeia e o choque tecnológico tenha chegado à PT para esta nos dar banda larga na aldeia....
Joaquim Moreno

A Parenética de Frei Pedro Calvo[1]

1. Nota biográfica

Não são particularmente generosas as fontes disponíveis relativamente à biografia do dominicano Frei Pedro Calvo.
A unanimidade que se constata no que respeita à afirmação da sua origem portuense mantém-se geralmente intacta no que toca à omissão das datas do seu nascimento e da sua morte. Nem Barbosa Machado, no tomo III da Bibliotheca Lusitana,[2] nem Quétif-Echard, no tomus secundus dos Scriptores Ordinis Praedicatorum,[3] fazem menção de qualquer destas datas. Mais explícito é Inocêncio da Silva que afirma sem rodeios: “Nada se sabe quanto às datas do seu nascimento e morte”.[4]
Além dos já citados, vários outros autores fazem menção deste frade pregador e da sua obra, mas sempre en passant e em termos ostensivamente genéricos. Assim, D. Francisco Manuel de Melo, numa Carta endereçada ao “Vigário Geral do Arcebispado de Lisboa”, datada de 24 de Agosto de 1650, elencando um conjunto de nomes de “abalizados autores que deu e está dando Portugal nas ciências divinas e humanas”, menciona entre eles Frei Pedro Calvo, apelidando-o de “famoso escritor de homilias”.[5] No seu Curso de Literatura Portuguesa, publicado em 1876, Camilo Castelo Branco faz também uma breve e incaracterística referência ao dominicano, aparentemente decalcada sobre a Carta atrás citada, situando-o entre os “abalizados oradores que ilustraram o púlpito e a imprensa, no último quartel do século XVI”.[6] Já mais perto de nós, Jacinto Prado Coelho, no volume I do Dicionário de Literatura, pronuncia-se globalmente sobre o seu estilo parenético, considerando que “tem o encanto da singeleza e do metaforismo bíblico, mas por vezes ganha movimento oratório, desdobrando-se em sucessivos paralelismos antitéticos”.[7] Por último, João Francisco Marques, num interessante trabalho sobre A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina, datado de 1970 (e ao qual teremos oportunidade de voltar), evoca a figura de Frei Pedro, a propósito do sermão que este pregou na presença de Filipe III de Espanha, aquando da sua visita a Portugal, em 1619.
No entanto, à semelhança dos autores anteriormente mencionados, nenhum destes estudiosos avança qualquer informação sobre as datas de nascimento e morte do referido dominicano.
A excepção a este comum silêncio podemos encontrá-la, quer no estudo publicado, em 1982, por José Adriano de Carvalho, intitulado O portuense Fr. Pedro Calvo, O. P., e a polémica sobre as Ordens Religiosas nos começos do século XVII,[8] quer no capítulo sobre a “Literatura Parenética”, inserto no volume III da História Crítica da Literatura Portuguesa, da co-autoria do mesmo José Adriano de Carvalho e Maria Lucília Gonçalves Pires.[9]
E, tal como se infere destes dois estudos, as principais referências biográficas do dominicano portuense encontram-se precisamente na sua obra, se bem que, geralmente, de forma implícita e dispersa. Assim, é possível situar o seu nascimento em 1551, uma vez que, no texto de apresentação da Parte I das Homilias da Quaresma, datado de 24 de Abril de 1627, Frei Pedro afirma expressamente contar então setenta e seis anos.[10]
No que respeita à data da morte, é ainda uma informação recolhida no Prologo de outra das suas obras, saída a público postumamente, que nos revela ter a mesma ocorrido no Convento de S. Domingos de Lisboa, a 11 de Agosto de 1635, isto é, aos 84 anos de idade.[11]
Ignoramos a data precisa do seu ingresso na Ordem dos Pregadores, mas, segundo Barbosa Machado e Inocêncio da Silva, a profissão religiosa teve lugar no convento de Aveiro, a 25 de Agosto de 1566.
Desses tempos de juventude, guardará Frei Pedro especial e afectiva memória do confrade que presidiu à cerimónia da sua tomada de hábito, sobre o qual, decorridos cerca de cinquenta anos, registará o seguinte testemunho: “Fr. Reginaldo de Mello portugues, de cujas mãos recebi este santo habito, o qual depois de Prior de S. Domingos de Evora viveo em muyta abstinencia, dormindo sobre hũa pouca de palha e mantas de saco, trazendo hũa cadea de ferro cingida, fechada com hum cadeado e a chave lançada ao mar, com a qual o acharão cingido depois de morto, e se guarda no deposito do dito convento, como reliquia. Tambem com licença de seus prelados vendeo livros e quanto tinha a seu uso, e tudo deu a pobres.”[12]
A formação humanística e teológica de Frei Pedro Calvo decorreu já no convento de S. Domingos de Lisboa, local onde viria a exercer os cargos de Mestre dos Estudantes,[13] Lente de Prima de Teologia e Prior.
Este último cargo foi exercido por duas vezes. A primeira antes de 1619, pois, no sermão que pregou nesse mesmo ano, na igreja daquele convento, perante Filipe III de Espanha, referindo-se a um dos milagres atribuídos a S. Domingos, afirma que ele próprio o mandou pintar no claustro do mesmo convento, quando nele era Prior: “Como bem declarou aquelle grande milagre, que, por não ser sabido de muytos, mandey, sendo Prior deste Convento, pintar no Claustro […].”[14]
Embora desconheçamos quais as datas de início e termo deste primeiro mandato, sabemos que ele vigorava em 1615, uma vez que, no sub-título das Homilias do Advento, publicadas no referido ano de 1615, Frei Pedro é apresentado como “Mestre em Sagrada Teologia, Pregador Régio e Prior do Convento de S. Domingos de Lisboa”.[15]
O segundo mandato decorria ainda em 26 de Setembro de 1626, data em que foi emitido o parecer dos dois revisores e qualificadores do Santo Ofício, relativo à publicação da I Parte das Homilias da Quaresma, no qual se lê: “[…] vimos e examinamos diligentemente […] as Homilias que tem composto o muito R. P. M. Fr. Pedro Calvo, Pregador de Sua Magestade e Prior segunda vez do Convento de S. Domingos de Lisboa”.[16]
No entanto, sete meses depois, e, ao que parece, com grande alívio seu, já se encontrava livre de tais funções. Pelo tom em que se dirige “aos pios e benevolos leitores” no já referido texto de apresentação das Homilias da Quaresma, datado de 24 de Abril de 1627, depreende-se que não terá levado até ao fim este segundo mandato, não tanto por razão do peso dos 76 anos que já contava, mas antes pela necessidade de maior disponibilidade de tempo para concluir a redacção das ditas Homilias, objectivo que se lhe afigurava difícil de atingir se o Provincial o não dispensasse do “officio de Prior”. Escreve Frei Pedro: “E portanto, não por eu querer, mas impedido com o officio de ler, pregar e outros em que me ocupou a obediencia, não say mais sedo com esta obra a lume, nem ainda hoje podera, se pera isso me não absolvera do officio de Prior. Por o trabalho que me custou (que Deus sabe não foy pequeno), e vontade com que offereço estas homilias, mereço que aquelles a quem desagradarem me desculpem.”[17]
Aliás, a concessão desta absolvição “do offício de Prior” não deveria ter representado especial dificuldade para Frei António Tarrigue, então Provincial, a avaliar pelos termos da “licença” que redigiu, a 26 de Setembro de 1626, para a publicação da Parte I das Homilias da Quaresma.
Nessa “licença”, para além de realçar a grande expectativa com que as Homilias eram aguardadas, o Provincial ordenava ainda a Frei Pedro, “sub formale praecepto”, que envidasse todos os esforços para que a edição das mesmas estivesse concluída o mais rapidamente possível. Assim, escreve Frei António Tarrigue: “[…] dou licença ao dito P. Mestre, pera que tendo-a tambem do Santo Officio, Ordinario e Paço, as possa imprimir e lhe mando pera mayor merecimento, in virtute Spiritus Sancti et sanctae obedientiae sub formale praecepto, que com a brevidade possivel o effectue, por serem ha muitos dias esperadas:”[18]



2. Pregador de sua Majestade

Se o título de “Pregador” condizia naturalmente com a sua condição de frade dominicano e era de igual modo partilhado por todos os seus confrades, já o título de “Pregador de Sua Majestade” evocava uma distinção pessoal e muito rara entre clérigos e religiosos portugueses, em tempos de realeza sediada em Madrid. Foi ocasião para tal a visita de Filipe III de Espanha a Portugal, em 1619.[19]
A visita real que, segundo o desejo expresso do monarca, se destinava a “reunir os estados em Tomar, a 20 de Maio, para o juramento do príncipe D. Filipe”,[20] decorreu num ambiente de acentuada tensão. O descontentamento da população portuguesa face às sucessivas administrações do reino e, ultimamente, face à administração do castelhano Conde de Salinas, três anos antes elevado à dignidade de vice-rei de Portugal, era notório e tinha sido manifestado por diversas tomadas de posição de alguns nobres portugueses, ainda que a título individual.[21]
Tendo chegado a Évora a 14 de Maio, a comitiva real castelhana apenas entraria em Lisboa a 29 de Junho, após ter aguardado em Almada a conclusão das obras de adequação do Palácio da Ribeira, onde o rei ficou alojado.
A instalação de tão numeroso séquito em Lisboa causou sérios distúrbios e deu lugar a contendas e humilhações de vária ordem. Como refere Veríssimo Serrão, “a presença de tantos fidalgos castelhanos acabou por gerar brigas com a população, muitas vezes em conflitos de mão armada e de que resultaram mortes. Permitira-se o alojamento dos cortesãos em casas particulares, não escapando sequer as dos oficiais mecânicos, o que se tornou em escândalo público. […] Mas o abuso dos castelhanos foi ainda maior, pois, sendo acolhidos para merendar em mosteiros e casas nobres, no final levavam o recheio das mesas – porcelanas, toalhas, pratos, colheres, vidros e tudo o mais que podiam haver –, como se fossem objectos próprios.”[22]
As Cortes reuniram, finalmente, não em Tomar, mas em Lisboa, a 14 de Julho, tendo sido prestado juramento ao príncipe herdeiro, num ambiente de indisfarçável tensão entre fidalgos portugueses e castelhanos.
Em meados de Setembro, o rei decidiu ir visitar Sintra, mas “os habitantes deixaram a vila para o não acolher”.[23] Constatando que o ambiente era pouco propício à manutenção da Corte em Portugal, e face a notícias pouco animadoras sobre a situação da política externa espanhola, o monarca apressou o seu regresso a Madrid, atravessando a fronteira a 10 de Outubro do mesmo ano de 1619.

Foi neste contexto social e politicamente agitado que Frei Pedro Calvo pregou, no dia 4 de Agosto, o sermão da festa de S. Domingos, tendo entre os seus ouvintes o rei Filipe III e os cortesãos de Castela. A tarefa revestia-se de grande delicadeza, dada a contradição de sentimentos que se escondia atrás das relações mais ou menos artificiais das duas nobrezas. E é evidente que, com tal pano de fundo, tudo o que fosse dito pelo pregador seria, inevitavelmente, objecto de interpretações diversas e contraditórias.



3. Sermão feito à Magestade de El Rey

O “Sermão feito à Magestade de El Rey” encontra-se estruturado em cinco capítulos, sendo os quatro primeiros reservados ao comentário dos versículos 13-15 do capítulo V do evangelho de S. Mateus, e o quinto e último, com uma extensão aproximadamente igual à soma dos quatro capítulos anteriores, exclusivamente dedicado a S. Domingos e à demonstração de como a sua vida apostólica se ajustou a tudo o que atrás fora dito.
Considerando a estrutura interna do sermão, podemos dividi-lo em duas partes: a primeira, de pendor acentuadamente político; a segunda, de carácter mais vincadamente religioso e assumindo mesmo um tom afectivo relativamente ao fundador da Ordem.

Dirigindo-se pessoalmente ao rei – “Sacra, Catholica e Real Magestade” – o pregador começa pela “explicação do tema” – Vos estis sal terrae, vos estis lux mundi – afirmando que tais palavras foram dirigidas por Cristo a seus discípulos “no dia, que pera o bom governo de sua Igreja os escolheo e fez grandes do Reyno do Ceo, por entender que nem o Reyno da terra sem grandes homens, nem o do Ceo sem grandes santos se pode governar”.[24]
Tendo escolhido os discípulos para serem seus “legados e embaixadores”, Cristo quis honrá-los com os títulos de “sal da terra” e “luz do mundo”, e com isto “fez tres cousas: honrou os officios, obrigou as pessoas a serem utiles e faciles na administração do seu poder e avisou-os que se não descuydassem no comprimento das obrigações de seus cargos, sob pena de serem lançados e depostos delles, com afronta, assi como o sal he lançado fora, onde seja pizado dos pés dos homens, se perde a virtude de saborear”.[25]
Uma vez exposto o tema, o pregador passa à fase do seu desenvolvimento, afirmando que, ao mesmo tempo que Cristo instituiu os seus discípulos como “grandes e publicos ministros do seu Reyno, lhes deu todo o poder a seus officios necessario”, – dedit illis potestatem –, pois bem sabia que “officiaes publicos com as mãos atadas são fantasmas e mais representam figura do que tem substancia”.[26]
Ora, se Cristo autorizou deste modo os seus “legados e embaixadores”, também os Príncipes devem honrar e autorizar os seus ministros para que estes sejam temidos e respeitados, pois, “d’outra maneira viverão os maos tão soltamente como se para elles na republica não ouvera governador”.[27]
E se Cristo comparou os discípulos ao sal e à luz é porque quer que eles sejam “pera o mundo tão utiles quanto o são o sal e a luz aos corpos, declarando-lhes que quanto a dignidade do lugar em que os pos he mais alta, tanto ha de ser ao mundo mais proveitosa”.[28]
Aqui chegado, Frei Pedro Calvo passa das considerações doutrinais para a realidade concreta dos seus ouvintes. Não ignorando que entre eles se encontram “alguns grandes do mundo” que, embora colocados bem alto, não passam de seres vazios, porque inúteis para o serviço do reino, Frei Pedro Calvo exclama: “Quem poderá com lagrimas de sangue chorar a entranhavel cobiça e ambição de alguns grandes do mundo (não digo todos) que sendo pera a honra de Deos, pera o serviço do Rey, pera o bem da republica nada, são pera si e seus commodos tanto, tanto. Ouso a dizer destes que até o Rey que avião de ordenar pera Deos, ordenão pera si, e todos os seus desenhos tem por fim como a Magestade Real será mais util, não aos reynos, mas a elles.”[29]
Seguidamente, o pregador regressa ao texto bíblico. Lembra que a Escritura afirma, acerca de Salomão, que este se sentou sobre o trono de Deus – sedit Salomon super solium Domini. E diz ainda a Escritura que quando os israelitas o sagraram rei, “ungiram-no para Deus” e “não pera si, não pera seus respeitos particulares”.[30] Porém, acontece frequentemente que “os grandes deste mundo”, em vez de ungirem o rei para Deus, ungem-no para si próprios e em função dos seus interesses pessoais. Procedendo assim, tornam-se os principais inimigos do rei, pois privam-no de ser aquilo que ele deveria ser, isto é, o ungido de Deus.
E, mais uma vez, deixando no ar a ideia de que, entre os seus ouvintes, não faltaria quem se servisse do rei em proveito próprio, com danos irreparáveis para a sua imagem junto dos governados, Frei Pedro, usando dos seus dotes oratórios e da liberdade que lhe advinha da sua condição de pregador, exclama: “Ó grandes do mundo que ungis os Reys, olhay bem o pera que os ungis: se pera Deos, teremos Reyno de Deos, a cadeira do Rey será imagem do Throno de Deos; se pera vós e traças de homens, teremos Reyno de homens e o throno do Rey será de homens. Grande, grande será esta culpa, que podendo o throno de hum Rey ser Throno de Deos, tratando os que o ungem só de Deos, por tratarem de o ungir pera si o tornão throno de homens. Merecem [ser] desterrados do mundo os que são tão inimigos dos Reys, que por os ungirem pera si, os privão de hum bem tamanho como serem os Reys imagens de Deos e o seu throno retrato de Deos. Que gloria mayor de hum Rey que estar assentado em hum Throno imagem de Deos? Desta o privão os que o ungem pera si.”[31]

Embora evoquem apenas uma parte do sermão, os passos citados são suficientemente expressivos para nos introduzirem no tom geral do discurso de Frei Pedro Calvo. E não será necessário cavar muito fundo na sua análise para nos darmos conta de que todas a tensões sociais e políticas do reino lhe estão subjacentes. E tal não significa que, neste particular, Frei Pedro fosse pioneiro ou se distanciasse grandemente de outros conhecidos pregadores do seu tempo.
Com efeito, revestido da autoridade que lhe advinha da sua condição de transmissor da doutrina evangélica, o pregador de seiscentos encontrava no púlpito o espaço privilegiado para exortar os seus ouvintes a assumirem determinados comportamentos ou a rejeitarem determinadas atitudes, para denunciar desvios e abusos, para aconselhar, para repreender, para criticar, para admoestar. E se o seu auditório era, por vezes, constituído por gente anónima e iletrada, não faltavam também ocasiões em que as suas palavras atingiam directamente os ouvidos de nobres e burgueses, de altos funcionários administrativos e, como no caso presente, do próprio rei.
Inserido num contexto sócio-cultural marcado por contingências históricas, geográficas e económicas específicas e com o qual mantinha relações de pertença e de solidariedade, o pregador facilmente transitava do comentário bíblico ou da citação da patrística para a sua aplicação à realidade quotidiana, urdindo uma teia de laços e relações entre os enunciados doutrinais e as preocupações concretas do seu auditório. Como afirma Hernâni Cidade, a propósito da parenética do Pe. António Vieira, o púlpito constituía “a única tribuna com certa liberdade em tempo em que nem instituições parlamentares, nem salas de conferências, nem tertúlias de clubes ou salões, nem ambientes excitantes de botequins podiam altear, avolumar, comunicar a público mais largo do que os interlocutores de recolhido diálogo, os comentários críticos à vida pública.”[32]
E se assim era nos dias da pregação de Vieira, e, em particular, no período pós-independência, não seria muito diferente nas últimas décadas do domínio filipino. Uma breve análise de alguns dos sermões proferidos nesse tempo não deixa quaisquer dúvidas sobre a ressonância que encontravam no púlpito o rumor surdo e as aspirações autonomistas que lavravam entre a população portuguesa. Com efeito, a oratória sagrada representou muitas vezes o eco mais expressivo e a voz mais contundente dos anseios independentistas do país face ao domínio estrangeiro.

Nesse sentido, o “Sermão feito à Magestade de El Rey” pode ser considerado um caso paradigmático. Através de uma linguagem cifrada, acentuadamente metafórica e frequentemente antitética, é todo o mal-estar da sociedade portuguesa de então que emerge à superfície do discurso de Frei Pedro Calvo.
Tendo em conta o contexto social e político desse ano de 1619 e as causas do descontentamento vigente, não será difícil identificar os alvos das insinuações do pregador. Deixando aparentemente intacta a figura do rei, todas as críticas vão directas para os seus representantes em Portugal, que, ocupados em intrigas palacianas e jogos de interesses pessoais e familiares, deixam o reino arrastar-se para a ruína económica, ao mesmo tempo que abandonam à sua sorte os territórios portugueses de além-mar, acossados pelas permanentes investidas de holandeses, ingleses e franceses.

Face ao teor desta primeira parte do sermão, que, como refere João Francisco Marques, soava “como uma forma astuciosa de crítica a uma realidade presente”,[33] era expectável que surgissem as mais variadas e polémicas interpretações, e, consequentemente, as mais diversas e acesas reacções. E tanto umas como outras não se fizeram esperar, ora apoiando e amplificando, ora torcendo e apoucando as palavras do pregador, dependendo da perspectiva e dos interesses de cada ouvinte.
Não admira, portanto, que Frei Pedro Calvo se tenha apressado a imprimir o texto do sermão pregado diante do rei e da sua corte, procurando assim evitar que lhe fossem atribuídas palavras que não proferira. Aliás, essa preocupação ressalta claramente do Prologo por ele mesmo redigido, no qual afirma expressamente que a iniciativa desta apressada edição não foi provocada pelo “desejo de todos lerem o que neste sermão disse, mas o de saberem o que não disse”.[34]
E, para que não restassem dúvidas quanto ao fundamento dos seus receios, acrescentava: “Algũas pessoas refferirão a outras pontos deste sermão (seria por me não ouvirem bem) tam viciados, que hũs, por lhe tirarem o sal, ficavão insulsos; outros, por lho acrescentarem, asperos e desabridos. Portanto, por que o mal da fama, ou pera melhor dizer, da lingoa, não adultere referindo as verdades que, com devida tempera do sal, propus a sua Magestade pregando, o quis imprimir.”[35]
Mas não terminavam aqui as preocupações do “Pregador de sua Magestade”, pois nada garantia que não surgissem impressas versões adulteradas do seu sermão. Precavendo-se contra tal eventualidade, Frei Pedro decide então rubricar todos os exemplares saídos da gráfica, advertindo o “benevolo Leytor”, no final do Prologo, de que só a esses e a nenhum outro deverá dar crédito: “A Deos, benevolo Leytor, e ultimamente te advirto, que nem impresso, nem tresladado tenhas por meu, senão o que por minha mão e letra for assinado”.[36]
Não será arriscado afirmar que muito poucos sermões terão passado tão velozmente do púlpito à letra de forma como este, uma vez que, tendo sido pregado a 4 de Agosto, decorrido pouco mais de um mês, tinha já obtido por escrito as cinco licenças necessárias para sair a público, o que veio a acontecer a 20 de Setembro de 1619.



4. A obra de Frei Pedro Calvo

Embora o “Sermão à Magestade de El Rey”, pelas circunstâncias em que foi pregado e pelas controversas reacções que despertou, seja especialmente conhecido e referenciado, ele não constitui mais do que um exemplar das largas dezenas de sermões, ou homilias, que Frei Pedro Calvo nos legou.
É possível que algumas dessas homilias se tenham perdido, mas as que chegaram até nós, não tanto pela quantidade, mas antes pela limpidez da linguagem, pela robustez da fundamentação bíblica e patrística, e pela riqueza e diversidade de estilos, constituem acervo e testemunho suficientes para confirmar Frei Pedro Calvo como um dos mais insignes mestres da oratória sagrada da última década de quinhentos e primeiro quartel de seiscentos.
Da sua parenética propriamente dita, identificámos, nas diversas bibliotecas consultadas, as seguintes obras:
- Um volume de Homilias em latim – Homiliarum Totius Anni – publicado em 1615, contendo 24 homilias do Advento;[37]
- O Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal, redigido em português e publicado autonomamente em 1619;[38]
- O Sermão feito na See desta cidade de Lisboa, na publicação solenne da Sancta Bulla da Cruzada a 7 de Fevereiro de 1621, redigido em português e publicado autonomamente em 1621;[39]
- Um volume de Homilias da Quaresma, I Parte, num total de vinte e duas, redigidas em português, publicado em 1627;[40]
- Um volume de Homilias da Quaresma, II Parte, redigidas em português, publicado em 1629.[41]

A par desta extensa obra parenética, deixou ainda Frei Pedro Calvo três outros escritos sobre temáticas diversas, a saber:
- Defensam das Lagrimas dos Justos Perseguidos, publicado em 1618;[42]
- Defensam das Sagradas Religiões, fructo das Lagrimas de Christo N. S., também publicado em 1618.[43]
- Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118, obra composta “nos últimos dias de sua vida” e publicada postumamente, em 1638.[44]
É no Prologo desta obra que encontramos a já referida informação sobre o local e a data da morte do seu autor, redigida nos seguintes termos: “Faleceo neste Convento de S. Domingos de Lisboa aos 11 de Agosto de 635 o P. Mestre Frey Pedro Calvo com edificação geral de todos os que o vimos passar desta vida, não como quem entrava no riguroso trance daquella hora terrivel, mas como quem verdadeiramente descansava do trabalho presente.”

No que respeita ao estilo, a parenética de Frei Pedro Calvo oscila entre um estilo culto, por vezes mesmo próximo do “discurso engenhoso” (como no Sermão à Magestade de El Rey), ou de pendor metafórico (como na Homilia I da Quarta-feira de Cinzas, em que a morte é evocada como o mais eficiente pregador),[45] e um estilo singelo e familiar, alimentado pelo ritmo das imagens bíblicas e pela expressividade das cenas do quotidiano.
A utilização de cada um destes registos varia de acordo com o maior ou menor grau de literacia dos ouvintes, demonstrando o pregador invulgar capacidade de adaptação do discurso às variações dos seus auditórios, ora recorrendo às construções retóricas em voga na oratória sagrada da época, ora evocando e recriando os ambientes simples da vida familiar e da actividade campestre.


Horácio Peixoto de Araújo
Universidade Católica Portuguesa





Homilia I
de Quarta-feira de Cinzas
Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris (Gen. 3, 19)

Cap. I – Quão grande pregador seja a morte

“Tenho grande confiança de mediante o favor divino aver de fazer a pregação deste dia muito fruto, por o pregador ser o mayor, melhor e mais efficaz pera bater, ferir e abrandar duros corações de quantos nunca subirão em pulpito. Portanto, ó curiosos ouvintes (ou não sei se dizer ouvidores), espertai e dai prontissima attenção às roucas, mas penetrantes vozes do mais poderoso pregador em mudar pareceres, trestornar almas, e em breve espaço melhorar vidas. Quem vos parece será este? A morte. A ella e não a mim aveis oje de ouvir. Nem vos pareça cousa nova chamar eu à morte pregador.
S. Chrysostomo lhe põe este nome com muita elegancia. Referindo o Santo aquelle caso repentino que aconteceo a S. Paulo estando pregando em hũa aula, aonde avia muitos lumes e copioso auditorio, parte em baixo e parte nas tribunas por cima, hum mancebo que estava à borda de hũa janela, carregando-lhe o sono, cahio e morreo. S. Paulo, com a inquietação do povo, deceo-se do pulpito e em seu lugar, diz S. Chrysostomo neste passo, pro Doctore casus fuit. Quando S. Paulo deixou de pregar, a morte começou, a morte repentina ficou em lugar de doutor e pregador, e a pregação, que o caso interrompeo, a morte a continuou. Sem agravo de S. Paulo, ouso a dizer que pera abalar os ouvintes foi mais efficaz a pregação da morte que a do Apostolo; porque corações duros que a grandes pregadores muitos dias resistem, à pregação da morte em breves horas se rendem.
Quantos dias Moyses e Aaron pregarão a Pharaó que largasse o povo de Deos, e nem com fervorosas palavras, nem admiraveis obras poderão acabar de o trazer ao que Deos pedia? Vendo Deos que pera abrandar Rey, Vassallos e povo tão endurecido nem as sutis e engenhosas razões de Moyses, nem a elegancia de Aaron em as propor, nem tantas pragas e açoutes por tantos dias repetidos bastavão pera o render, mandou à morte que lhes fosse pregar. Ella apressada se pos a caminho, entrou por o Egypto à meya noite em ponto – in noctis medio – como notou a divina Escritura, e com sua curva e aguda fouce que trazia na mão, começou a matar desde o primogénito do Rey que estava em seu trono ate o do mais triste cativo que estava no carcere. Entrou no Egypto à meya noite e em breves horas trouxe o Rey e povo ao que não poderão tão grandes pregadores como Moyses e Aaron em muitos dias. O Rey, vendo a morte, assombrado e esmorecido, não esperou a manhã, mas logo logo mandou chamar a Moyses e Aaron e lhes disse: Levantai-vos e com muita pressa vos sahi do meu povo. Ide, ide vós e os filhos de Israel e sacrificai ao Senhor no deserto, como pedis.
O povo, vendo seu Rey rendido, rendeo-se dando grandes vozes que se fossem sem detença algũa, porque não avia casa dos Egypcios na qual não ouvesse algum morto… Finalmente foy tal a pressa que lhe não derão tempo pera se levedar o pão, mas assim asimo lho fizerão levar.
Ó morte, quão poderosa és pera mudar pareceres, trestornar vontades e de todo render corações endurecidos!
(…) Com o pavor da morte se acendem os frios, se apertão os remissos, se despertão os preguiçosos; aos fugitivos faz branda força para que tornem pera seu primeiro Senhor, aos gentios obriga a que creão! Se estes são os effeitos da pregação da morte, peçamos com lagrimas e mãos levantadas a Deos, a mande oje a este Egypto pregar, de maneira que aos tíbios em seu amor os acenda, aos de vida larga e remissa aperte e reforme, aos negligentes desperte, aos que enganados deixarão seu Senhor, faça tornar com pressa a Elle, abra os olhos aos que o não conhecem e finalmente assi trestorne com seus brados nossas almas que nos seja gostoso largar o que ate oje temíamos perder.
(…) Todos os rios vão ter ao mar, como diz a Escritura. Em quanto elles correm bebemos delles com gosto e suas agoas nos são suaves; mas depois que entrão no mar, se as bebemos, são salgadas como o mesmo mar. Quanto ha na vida, gloria, riquezas, delicias, tudo são rios que a grande pressa correm ao mar da morte. Bebidas as agoas delles em quanto correm são gostosas e suaves; mas depois que entrão no mar da morte, ficão tão amargosas como a mesma morte. Não bebais, ó mundanos, dos rios dos bens desta vida, como se não ouvessem de ir parar na morte; uzai delles com esta consideração e vos ficarão amargosos”. (pp.3-8)

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Notas:
[1] Considerando a extensão da obra parenética de Frei Pedro Calvo e os condicionalismos de tempo e de espaço do presente trabalho, limitar-nos-emos, por agora, a uma breve análise do Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal, pregado e publicado em 1619.
[2] Diogo Barbosa Machado, Bibliotheca Lusitana, Tomo III, Lisboa: Officina de Ignacio Rodrigues, 1752, pp. 565-566.
[3] Jacobus Quétif-Echard, “F. Petrus Calvo”, Scriptores Ordinis Praedicatorum, Tomus secundus, Lutetiae Parisiorum: apud J. B. Christophorum Ballard et Nicolaum Simart, M.DCCXXI, pp. 441-442.
[4] Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo VI, Lisboa: Imprensa Nacional, 1862, p. 397.
[5] D. Francisco Manuel de Melo, Cartas Familiares, Lisboa, INCM, 1981, p. 413
[6] “Não obstante, no último quartel do século XVI, abalizados oradores ilustraram o púlpito e a imprensa, tais como Frei Pedro Calvo, Frei Filipe da Luz, Dr. Francisco Fernandes Galvão, Padre Luís Álvares, Frei João de Ceita, Frei António Feio, o jesuíta Francisco do Amaral e Tomás da Veiga.” (Camilo Castelo Branco, Curso de Literatura Portuguesa, Lisboa: Editorial Labirinto, 1986, p. 85).
[7] Jacinto Prado Coelho, “Calvo, Fr. Pedro”, Dicionário de Literatura, Vol. I, Porto: Livraria Figueirinhas, 1979, p. 134.
[8] Separata da Revista de História, Vol. III, Centro de História da Universidade do Porto, 1982.
[9] Maria Lucília Gonçalves Pires e José Adriano de Carvalho, História Crítica da Literatura Portuguesa [Maneirismo e Barroco], Lisboa, Editorial Verbo, 2001, pp. 231-292.
[10] “Não presumo tanto de mim que reservasse a impressão destas homilias pera a idade de setenta e seis que Deos me concedeo pera ter mais tempo de penitência…” (Frei Pedro Calvo, “Prologo”, Homilias da Quaresma, Parte I).
[11] (“Prologo”, Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118, Lisboa: J. Rodrigues, 1638).
Esta informação encontra-se já expressa no citado capítulo sobre a “Literatura Parenética”, de Maria Lucília Gonçalves Pires e José Adriano de Carvalho: “O dominicano Fr. Pedro Calvo, falecido em 11.8.1635 – a data da sua morte aos 84 anos, que escapou a Barbosa Machado e a F. Inocêncio da Silva, resulta da declaração expressa do Prologo de uma obrazinha sua, que, editada postumamente, esses grandes beneméritos das Letras portuguesas não conheceram: Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118, Lisboa: J. Rodrigues, 1638 – …” (História Crítica da Literatura Portuguesa [Maneirismo e Barroco], Vol. III, p. 235.
[12] Frei Pedro Calvo, Defensam das Sagradas Religiões, p. 106
[13] “studentium magister” (Quétif-Echard, Scriptores Ordinis Praedicatorum, p. 441)
[14] Frei Pedro Calvo, Sermão à Magestade de El Rey, p. 14
[15] Frei Pedro Calvo, Homiliarum Totius Anni, Tomus I.
[16] Frei Pedro Calvo, “Censura dos Padres Revedores”, Homilias da Quaresma, Parte I.
[17] Frei Pedro Calvo, “Prologo”, Homilias da Quaresma, Parte I.
[18] Esta ordem do Provincial, mais não é do que uma satisfação ao pedido dos dois revedores e qualificadores do Santo Ofício, respectivamente, Frei Diogo Ferreira e Frei Thomas de S. Domingos, ambos dominicanos, concluído nos seguintes termos: “[…] Pelo que nos parece que serão estas Homilias da Quaresma de grandíssima honra da nossa Sagrada Religião e muito utiles à Republica Christáa. E se lhe deve dar licença e ainda mandar com preceito pera que as divulgue com toda a pressa pera que não careçamos por mais tempo deste bem. Em S. Domingos de Lisboa em 26 de Setembro de 1626”. (“Censura dos Padres Revedores”, Homilias da Quaresma, Parte I)
[19] Como informa João Francisco Marques, no seu estudo sobre A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina, de todas as cerimónias litúrgicas a que Filipe III assistiu em Portugal, “restam-nos dois sermões pronunciados por D. Manuel Afonso da Guerra e Fr. Pedro Calvo – conhecidos pregadores de então.” (pp.200-201)
[20] Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Tomo IV, Lisboa, Editorial Verbo, 1979, p. 86.
[21] A propósito das reacções motivadas pela chegada a Portugal do Conde de Salinas, a quem Filipe III concedera recentemente o título de Marquês de Alenquer, escreve Joaquim Veríssimo Serrão: “No Reino houve protestos surdos pela sua chegada: o conde de Sabugal, que era vedor da fazenda, retirou-se para a ‘sua quinta’… e D. Nuno Álvares de Portugal, presidente da Câmara de Lisboa, apresentou a demissão do cargo, invocando motivos de saúde.” (J. Veríssimo Serrão, Op. cit., p. 85)
[22] Joaquim Veríssimo Serrão, Op. cit., pp. 87-88.
[23] Joaquim Veríssimo Serrão, Op. cit., p. 90
[24] Frei Pedro Calvo, Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal, p. 4.
[25] Ibid., p. 4v.
[26] Ibid., p. 4v.
[27] Ibid., p. 6
[28] Ibid., p. 7v.
[29] Ibid., p. 9
[30] Ibid., p. 9v.
[31] Ibid., p. 10
[32] Hernâni Cidade, “Prefácio”, in Pe. António Vieira – Obras Escolhidas, Vol. X, Sermões I, p. VIII.
[33] João Francisco Marques, A Parenética Portuguesa e a Dominação Filipina, Coimbra, 1970.
[34] Frei Pedro Calvo, Sermão feito à Magestade de El Rey, p. 2v.
[35] Ibid., p. 2v.
[36] Ibid., p. 2v.
[37] Homiliarum Totius Anni. Tomus I continens XXIIII Homilias Adventus Domini et unicam in Solenni Fidei habitam. Auctore Fratre Petro Calvo Portuensi Sacrae Theologiae Magistro, et Praedicatore Regio, Prioreque Conventus Sancti Dominici Ulyssiponensis, Ordinis Praedicatorum. Ulyssipone, apud Vincentium Alvarez, Typographum Episcopi à Portalegre, 1615.
[38] Sermão feito à Magestade de El Rey Felippe Nosso Senhor II de Portugal. Por o M. F. Pedro Calvo seu Pregador, em Lisboa, no Mosteiro e Solennidade do Beatíssimo Patriarcha S. Domingos, Pay e Fundador da Sagrada Ordem dos Pregadores. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1619.
[39] Sermão feito na See desta cidade de Lisboa, na publicação solenne da Sancta Bulla da Cruzada a 7 de Fevereiro de 1621, quando o muy illustre Senhor D. Antonio de Mascarenhas, Dayão da Capella Real de Sua Magestade entrou por Cõmissario Geral. Author o Padre Fr. Pedro Calvo Mestre na Sancta Theologia e Pregador de Sua Megestade. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, M.DC.XXI.
[40] Homilias da Quaresma em duas partes divididas. Compostas por o M. R. P. M. Frey Pedro Calvo, Pregador de Sua Magestade, e Leitor que foy, e Regente Primario da Universidade de S. Domingos de Lisboa, da Ordem dos Pregadores. Parte I. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1627.
[41] Segunda Parte das Homilias da Quaresma compostas por o P. Frey Pedro Calvo, Mestre em a Sancta Theologia, e Pregador de Sua Magestade: com os indices da Primeira e desta Segunda, assi das authoridades da divina Escriptura, como das cousas mais notaveis. Lisboa, por Matheus Pinheiro, 1629.
[42] Defensam das Lagrimas dos Justos Perseguidos. Autor o P. F. Pedro Calvo Dominicano, Mestre em S. Theologia e Pregador de S. Magestade. Lisboa, por Pedro Crasbeeck, 1618.
[43] Defensam das Sagradas Religiões, fructo das Lagrimas de Christo N. S., Parte Segunda. Lisboa, por António Alvarez, 1618.
No seu estudo intitulado O Portuense Fr. Pedro Calvo, O. P., e a Polémica sobre as Ordens Religiosas, José Adriano de Carvalho afirma constituir esta obra “um momento alto da méditation sur l’Église dum frade português nos começos do século XVII, século este que, por razões múltiplas, tanta importância continuou a conceder à reflexão teológica sobre a Igreja” (p. 13).
[44] Paraphrasis do Psalmo Beati Immaculati in via 118. Cõposta pello P. M. Fr. Pedro Calvo, da Ordem dos Pregadores, e Pregador de Sua Magestade, nos últimos dias de sua vida. Lisboa, por Jorge Rodrigues, Anno 1638.
[45] “Tenho grande confiança de mediante o favor divino aver de fazer a pregação deste dia muito fruto, por o pregador ser o mayor, melhor e mais efficaz pera bater, ferir e abrandar duros corações de quantos nunca subirão em pulpito. Portanto, ó curiosos ouvintes (ou não sei se dizer ouvidores), espertai e dai prontissima attenção às roucas, mas penetrantes vozes do mais poderoso pregador em mudar pareceres, trestornar almas, e em breve espaço melhorar vidas. Quem vos parece será este? A morte. A ella e não a mim aveis oje de ouvir.” (Homilia I de Quarta-feira de Cinzas, pp.3-4)

Caro José Oliveira

Fiquei de veras admirado por ainda te lembrares do meu nome.
Julgo não estar a cometer a indelicadeza de não me lembrar de ti. O importante é que tivemos muito em comum, para além da experiência do latim. Conhecemos e convivemos com fontes do saber e de opiniões diversas. Também eu vivi na zona próximo da tua, isto é, Campolide, Rato,S.Mamede, onde ainda hoje quando vou a Lisboa continuo a pernoitar. Também eu tive o "convite" de fazer uma viagem no Niassa até terras de Angola e bater com o costado em Nambuangongo (onde vim a saber também esteve,anos depois, o "latinfundiáro-da-amizade" Ferro). Foi uma viagem dolorosa para toda uma geração. Felizmente que tive a sorte de conhecer Pessoas de lá que estavam ligadas a Igrejas que me mostraram uma realidade diferente daquela que a psico da tropa nos procurava incutir. Lembro neste momento a preocupação do Bom fr. Tomás Videira a enviar-me a direcção dum Amigo Ten-Cor. ou Coronel dele que tinha deixado a tropa e dava aulas, em Luanda. Conheci Pessoas que me receberam de braços abertos e muitas dessas Pessoas ainda fazem parte dos bons Amigos. Pessoas que foram um autentico sustentáculo afectivo e humano para o tempo que lá estive e tempo de internamento nos hospitais de Luanda e da Estrela.
Graças às sementes lançadas na casa paterna,Joc ,estadia nos OP e percurso de opção de vida, vejo o Sr Bush como fazendo parte daquilo que ele chama eixo do mal. A invasão que ele resolveu decretar para terminar com as apregoadas armas quimicas levou e esta a levar a mortes de Pessoas diáriamente. Não é somente patricios do Sr. Bush e da SrªRice que estão a morrer mas é um POVO que já tinha a desdita de ter um presidente que mandava matar quem não estivesse de acordo com o seu partido. Como deves calcular nunca tive simpatia pelo sr. Saddam, que foi apoiado e colocado pelas administrações americanas e termina condenado à morte. Devia ser julgado e condenado por um tribunal livre e justo mas isto de fazer condenações à morte é coisa que não entra na minha maneira de ser.
Aceito que penses de modo diferente de mim mas, seria injusto para todos nós que fizemos um percurso comum e que estamos a "renovar um criar laços" se não deixa-se esta "partilha" neste tempo de Quaresma que foi importante para nós em determinado período das nossas vidas.
Aceita o meu reconhecimento de ainda, num espaço da tua memória, estar gravado o meu nome e o meu fraterno abraço de quem não pensa como tu mas que percorreu caminhos comuns.
Joaquim Moreno

quinta-feira, 8 de março de 2007

À atenção do Horácio Araújo e do Joaquim Moreno

Amigos: Os vossos textos chegaram, mas um pequeno problema técnico, impede-me de os transportar já para este espaço. Logo que esteja ultrapassado tal precalço, que por certo não demorará, serão editados de imediato. A seu tempo, comentarei as vossas amáveis mensagens.
As minhas desculpas e um abraço.
Nelson

APELO

Voltei a olhar o Blog. Perscrutei qualquer sinal dos meus amigos que estão ao corrente da sua existência, mas continuam expectantes a ver como param as modas. E fiquei triste, muito triste. Chamem-me tristonho. Mas é esta a malta que fervilhava nos salões e à sombra do velho carvalho de Aldeia Nova? São estes os estudantes que animavam os cursos de filosofia do Colégio de S. Tomás de Aquino, e entusiasmavam os estudantes das outras Ordens? Que lhes aconteceu? Não querem mais conviver com os colegas do passado?
Não tenho nenhum mérito na criação do blog. Esse é devido ao Nelson Veiga, ao Fernando Vaz e ao Eduardo Bento. Por isso é que me manifesto por eles, já que a minha sensibilidade me diz que estarão certamente desapontados. Também não espero o elogio de bom escritor pelos dois textos que escrevi para o blog. Não preciso desse elogio, porque conheço o meu valor. Fui eu que ensinei a pontuação ao José Saramago.
Tenho recebido alguns emails de amigos que comentam o Blog. Alguns acrescentam que estão demasiado ocupados. Daqui a algum tempo, dizem, estarão em condições de participar. Compreendo perfeitamente. Eu também quando fui estagiário, no início da minha vida profissional, fazia tudo para agarrar o lugar. Até ía à missa para o chefe me ver. Mas vejamos. Com o mesmo tempo que me escrevem o email, fazem o comentário directamente no blog. Vamos a isso?
Confiante na vontade dos amigos em “criar laços”, aqui vai um grande abraço.
A. Aleaxndrino